I - RELATÓRIO
Em 10 de julho/2020, o INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE COMUNIDADES HUMANIZAR-IDESC deflagrou a presente ação civil pública em face da UNIÃO FEDERAL, da empresa SUPRICORP SUPRIMENTOS LTDA e OUTRAS, pretendendo a condenação das requeridas a se absterem de fabricar e comercializar produtos rotulados como oxidegradáveis, assim como a condenação dos demandados a apresentarem laudos técnicos comprobatórios de biodegradabilidade dos produtos lançados no mercado. Ela requereu a condenação dos demandados à reparação dos danos ambientais que disse terem sido ocasionados pela comercialização de produtos com aditivo oxidegradável.
O instituto autor sustentou haver uma grande preocupação, de ordem mundial, concernente à poluição decorrente do uso indiscriminado e do descarte inadequado de plásticos. Por conta disso, empresas e governos estariam buscando soluções destinadas a amenizar o impacto ambiental, a exemplo do emprego dos chamados plásticos biodegradáveis, que se decomporiam totalmente em poucos anos ou meses. No entanto, segundo o instituto requerente, empresas estariam visualizando nessa busca pela sustentabilidade tão somente uma forma de obtenção de lucros, sem necessariamente incorporarem o princípio da proteção ambiental em suas atividades.
Segundo a peça inicial, o Instituto de Defesa do Consumidor - IDEC teria realizado pesquisa sobre o tema, destacando que diversas empresas estariam utilizando uma comunicação com apelo ecológico em seus rótulos, muitas vezes abusando de selos, certificados e dos termos "ecológico", "sustentável" ou "amigo do meio ambiente" apenas para atrair consumidores. Tal mecanismo teria sido conhecido como "geenwashing", expressão utilizada com o significado de "maquiagem verde" ou "lavagem verde".
Na situação em exame, haveria uma polêmica por conta da utilização dos chamados plásticos oxidegradáveis, cujos fabricantes garantiriam que uma pequena fração de aditivo no processo de fabricação transformaria qualquer polímero comum em biodegradável, o que seria uma solução de baixo custo. Todavia, segundo o instituto autor, haveria cada vez mais evidências de que o aditivo oxidegradável seria um agente poluidor ainda mais grave do que o plástico comum, na medida em que além de não ser biodegradável, teria potencial de contaminação de ecossistemas com microplásticos ou nanoplásticos, conduzindo a danos e prejuízos de proporções incalculáveis.
Ele alegou ter sido evidenciado no caso que os consumidores, ao utilizarem produtos plásticos oxidegradáveis, estariam acreditando em propagandas enganosas e tendo seus direitos de consumidor violados, com informações incorretas, incompletas e ou imprecisas do produto adquirido. Reportou-se ao relatório da ONG internacional WWF, que buscaria chamar a atenção para necessidade da tomada de ações concretas para combater a poluição plástica e aduziu que o Brasil teria assumido um compromisso global de melhora da qualidade de vida das pessoas com a Agenda 2030 da ONU.
Acrescentou que, nos termos do relatório mencionado, os solos, águas doces e oceanos estariam contaminados com macro, micro e nanoplásticos, sendo que a cada ano, seres humanos e outras espécies de animais ingeririam um número cada vez mais de nanoplásticos a partir de seus alimentos e da água potável, e seus efeitos totais ainda seriam desconhecidos. Ademais, a poluição por plástico mataria a vida selvagem, danificaria os ecossistemas naturais e contribuiria para as mudanças climáticas.
Quanto ao aditivo oxidegradável, também conhecido como oxodegradável e oxibiodegradável - referindo-se a esta última nomenclatura como errônea -, haveria diversidade de estudos e pesquisas que o apontariam como uma falsa solução ambiental. Citou estudos e relatórios produzidos pela União Européia, Fundação Ellen MacArthur, Ministério do Meio Ambiente, Instituto Plastivida, Instituto de Química da Universidade Federal de Goiânia, além de iniciativas legislativas buscando inibir o uso do aditivo oxidegradável.
Seria caso de responsabilização objetiva dos demandados pelos danos ambientais, requereu a antecipação de tutela, em prol da adoção de medidas de recolhimento de todos os produtos produzidos com aditivos oxidegradáveis. Postulou a intimação da Associação Brasileira de Normas Técnica - ABNT para atuar como amicus curiæ e que sejam promovidas determinação ao Poder Público, em todas suas esferas e níveis, para que deixe de adquirir, por meio de licitação ou outras modalidades, produtos plásticos que contenham aditivo oxidegradável em sua composição. Detalhou seus demais pedidos, anexando documentos nos movimentos 1, 3 e 4. Atribuiu à causa o valor de R$ 30.000,00 (trinta milhões de reais).
No movimento5, determinei a exclusão da representante da empresa TudoBiodegradável do polo passivo e determinei que o autor indicasse o endereço da aludida empresa, devendo detalhar, além disso, o pedido e causa de pedir da pretensão endereçada à União Federal. O processamento da peça inicial foi indeferido, quanto ao pedido relacionado a empresas não especificadas na inicial - dado cuidar-se de pedido genérico e violar o art. 506, CPC - e também restou indeferido o pedido de intimação da ABNT para figurar como amicus curiæ no processo. O autor também foi instado a justificar o valor atribuído à causa.
O autor emendou a petição inicial, conforme evento 5, alegando que a empresa Tudobiodegradável atuaria como e-commerce, não possuindo endereço físico. Justificou a presença da União no polo passivo, argumentando que o compromisso, assumido pela República Federativa do Brasil, de preservar o meio ambiente para gerações futuras, conforme Agenda 2030, ONU, e art. 225, Constituição/88, exigiria legislação federal e diretiva para adoção de medidas similares pelos estados-membros e municípios, bem como que a legislação nacional seria muito flexível no tocante a produção de produtos de plástico, razão que a colocaria em condição de solidariedade com os demais réus. O instituto demandante sustentou estar correto o valor atribuído à causa, dizendo ter estimado que, individualmente, cada agente responderia por cerca de dois milhões e meio de indenização pelo danos tidos por causados.
No movimento 11, deferi o processamento da emenda à petição inicial, ressalvando oportuna apreciação da pertinência subjetiva da União Federal para a causa e determinei a exclusão da demandada Tudobiodegradável da autuação. Posterguei, ademais, a análise do pedido de antecipação da tutela para momento posterior à apresentação de respostas pelos demandados, ou do esgotamento do prazo para tanto fixado em lei. O autor interpôs, então, o agravo de instrumento - 50423818520204040000 - ev. 176, não acolhido pelo TRF4. Foi expedido ofício à ABNT, para, querendo, manifestar eventual interesse na demanda (evento 24, 71).
A empresa World Post Indústria, Comércio e Serviços Ltda apresentou instrumento de procuração e instrumento de contrato social no evento 40. Por seu turno, a entidade mercantil Altacopo Indústria e Comércio de Produtos Descartáveis Ltda constituiu procurador no processo, conforme evento 45. Já a empresa ECO Ventures Bio Plastics Importação e Exportação do Brasil Ltda juntou instrumeno de procuração no evento 48 e contrato social no evento 55, contrsocial2. A demandada Strawplast Indústria e Comércio Ltda apresentou instrumento de procuração e instrumento de contrato social no evento 49. A Res Brasil Ltda, apresentou procuração e contrato social no evento 51, PET1. Plaslix Indústria e Comércio de Embalagens Ltda, no evento 52. A empresa Supricorp Suprimentos Ltda no evento 53, pet-1, enquanto que a Copobras S/A. Indústria e Comércio de Embalagens no evento 54, PET1. Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda no evento 56, pet1. Lojas Americanas nos eventos 59 e 60. Via Varejo S.A. no evento 72, manif1 e evento 134, proc1.
A empresa Eco Ventures Bio Plastics Importação e Exportação do Brasil Ltda postulou a antecipação de tutela, a fim de que a autora fosse compelida a remover conteúdo divulgado em página da internet, mediante cominação de multa por conta de eventual descumprimento, e postulou a imposição de segredo de justiça à presente demanda (evento 55, reiterado no mov. 109). A autora insurgiu-se contra tais argumentos no evento 103. Por seu turno, a empresa Res Brasil ltda. postulou que o juízo consignasse em despacho o termo inicial do prazo para contestação, a partir da realização de audiência de conciliação (movimento 108). A autora postulou a requisição de cópia dos autos de nº 1050943-73.2015.8.26.0100, em trâmite perante a Justiça Estadual de São Paulo/SP (evento 133). Em 03 de fevereiro/2021 foi realizada audiência de conciliação, conforme termo de evento 136, restando infrutífera a tentativa de composição. Na ocasião destaquei que a Eco Ventures Bio Plastics Importação e Exportação do Brasil Ltda, Lojas Americanas S.A. e Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda sustentaram não terem pertinência subjetiva para a causa, na medida em que não teriam atividade industrial, não fabricando o material indicado pelo instituto autor.
As entidades mercantis Supricorp Suprimentos Ltda, Via Varejo S.A. e World Post Indústria, Comércio E Serviços Ltda. disseram não estarem legitimadas para a demanda, dado que não teriam como atender a pretensão deduzida na peça inicial - eventos 138, 139 e 140.
Por seu turno, a empresa Strawplast Indústria e Comércio Ltda apresentou contestação no movimento 144, alegando ser signatária de acordo setorial para implantação de sistema de logística reversa de embalagens plásticas e ter contratado uma empresa de gestão ambiental com o fim de atender as exigências da lei 12.305/2010. Para além disso, segundo disse, ela teria iniciado trabalho de desenvolvimento com a requerida Eco Ventures Bio Plastics e Exp. do Brasil Ltda, para fabricação de canudos biodegradáveis. Os produtos plásticos biodegradáveis seriam divididos em pelo menos dois grupos, os naturais e os sintéticos. Os primeiros seriam fabricados a partir de biopolímeros, derivados de matéria-prima oriunda de fontes renováveis, de origem vegetal ou animal, mencionando como exemplo o amido de batata. Os segundos seriam produzidos a partir de matéria-prima derivada de fonte não renovável, como a nafta, recebendo a adição de substâncias que acelerariam a degradação, gerando com consequência resíduos biodegradáveis e não nocivos à saúde humana e ao ambiente.
A requerida sustentou que - ao final do processo de desenvolvimento - ela utilizaria o aditivo biodegradável 'go green p life', oferecido pela demandada Eco Ventures, que seria distinto de outros aditivos presentes no mercado, por comportar a tecnologia 'p life'. Ademais, ele seria o primeiro e único biodegradante certificado pelo instituto escandinavo Science Parner - SP Technical Research, que atenderia a norma ASTM D 6954-4 sob SPCR 141. Referido certificado seria entendido pela própria requerente como necessário à comprovação da biodegradabilidade do seu produto, bastando a aplicação de 1% do aditivo na formulação do produto para transformação de derivados da nafta em materiais biodegradáveis.
Ela impugnou os argumentos esgrimidos na peça inicial, sustentando que os aditivos 'oxibiodegradáveis' seriam distintos dos 'oxidegradáveis', não só no processo de degradação, mas no resultado final. Tais produtos passariam por dois processos de degradação - abiótico e biótico -, gerando no seu local de descarte apenas água, CO2 e biomassa. Os oxidegradáveis, por sua vez, não receberiam na sua terminologia o afixo 'bio', na medida em que seu processo de degradação se encerraria na fragmentação do plástico. Outra característica relevante do produto é que não utilizaria como princípio ativo metais pesados no processo de biodegradação. Sua base seria de ácido graxo, derivado do óleo do coco da palmeira, característica essencial para que o produto receba certificação da ASTM.
A Strawplast discorreu sobre as certificações do produto, disse que a autora não estaria legitimada a deflagrar a presente ação civil pública, dada a ausência de autorização estatutária, na medida em que estaria a demandar questão ambiental e não consumerista, bem como por não demonstrar interesse institucional específico no presente processo. Alegou lhe faltar pertinência temática para debater em juízo a questão versada na peça inicial; ademais, o instituto requerente não possuiria aptidão institucional para debater interesses afetos à ordem econômica. A autora tampouco poderia requerer indenização por suposta ocorrência de dano ambiental, na medida em que a legislação teria atribuído tal mister exclusivamente ao Ministério Público.
Não haveria qualquer impedimento legal à comercialização de produtos intitulados pela requerente como oxidegradáveis, bem como que a peça inicial não indicaria qualquer dano ambiental concreto, alegadamente produzido em razão de sua industrialização e comercialização, o que importaria em ausência de interesse processual. Ademais, ao alegar a existência de lacuna legislativa infraconstitucional, no tocante à comercialização de produtos plásticos biodegradáveis, ela estaria almejando, por meio da presente demanda, legislar e exercer controle de constitucionalidade em abstrato, invadindo esfera decisória a cargo do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal.
Por seu turno, a empresa Supricorp Suprimentos Ltda contestou a pretensão da autora no movimento 145, invocando a sua ilegitimidade para a demanda, alegou que a peça inicial seria inepta e impugnou o valor atribuído à causa. Ela insurgiu-se contra o pleito do demandante, dizendo que o copo 'Ecogreen', por ela comercializado, seria produzido com o emprego de um aditivo químico denominado D2W, certificado com a norma PE-308.01 ABNT, que o tornaria biodegradável, conforme laudos obtidos junto ao fornecedor. Por sua vez, a atividade por ela desenvolvida não estaria submetido a restrições legais e sequer haveria justificativa para a pretensão de reparação de danos ambientais, sendo que o valor da indenização postulado pela autora superaria o investimento mensal por ela promovido.
A empresa Altacoppo Indústria e Comércio de Produtos Descartáveis apresentou contestação no movimento 146. Alegou que o presente Juízo seria incompetente para o processo e julgamento desta demanda, alegou a ilegitimidade do instituto autor, lhe faltar interesse de agir e disse que a peça inicial seria inepta. Postulou a citação da União para, querendo, oferecer oposição à pretensão, e a limitação do litisconsórcio facultativo. Quanto ao mais, ela sustentou que a pretensão representaria ofensa aos princípios da legalidade e da isonomia. Impugnou o pedido de inversão do ônus probatório, disse ser filiada à ABIPLAST, entidade que teria desenvolvido diversos programas de educação ambiental, com o intuito de proteção ao ambiente, objetivando repensar o modo de uso das embalagens, bem como que atuaria dentro das diretrizes previstas na lei 12.305;2010.
A requerida sustentou ser uma empresa de transformação e respeitar, na fabricação de seus produtos, todas as normas impostas à sua atividade. Destacou que, dentre os produtos por ela produzidos e comercializados, encontrar-se-ia o copo na cor verde, que utilizaria o aditivo D2W, referência 93224, de marca registrada pela empresa britânica Symphony Environmental Lta, entidade que teria sido agraciada com o selo de Economia Verde Britânica e certificada pela ABNT, conforme PE-308.01 acreditada pelo INMETRO, sendo inclusive empresa certificada ISO 9001 e ISO 14001. As embalagens em polietileno e polipropileno, utilizando aditivos d2w™, seriam biodegradáveis em ambiente aberto, na presença de oxigênio e microrganismos, em conformidade com normas vigentes válidas: ASTM 6954-18; United Arab Emirates Standard 5009:2009; French Accord T51-808 e Saudi Standard SASO 2879. Ela impugnou a pretensão do autor ao arbitramento de indenização pretendida e discorreu sobre a judicialização de políticas públicas, aduzindo que não estariam preenchidos os requisitos necessários à tutela de urgência.
A empresa Copobras S.A. Indústria e Comércio de Embalagens apresentou contestação no movimento 147, em que reportou-se aos argumentos da empresa Strawplast. Disse ser signatária de acordo setorial para implantação de sistema de logística reversa de embalagens plásticas e ter contratado empresa de gestão ambiental com o fim de atender as exigências da Lei 12.305/2010. Para além disso, segundo narrou, teria iniciado trabalho de desenvolvimento com a requerida Eco Ventures Bio Plastics e Exp. do Brasil Ltda, para fabricação de canudos biodegradáveis. Os produtos plásticos biodegradáveis seriam divididos em pelo menos dois grupos, os naturais e os sintéticos. Os primeiros seriam fabricados a partir de biopolímeros, derivados de matéria-prima oriunda de fontes renováveis, de origem vegetal ou animal, citando como exemplo o amido de batata. Os segundos seriam fabricados a partir de matéria-prima derivada de fonte não renovável, como a nafta, receberiam a adição de substâncias que aceleram a degradação, gerando com consequência resíduo biodegradável e não nocivo à saúde humana e ao meio ambiente.
Segundo a demandada, ao final do processo de desenvolvimento, seria utilizado o aditivo biodegradável denominado 'go green p life', oferecido pela demandada Eco Ventures, que seria distinto de outros aditivos oferecidos no mercado, por comportar a tecnologia 'p life'. Ademais, ele teria sido o primeiro e único biodegradante do mundo certificado pelo instituto escandinavo Science Parner - SP Technical Research, que atende a norma ASTM D 6954-4 sob SPCR 141. Referido certificado seria entendido pela própria requerente como necessário à comprovação da biodegradabilidade do produto, bastando a aplicação de 1% do aditivo na formulação do produto para transformação de derivados da nafta em materiais biodegradáveis.
Ela impugnou os argumentos lançados na petição inicial, sustentando que os aditivos 'oxibiodegradáveis' seriam distintos dos 'oxidegradáveis', não só no processo de degradação, mas por conta do resultado. Tais produtos passariam por dois processos de degradação, abiótico e biótico, gerando no seu local de descarte, ao final, apenas água, CO2 e biomassa. Os oxidegradáveis, por sua vez, não receberiam na sua terminologia o afixo 'bio', na medida em que seu processo de degradação se encerraria na fragmentação do plástico. Outra característica importante acerca do produto, é que não utilizaria como princípio ativo metais pesados no processo de biodegradação. Sua base seria de ácido graxo, derivado do óleo do coco da palmeira, característica essencial para que o produto receba certificação da ASTM.
Ela discorreu sobre as certificações do produto, disse que a autora não estaria legitimada a propor a presente ação civil pública, por ausência de autorização estatutária, na medida em que estaria a demandar questão ambiental e não consumerista, alegou que o autor não teria demonstrado ter interesse institucional na demanda. Alegou lhe faltar pertinência temática à inicial para discutir, em ação coletiva, a restrição de qualquer atividade econômica que seja, mesmo tendo como fundamento a suposta preservação ambiental como um dos seus objetos institucionais, bem como que a requerente não possuiria aptidão institucional para debater interesses afetos à ordem econômica. Aduziu que a autora tampouco poderia requerer indenização por suposta ocorrência de dano ambiental, na medida em que a legislação teria atribuído tal mister exclusivamente ao Ministério Público.
Não haveria qualquer impedimento legal à comercialização de produtos intitulados pela requerente como oxidegradáveis, e que a inicial não teria indicado qualquer dano ambiental concreto produzido em razão de sua industrialização e comercialização, o que importaria em ausência de interesse processual. Ademais, ao alegar a existência de lacuna legislativa infraconstitucional, a autor almejaria se substituir ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal, o que seria indevido.
A empresa World Post Indústria Comércio e Serviços Ltda contestou a pretensão da autora, conforme movimento-148. Ela alegou a incompetência do presente juízo, sustentando que caberia à Seção Judiciária do Distrito Federal o seu processamento. A autora não possuiria legitimidade para a causa e sustentou ser parte ilegítima para figurar como requerida na demanda. Reportou-se aos argumentos da empresa Res Brasil Ltda, dizendo de que o aditivo d2w em contato com o ambiente natural seria facilmente degradado por bactérias e fungos, convertendo-se em dióxido de carbono e biomassa, sem deixar resíduos tóxicos ou micro plásticos. Sustentou que, desde de o início da relação mantida com a demandada referida, ela teria obtido documentos e certificações nacionais e internacionais sobre o aditivo em questão, que comprovariam o resultado de biodegradação. Alegou não haver legislação ou política pública reputando ilegal o uso e a fabricação de plásticos. Ademais, o biogás estaria presente em processos de biodegradação anaeróbica, independentemente do uso de aditivos ou não.
O aditivo d2w seria 75% melhor que os plásticos comuns e de fonte renovável ou compostável, quando o descarte se daria na natureza, conforme certificação da Intertek Group. Discorreu sobre os esforços das indústrias em prol de melhores soluções ambientais, insurgiu-se contra o argumento de que utilizaria propaganda enganosa, postulou o afastamento de qualquer condenação por supostos danos ambientais, ao argumento de que teria agido legalmente, impugnou o pedido de inversão do ônus da prova.
D'outro tanto, a empresa Arcos Dourados Comércio de Alimentos S.A. apresentou contestação no movimento 149, em que sustentou que a petição inicial seria inepta. Ela denunciou à lide a entidade mercantil Plastifama Industria e Comercio de Plásticos e Papel, dizendo ser a fabricante e fornecedora dos produtos comercializados pela demandada. Alegou sua ilegitimidade para a demanda e a ilegitimidade da autora para a causa. Alegou a incompetência da Justiça Federal para a ação civil pública, dado não haver qualquer interesse da União. Quando menos, a Subseção Judiciária Federal do Paraná seria incompetente para a demanda, devendo a causa ser redistribuída para a Subseção de Brasília. Impugnou o valor atribuído à causa e postulou o chamamento à demanda dos demais adquirentes de produtos do fabricante Plastifama.
Ademais, não haveria ilegalidade na comercialização e uso dos seus produtos, discorreu sobre os princípios invocados na inicial, disse que a pretensão se trataria de uma tentativa de direcionar políticas públicas, o que importaria em usurpação do Poder Legislativo por meio da atuação do Poder Judiciário. Discorreu sobre a responsabilização ambiental, alegando que não restaria comprovada a ocorrência dos alegados danos ambientais. Postulou o indeferimento do pedido de inversão do ônus da prova.
A empresa Ecoventures Bio Plastics Importação e Exportação do Brasil Ltda contestou a pretensão da autora, conforme evento 150. Alegou faltar interesse à União, para atuar na demanda, de modo que a causa haveria de ser redistribuída perante a Justiça Estadual. A autora não estaria legitimada para a demanda; não teria sido detalhada a causa de pedir pertinente; lhe faltaria interesse processual. Ademais, os pedidos seriam incompatíveis entre si. Disse cuidar-se de empresa subsidiária da Brasil Eco Ventures Inc. e contar com certificações internacionais, além de oferecer atendimento personalizado, mediante desenvolvimento de fórmulas especiais de acordo com os objetivos e interesses de cada cliente. Seu produto 'Go Green P-Life' teria sido desenvolvido com tecnologia biodegradável desenvolvida no Japão e ter como principal componente o óleo de coco, além de terras raras e lubrificantes, destituído de toxidade, sendo oriundo de fonte renovável. Ela mencionou os certificados obtidos para comercialização do produto, discorreu sobre as características dos produtos biodegradáveis e oxibiodegradáveis, insurgindo-se contra os argumentos esgrimidos na inicial. Os alegados danos morais não teriam sido comprovados pela demandante; não estariam preenchidos os requisitos para inversão do ônus da prova e tampouco para a antecipação de tutela, nesta demanda.
A empresa Res Brasil Ltda apresentou contestação no evento 151, dizendo que a presente Subseção Judiciária de Curitiba seria incompetente para a demanda. Alegou que a autora não estaria autorizada, pela legislação, à deflagração desta ação civil pública. Disse que lhe faltaria interesse processual, haveria incongruência entre a narrativa dos fatos, promovida na peça inicial, e a pretensão da demandante. A petição inicial seria inepta. Discorreu sobre as características dos seus produtos, enumerando os certificados obtidos, sustentando a ausência de danos ao consumidor e ao ambiente. Alegou que o autor estaria litigando de má-fé. Ademais, teria deduzido pretensão contra texto expresso de lei, ao tempo em que teria alterado a verdade dos fatos.
A empresa Via Varejo S.A. apresentou contestação no movimento 154, alegando a sua ilegitimidade para a demanda e impugnando a pretensão da autora, sustentando ofensa à isonomia e à livre concorrência. Ela não seria responsável pelos supostos danos ambientais aventados na petição inicial. A autora não teria comprovado a ocorrência de danos ambientais, meramente noticiados no movimento1. Impugnou os documentos apresentados e o valor da indenização postulada na peça inicial.
Por seu turno, a empresa Plaslix Indústria e Comércio de Embalagens Plásticas Ltda contestou a pretensão, conforme movimento 155. Sustentou a incompetência da Justiça Federal para o processo e julgamento da demanda, a ilegitimidade da autora, por ausência de pertinência temática. Disse não estar legitimada a figurar como requerida na demanda. Impugnou o valor atribuído à causa. Ela teria sido licenciada no ano de 2012 perante a empresa Res Brasil Ltda, com o escopo de ofertar soluções aos seus clientes, tendo inserido tais informações em seu website. Diante da ausência de interesse de seus clientes, ela não teria manifestado interesse na aquisição do produto aditivo 'd2w', desde o ano de 2015, tampouco estaria comercializando produtos oxidegradáveis ou mesmo biodegradáveis. De outro norte, promoveria a remoção e reciclagem de polietileno flexível originários de indústrias, comércios e supermercados, a fim de serem reutilizados como novas embalagens de todos os tipos, evitando que degradem o meio ambiente. Invocou o princípio da legalidade, aduzindo não haver norma proibitiva de suas atividades comerciais, insurgiu-se contra os argumentos veiculados na peça inicial, disse não ter responsabilidade pelos danos noticiados pela autora, que por sua vez não teriam sido demonstrados. Insurgiu-se contra o pedido de inversão do ônus da prova e postulou a improcedência da ação.
A empresa Lojas Americanas S.A. apresentou contestação no movimento 156, sustentando a ilegitimidade do instituto demandante, a inépcia da petição inicial e ilegitimidade sua para figurar no polo passivo da demanda. Impugnou os argumentos iniciais, aduzindo a impossibilidade de submeter ao Poder Judiciário a análise de política pública, asseverou que a questão haveria de ser tratada no âmbito do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Ademais o autor teria anexado projetos de lei e trabalhos técnicos que iriam de encontro ao que afirmou na inicial.
O autor juntou documentos e apresentou réplicas nos eventos 159 a 175, repisando os argumentos esgrimidos na peça inicial. Por seu turno, a empresa Via Varejo apresentou instrumentos de procuração e de substabelecimentos no movimento 180. O Ministério Público Federal anexou parecer no movimento 184, em que opinou em prol da rejeição das exceções e objeções processuais suscitadas pelos requeridos, com continuidade da demanda. O autor anexou norma técnica da ABNT no evento 188 e postulou a apresentação de documentação complementar pelas requeridas.
II - FUNDAMENTAÇÃO
O adequado saneamento deste processo demanda o equacionamento de algumas premissas, com subsequente contraposição - com cognição precária - aos elementos de convicção veiculados nestes autos.
2.1. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL:
Alguns dos requeridos sustentaram que a demanda deveria tramitar perante a Justiça Estadual, dada a alegada ilegitimidade da União Federal para esta ação civil pública. Registro inicialmente alguns vetores concernentes à alçada da Justiça Federal, com subsequente exame da legitimidade do mencionado ente federativo para a presente causa.
2.1.1. Alcance do art. 109, I, Constituição:
Ora, como sabido, a Justiça Especial é caracterizada pela aplicação de leis processuais próprias, a exemplo do que ocorre com a Justiça Eleitoral, com a Justiça do Trabalho e com a Justiça Militar da União e Militar dos Estados. A Justiça Federal é considerada, por conta desse critério, uma espécie de Justiça Comum, tanto quanto se dá com a Justiça Estadual.
Com efeito, conquanto - exceção feita aos casos criminais e mandados de segurança - a Justiça Federal esteja destinada a apreciar demandas em que a União Federal, autarquias federais ou empresas públicas federais figurem como autoras, requeridas, assistentes ou oponentes - exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho (art. 109, I, CF) -, isso se dá com a aplicação das mesmas normas processuais incidentes no âmbito da Justiça Comum Estadual.
Em que pese a Justiça Federal seja justiça comum, a sua competência foi detalhada nos arts. 108 e 109 da Constituição Republicana. Importa dizer: as suas atribuições não podem ser ampliadas ou restringidas pela legislação infraconstitucional, exceção feita aos casos expressa ou implicitamente franqueados pela própria Lei Maior, a exemplo da cláusula do art. 109, VI, Constituição Republicana/88 e entendimento consagrado com a súmula 122, STJ.
Convém mencionar novamente, desse modo, o art. 109, I, Constituição Federal/88: "Aos juízes federais compete processar e julgar (...) as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho."
Percebe-se facilmente, em face disso, que a competência da Justiça Federal não é fixada simplesmente pelo fato de que a União, empresas públicas ou autarquias federais tenham interesses econômicos ou de outra origem relacionados ao caso. "O interesse da União deve ser qualificado. Há de ser jurídico, não de mero fato ou adjuvandum tantum." (CARVALHO, Vladimir Souza. Competência da Justiça Federal. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2001. p. 36).
Esse entendimento está na origem, por sinal, da conhecida súmula 251 do STF: "Responde a Rede Ferroviária Federal S.A. perante o foro comum e não perante o Juízo Especial da Fazenda Nacional, a menos que a União intervenha na causa." Menciono também a súmula 61 do extinto Tribunal Federal de Recursos - TFR, cujos fundamentos permanecem válidos: "Para configurar a competência da Justiça Federal, e necessário que a União, Entidade Autárquica ou Empresa Pública Federal, ao intervir como assistente, demonstre legítimo interesse jurídico no deslinde da demanda, não bastando a simples alegação de interesse na causa."
Assim, dado que a lei não pode ser interpretada como se veiculasse palavras inúteis (verba cum effectu sunt accipienda), a menção que a Constituição faz à condição de autor, requerido, oponente ou assistente (art. 109, I, CF) não pode ser abstraída pelo intérprete. Em princípio, a causa apenas poderá tramitar perante a Justiça Federal quando algum dos entes federais, assim conceituados no art. 109 da Constituição, ocupar, ou quando deva ocupar uma dessas posições processuais.
PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 1. A competência da Justiça Federal é definida, segundo disposto no inciso I do artigo 109 da Lei Fundamental, pela participação da União, autarquia ou empresa pública federal em uma das quatro posições processuais nele referidas. 2. Não havendo, na ação civil pública onde proferido o ato jurisdicional impugnado, participação da União, autarquia ou empresa pública federal como autora, ré, assistente ou opoente, acompetência para seu processo e julgamento toca à Justiça Comum Estadual. 3. Agravo a que se nega provimento. (AG 200101000106519, JUIZ CARLOS MOREIRA ALVES, TRF1 - SEGUNDA TURMA, DJ DATA:19/11/2001 PAGINA:163.)
Daí a necessidade de se aferir, não raro, se algum dos entes federais, relacionados no art. 109, I, Constituição/88, ocupa (ou se deve ocupar) a função de demandante, demandado, assistente ou oponente. Em muitos casos, isso se dá em situações de litisconsórcio passivo necessário, conforme arts. 114, 115 e 506, CPC/15.
Por outro lado, cuida-se de tema submetido ao exame da própria Justiça Federal ou do Superior Tribunal de Justiça - quando suscitado conflito de competência -, conforme conhecidas súmulas 150 e 224 e 254, STJ:
Súmula 150, STJ - Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas.
Súmula 224, STJ - Excluído do feito o ente federal, cuja presença levara o Juiz Estadual a declinar da competência, deve o Juiz Federal restituir os autos e não suscitar conflito.
Súmula 254, STJ - A decisão do Juízo Federal que exclui da relação processual ente federal não pode ser reexaminada no Juízo Estadual.
Assim, exceção feita aos mandados de segurança - submetidos a regras próprias (art. 108, I, "c" e art. 109, VIII, Constituição/88) -, na temática cível a competência da Justiça Federal deverá ser reconhecida quando se tratar de pretensão deduzida por entes federais (União Federal, autarquias federais ou empresas públicas federais) ou quando se tratar de pretensão que lhes seja endereçada. Quanto ao tópico, no mais das vezes, não surgem grandes controvérsias, cuidando-se de simples aplicação da lógica do art. 17, CPC/15. Problemas podem surgir quanto se trata de litisconsórcio, oposição ou assistência, conforme disposto nos mencionados arts. 114, 115, 119, CPC/15.
2.1.2. Competência da Justiça Federal - situação em exame:
No caso vertente, o instituto requerente endereçou sua pretensão em face da União Federal, o que atende ao requisito do art. 109, I, Constituição Federal/88 e do art. 10 da lei n. 5.010/66. Assim, ressalvada eventual declaração de ilegitimidade passiva da requerida - questão a ser apreciada nos tópicos subsequentes - a demanda submete-se, em princípio, à alçada da Justiça Federal.
2.2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E COMPETÊNCIA:
Cuidando-se de ação promovida em defesa de interesses coletivos, é relevante atentar para a lição de Rodolfo de Camargo Mancuso, quando sustenta o que transcrevo abaixo:
"Na interpretação das regras de competência é preciso ter presente que neste campo se está lidando com a jurisdição coletiva, de sorte que os critérios e parâmetros provindos do processo civil clássico - vocacionado à tutela de posições individuais, no plano da jurisdição singular - devem aí ser recepcionados com a devida cautela e mediante as necessárias adaptações. As diretrizes da instrumentalidade e da efetividade do processo precisam ser particularmente implementadas, de sorte a se priorizar o foro do local do dano, seja pela proximidade física com os fatos ocorridos ou temidos, seja pela facilitação na colheita da prova, seja pela imediação entre o juízo e os sujeitos concernentes aos interesses metaindividuais de que se trata." (MANCUSO, Rodolfo. Ação civil pública. Em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 7. ed. SP: RT, 2001. p. 79).
É cediço, ademais, que, no que toca às ações civis públicas, é aplicável o art. 93 da lei 8.078/1990, por força do art. 21 da lei 7.347/1985: "Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I - no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo civil aos casos de competência concorrente."
Esse critério é alvo da crítica do procurador Elton Venturi, para quem o dispositivo deveria ser lido com temperamentos, de modo a respeitar também a competência dos juízos de comarcas e subseções do interior dos Estados-membros (VENTURI. A competência jurisdicional na tutela coletiva in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Direito Processual Coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: RT, 2007. p. 103).
Em muitos casos, pode-se cogitar da aplicação do art. 2º-A, lei 9494/1997, com a redação veiculada pela medida provisória n. 2.180-35/2001:
Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator.
Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.
É duvidosa a constitucionalidade da mencionada norma, eis que veiculada por medida provisória. Como notório, é questionável a viabilidade de que se modifiquem regras processuais mediante um instrumento legislativo de caráter excepcional e contingente, apenas cabível quando efetivamente presente uma situação de urgência (art. 62, Constituição). Por sinal, esse entendimento do STF está na base da solução dispensada pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 1.101.937. Mesmo abstraindo-se isso, o fato é que, quando em causa aventados danos ambientais de alcance nacional - ou de interesse direto ou indireto de todas as pessoas que se encontram em solo nacional - é manifesta a viabilidade de se deflagrar a demanda perante a Capital de qualquer um dos Estados-membros, na forma do art. 109, §2º, Constituição, como já reconhecido pela jurisprudência pátria:
AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL CONTRA A UNIÃO E AUTARQUIAS FEDERAIS, OBJETIVANDO IMPEDIR DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARAÍBA DO SUL. EVENTUAIS DANOS AMBIENTAIS QUE ATINGEM MAIS DE UM ESTADO-MEMBRO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LOCAL DO DANO. 1. Conflito de competência suscitado em ação civil pública, pelo juízo federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, no qual se discute a competência para o processamento e julgamento dessa ação, que visa obstar degradação ambiental na Bacia do Rio Paraíba do Sul, que banha mais de um Estado da Federação. 2. O Superior Tribunal de Justiça tem o pacífico entendimento de que o art. 93, II, da Lei n. 8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidor não atrai a competência exclusiva da justiça federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, quando o dano for de âmbito regional ou nacional. Conforme a jurisprudência do STJ, nos casos de danos de âmbito regional ou nacional, cumpre ao autor optar pela Seção Judiciária que deverá ingressar com ação. Precedentes: CC 26842/DF, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, Rel. p/ Acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Seção, DJ 05/08/2002; CC 112.235/DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 16/02/2011. 3. Isso considerado e verificando-se que o Ministério Público Federal optou por ajuizar a ação civil pública na Subseção Judiciária de Campos dos Goytacazes/RJ, situada em localidade que também é passível de sofrer as consequências dos danos ambientais que se querem evitados, é nela que deverá tramitar a ação. A isso deve-se somar o entendimento de que "a ratio essendi da competência para a ação civil pública ambiental, calca-se no princípio da efetividade, por isso que, o juízo federal do local do dano habilita-se, funcionalmente, na percepção da degradação ao meio ambiente posto em condições ideais para a obtenção dos elementos de convicção conducentes ao desate da lide" (CC 39.111/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJ 28/02/2005). A respeito, ainda: AgRg no REsp 1043307/RN, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 20/04/2009; CC 60.643/BA, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJ 08/10/2007; CC 47.950/DF, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 07/05/2007. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN:
(AGRCC 201101530259, BENEDITO GONÇALVES, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:03/04/2012 ..DTPB:.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVILPÚBLICA. COMPETÊNCIA. NEXO ENTRE PROPOSITURA E OCORRÊNCIA DE SUPOSTODANO. AUSÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. - A questão sobre a competência para processamento de ações civis públicasda natureza desta que ora se põe não é de fácil solução. De se observarque a solução da questão deve passar por uma análise conglobante entreos artigos 2º da Lei 7347/85 e o 93, II, do CDC. - E neste sentido tem caminhado a jurisprudência: ao mesmo tempo em que o danonacional evidencia a faculdade do autor da demanda a que alude o inciso II doartigo 93 do CDC, há que se ter em mente que deve haver mínima vinculaçãoentre o assunto tratado e o local no qual se está a propor a ação. - Embora tenha conhecimento de julgado do C. STJ que afirma de forma peremptória esta faculdade (CC 26.842/DF, Ministro César Rocha) temosoutros, mais recentes e numerosos que, a par de reiterar que a ação podeser proposta nas capitais dos Estados, mas Estados estes que foram tocadospela conduta supostamente delitiva. - Neste sentido que o Ministro Castro Meira, após reiterar que existe a faculdade de ajuizamento no DF ou nas capitais dos Estados, faz questão de frisar que "a ação civil pública ou coletiva poderá, pois, ser proposta, alternativamente, na Capital de um dos Estados atingidos ou na Capital doDistrito Federal" (grifo nosso em trecho do AgRg 13660/PR). - De outro lado, observo que a intenção do legislador, de forma geral, ésempre tendente a vincular a competência de determinado foro à facilidade decolheita de provas para a demanda, o que reforça o pensamento dos julgadosacima colacionados, no sentido de se prestigiar a existência de um liamemínimo entre o local tocado pelo fato e a competência. - Há de haver algum nexo, nem que seja mínimo, entre a propositura e aocorrência de suposto dano e, no caso concreto, observo dos autos que osatos jurídicos tidos como fraudulentos foram praticados em vários locais,mas não em São Paulo.- Ressalto que, conforme observado em decisões anteriores, a jurisprudênciado STJ é firme no sentido de que o foro do local do dano é competente paraprocessar e julgar Ação Civil Pública, mesmo nos casos de improbidadeadministrativa. - Neste sentido, ao apontar o foro do local do dano, como o competente paraa Ação de Improbidade Administrativa, atende, ainda, os princípios docontraditório e da ampla defesa, bem como facilita produção de provasdurante o trâmite do processo.- Recurso improvido.(AI 00055899420134030000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - QUARTA TURMA, DATA:06/07/2016..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Solução semelhante se aplica quando se cogita de danos de alcance regional, por força do já mencionado art. 109, §2º, Constituição/88, na medida em que o demandante pode optar por distribuir a sua peça inicial no local do seu domicílio, no local de alegada ocorrência do fato em que fundamenta seu pleito, no local de situação da coisa demandada ou no Distrito Federal.
Cuidando-se de demanda de interesse nacional, a distribuição desta ação civil pública perante esta Subseção de Curitiba está em conformidade com o art. 109, §2º, Constituição/88. Sabe-se também que eventual declinação de competência territorial apenas pode ser promovida por conta da prévia suscitação de exceção pelas partes, conforme art. 65, CPC/15 e súmula 33, STJ.
2.3. APLICAÇÃO DO ART. 109, §2, CF/88:
Acrescento que, em princípio - caso fosse afastada a aplicação da lei 7.347/1985 -, poder-se-ia cogitar da incidência do art. 53, "d", Código de Processo Civil/15. Segundo aludido dispositivo, é competente para a demanda o Juízo do local em que uma dada obrigação deva ser cumprida, caso seja procedente a pretensão versando sobre o seu adimplemento. Na espécie, isso implicaria a competência em qualquer uma das Subseções da Justiça Federal, diante do alcance nacional da pretensão discutida neste processo.
Note-se, porém, que, nos termos do art. 109, §2, Constituição: "As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal." Destaco, assim, que, por opção constitucional, a demanda em questão, deflagrada em face da União, pode ser distribuída perante a presente Subseção de Curitiba/PR.
Aludida regra se aplica também às ações civis públicas.
AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVODE COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICOFEDERAL CONTRA A UNIÃO E AUTARQUIAS FEDERAIS, OBJETIVANDO IMPEDIRDEGRADAÇÃO AMBIENTAL NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARAÍBA DO SUL.EVENTUAIS DANOS AMBIENTAIS QUE ATINGEM MAIS DE UM ESTADO-MEMBRO.ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LOCAL DO DANO.1. Conflito de competência suscitado em ação civil pública, pelojuízo federal da 4ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, noqual se discute a competência para o processamento e julgamentodessa ação, que visa obstar degradação ambiental na Bacia do RioParaíba do Sul, que banha mais de um Estado da Federação.2. O Superior Tribunal de Justiça tem o pacífico entendimento de queo art. 93, II, da Lei n. 8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidornão atrai a competência exclusiva da justiça federal da SeçãoJudiciária do Distrito Federal, quando o dano for de âmbito regionalou nacional. Conforme a jurisprudência do STJ, nos casos de danos deâmbito regional ou nacional, cumpre ao autor optar pela SeçãoJudiciária que deverá ingressar com ação. Precedentes: CC 26842/DF,Rel. Ministro Waldemar Zveiter, Rel. p/ Acórdão Ministro Cesar AsforRocha, Segunda Seção, DJ 05/08/2002; CC 112.235/DF, Rel. MinistraMaria Isabel Gallotti, Segunda Seção, DJe 16/02/2011.3. Isso considerado e verificando-se que o Ministério PúblicoFederal optou por ajuizar a ação civil pública na SubseçãoJudiciária de Campos dos Goytacazes/RJ, situada em localidade quetambém é passível de sofrer as consequências dos danos ambientaisque se querem evitados, é nela que deverá tramitar a ação. A issodeve-se somar o entendimento de que "a ratio essendi da competênciapara a ação civil pública ambiental, calca-se no princípio daefetividade, por isso que, o juízo federal do local do danohabilita-se, funcionalmente, na percepção da degradação ao meioambiente posto em condições ideais para a obtenção dos elementos deconvicção conducentes ao desate da lide" (CC 39.111/RJ, Rel.Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJ 28/02/2005). A respeito,ainda: AgRg no REsp 1043307/RN, Rel. Ministro Herman Benjamin,Segunda Turma, DJe 20/04/2009; CC 60.643/BA, Rel. Ministro CastroMeira, Primeira Seção, DJ 08/10/2007; CC 47.950/DF, Rel. MinistraDenise Arruda, Primeira Seção, DJ 07/05/2007.4. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no CC: 118023 DF 2011/0153025-9, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 28/03/2012, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 03/04/2012)
2.4. ESPECIALIZAÇÃO DESTA 11.VF:
A presente 11ª VF da Subseção de Curitiba foi especializada na temática ambiental, minerária, desapropriação, e nos direitos das nações nativas, dentre outros temas, por meio da resolução 39, de 05 de abril de 2005 (Vara Ambiental de Curitiba), sendo renomeada por meio da Resolução 99, de 11 de junho de 2013, também do TRF4. A competência foi modificada por meio da Resolução 23, de 13 de abril de 2016, com regionalização promovida pela Resolução 63, de 25, de julho de 2018, e pela Resolução 43, de 26 de abril de 2019, TRF4.
Por força da referida resolução n. 23, de 13 de abril de 2016, do TRF4, a presente unidade passou a deter competência para apreciar questões pertinentes ao meio ambiente, natural ou urbano, conflitos minerários, desapropriação, terrenos de marinha, situados no litoral paranaense, dentre outros temas. A distribuição desta demanda à presente 11.VF revelou-se escorreita, tanto por isso.
2.5. DISTRIBUIÇÃO AO PRESENTE JUÍZO:
D'outro tanto, dentre os dois Juízos atuantes nesta unidade jurisdicional, a causa restou submetida ao exame deste Juízo Substituto, mediante sorteio, o que atendeu à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, Constituição/88.
2.6. PERTINÊNCIA SUBJETIVA - considerações gerais:
As questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam, não raro, o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética do jurista Enrico Túlio Liebman, quem distinguia os chamados pressupostos processuais (competência, citação válida, imparcialidade etc.), as condições para o válido exercício do direito de ação (legitimidade, interesse processual, possibilidade jurídica do pedido) e, por fim, as questões de mérito (procedência/improcedência do pedido). O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito e os temas próprios às condições da ação não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente precisa e sem ambiguidades.
Segundo se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre a ação em sentido material - como se fosse uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo, de um lado, e a ação em sentido processual, de outro (ou seja, o direito de demandar em Juízo, mesmo quando não se tenha razão). Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética de Liebman, ao enfatizar que as 'condições da ação' também cuidariam, no geral, do mérito da pretensão (saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se estaria obrigada a indenizar etc).
Confira-se com a leitura do texto FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Extinção do Processo e Mérito da Causa in OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org). Saneamento do processo: Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1990. p. 33. Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos requeridos, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial. E, com alguma frequência, isso invade o exame de mérito.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis: "A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito. Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre in status assertionis, a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor. Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito." (ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. Vol. II. Tomo I. SP: RT. 2015. p. 178).
2.6.1. Legitimidade da demandante:
Como é notório, nos termos do art. 5º, V, da lei n 7.347, de 1985, com a redação veiculada pela lei n. 11.448, de 2007, a ação civil pública pode ser deflagrada por associação que esteja constituída há pelo menos um ano, contados retroativamente da data do seu ingresso em juízo.
Para tanto, ela deve estar orientada à proteção ao ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, conforme lei n. 12.966, de 2014.
Cuida-se de uma legitimação autônoma (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 4. ed. SP: Malheiros. 2017. p. 185), que se justifica por força do reconhecimento das associações enquanto uma espécie de corpos intermédios ou grupos de interesse, com propensão para suscitar, perante o Poder Judiciário, debates no interesse da coletividade.
Atente-se para o seguinte julgado, emanado do TRF4:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASSOCIAÇÃO. REQUISITOS DO ART. 5º, V, DA LEI n. 7.347/85. PREENCHIMENTO. LEGITIMIDADE ATIVA. COMPETÊNCIA. - A Lei n. 7.347/85 dispõe, em seu art. 5º, inciso V, alíneas a e b, que tem legitimidade, para propor a ação civil pública (principal) e respectiva cautelar, a associação que esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil, e inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico - Especificamente quanto à pertinência temática, há que ser demonstrado nexo material entre os fins institucionais do demandante e a tutela pretendida na ação civil pública - Sendo notório que o dano em questão é de âmbito nacional, as varas das capitais dos Estados possuem competência concorrente para o conhecimento da demanda. (TRF-4 - AG: 50279400220204040000 5027940-02.2020.4.04.0000, Relator: GIOVANI BIGOLIN, Data de Julgamento: 27/01/2021, QUARTA TURMA)
Sabe-se que "A legitimidade das associações para a propositura da ação civil pública é a chamada legitimação condicionada: exigem-se não só as condições formal e temporal mas a condição institucional, devendo a associação demonstrar pertinência temática entre seus objetivos estatutários e o objeto da ação coletiva." (TRF4, AC 5020053-75.2018.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, RELATORA MARGA INGE BARTH TESSLER, JUNTADO AOS AUTOS EM 10/04/2019)
No presente caso, ao tempo da deflagração da causa, a autora contava com mais de 01 (um) ano de constituição, como se infere do estatuto constitutivo anexado com a peça inicial, com reconhecimento de firma havido em 09 de setembro de 2014. Por outro lado, nos termos do evento-1, estatuto-12 e estatuto-11, a entidade demandante possui escopos concernentes à tutela do consumidor e à garantia da escorreita aplicação da legislação ambiental.


Por conta disso, o instituto requerente está legitimado para atuar como autor nesta ação civil pública, atendendo ao art. 5, da lei n. 7.347/1985, dada a manifesta pertinência temática ao debate travado no âmago desta causa. A tanto converge o exame promovido na obra LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 4. ed. SP: Malheiros. 2017. p. 170 e ss.
Anoto que o instituto requerente deduziu pretensão inibitória e reparatória com lastro, em síntese, em dois argumentos centrais. Sustentou, por um lado, que o polímero em questão não seria efetivamente biodegradável, eis que acabaria por gerar microplásticos, insuscetíveis de absorção pelos biomas pertinentes, dificultando, ademais, técnicas de reciclagem. Por outro lado, as requeridas teriam desconsiderado normas de proteção aos consumidores, empregando propaganda enganosa nas suas estratégias de comercialização. Reputo que as mencionadas causas de pedir estão em conformidade com os escopos do instituto demandante, conforme estatuto constitutivo anexado ao presente eproc, parcialmente transcrito acima. Não acolho, pois, a objeção suscitada pelos requeridos, quanto ao tópico.
2.6.2. Alegada necessidade de autorização dos associados:
Sabe-se que, ao apreciar o art. 2º-A da Lei 9494/97, o STF enfatizou o seguinte: "O disposto no artigo 5º, inciso XXI, da Carta da República encerra representação específica, não alcançando previsão genérica do estatuto da associação a revelar a defesa dos interesses dos associados. Título executivo judicial – associação – beneficiários. As balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, é definida pela representação no processo de conhecimento, presente a autorização expressa dos associados e a lista destes juntada à inicial." (STF, RE 573.232/SC, rel. acórdão - Min. M. Aurélio).
Note-se, não obstante esse precedente, que os Tribunais têm enfatizado que "Hipótese em exame que envolve a defesa de direitos de índole coletiva, caracterizada a substituição processual, sendo inaplicável o precedente no RE 573.232/SC, a afastar, por conseguinte, a exigência de autorização ou deliberação assemblear." (TJ-RJ - AI: 00029220920238190000 202300204122, Relator: Des(a). ELTON MARTINEZ CARVALHO LEME, Data de Julgamento: 06/06/2023, DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 12/06/2023)
Nesse mesmo sentido, atente-se para o julgado abaixo transcrito:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AMBIENTAL. COMPETÊNCIA. LEGITIMIDADE. 1. No caso em tela, a legitimidade do Ministério Público Federal decorre tanto do objeto que se visa proteger por meio da ação (terreno de marinha/Mata Atlântica) como pela sua atuação institucional na preservação de interesse federal, nos termos do art. 109, I da Constituição Federal. 2. Mantida a competência da Subseção Judiciária de Paranaguá pois nada há a determinar, no momento, tratar-se de dano de âmbito regional, a fim de atrair a competência do foro da Capital do Estado. 3. Causa de interesse federal, envolvendo, inclusive, possíveis danos em terrenos de marinha, no que reconhecida a legitimidade ativa da União. 4. Considerando que se trata de ação cujo objeto versa sobre a defesa de direitos difusos e não individuais homogêneos, dispensável a juntada da autorização assemblear, uma vez que a proteção destes direitos está prevista nos atos constitutivos da entidade. (TRF-4 - AG: 50035192620124040000 5003519-26.2012.4.04.0000, Relator: FERNANDO QUADROS DA SILVA, Data de Julgamento: 10/10/2012, TERCEIRA TURMA)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VIA ELEITA. ADEQUAÇÃO. RELAÇÃO NOMINAL DOS FILIADOS E INDICAÇÃO DOS ENDEREÇOS. DESNECESSIDADE. PRESCRIÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO. PARIDADE. GRATIFICAÇÃO DE QUALIFICAÇÃO INSTITUÍDA PELAS LEIS N. 12.778/2012 E N. 13.324/2016. POSSIBILIDADE. SENTENÇA. ALCANCE. 1. O manejo de ação civil pública para defesa de interesses e direitos individuais homogêneos não relacionados a consumidores é amplamente admitida pelo eg. Superior Tribunal de Justiça (STJ: 2ª Turma, AgRg no REsp 1423654/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado em 11/02/2014, DJe 18/02/2014; 2ª Turma, AGRESP 1423654, Relator Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJE 18/02/2014, e 2ª Turma, AGRESP 1241944, Relator Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJE 07/05/2012). 2. É infundada a alegação de que a petição inicial deve ser instruída com relação nominal dos associados/filiados e indicação dos respectivos endereços, ata da assembleia que autorizou a propositura da ação e autorização individual de cada substituído, uma vez que, nos termos do artigo 8º, inciso III, da Constituição Federal (reproduzido, em relação aos servidores públicos, pelo artigo 240, alínea a, da Lei n. 8.112/1990), incumbe ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas (substituição processual). 3. A orientação já consolidada na jurisprudência dos Tribunais Superiores é no sentido de que a entidade sindical, quando atua em substituição processual, tem ampla legitimidade para defender os interesses individuais e coletivos dos integrantes da categoria profissional por ele representada. 4. A jurisprudência pátria consolidou-se no sentido de que, em se tratando de obrigações de trato sucessivo, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação. 5. A limitação prevista no § 4º do art. 13-B da Lei n. 10.410/2002 viola a garantia à paridade remuneratória assegurada pela Emenda Constitucional n. 41/2013, razão pela qual os servidores substituídos, desde que aposentados com direito à paridade, possuem o direito de receber a gratificação de qualificação instituída pelas Leis n. 12.778/2012 e n. 13.324/2016, desde que comprovada a obtenção do título correspondente antes da inativação. 6. Os efeitos da sentença coletiva alcança todos que se encontrem na situação fático-jurídica objeto da lide e são representados pelo Sindicato autor. (TRF-4 - AC: 50277885320184047200 SC 5027788-53.2018.4.04.7200, Relator: SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, Data de Julgamento: 23/09/2020, QUARTA TURMA)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL COLETIVO. LEGITIMIDADE ATIVA DAS ASSOCIAÇÕES. ATUAÇÃO COMO REPRESENTANTE E SUBSTITUTA PROCESSUAL. RE n. 573.232/SC. AÇÃO COLETIVA ORDINÁRIA. REPRESENTAÇÃO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO ESPECÍFICA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO NOMINAL. TARIFA POR LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA. POSSIBILIDADE DA COBRANÇA ATÉ 10/12/2007, COM INFORMAÇÃO EXPRESSA. VERIFICAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO.1. No processo civil, em regra, a parte legítima para a propositura da ação é o titular do direito material, objeto da lide. Excepcionalmente, o ordenamento jurídico confere legitimidade a sujeito diferente (legitimação extraordinária), que defenderá em nome próprio interesse de outrem, na forma de substituição ou representação processual.2. Há substituição processual quando alguém é legitimado a pleitear em juízo, em nome próprio, defendendo interesse alheio, de que o seu seja dependente. Não se confunde, pois, a substituição processual com a representação, uma vez que nesta o representante age em nome do representado e na substituição, ainda que defenda interesse alheio, não tem sua conduta vinculada, necessariamente, ao titular do interesse, ele atua no processo com independência.3. A atuação das associações em processos coletivos pode ser de duas maneiras: na ação coletiva ordinária, como representante processual, com base no art. 5º, XXI, da CF/1988; e na ação civil pública, como substituta processual, nos termos do Código de Defesa do Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública. Como representante, o ente atua em nome e no interesse dos associados, de modo que há necessidade de apresentar autorização prévia para essa atuação, ficando os efeitos da sentença circunscritos aos representados. Na substituição processual, há defesa dos interesses comuns do grupo de substituídos, não havendo, portanto, necessidade de autorização expressa e pontual dos seus membros para a sua atuação em juízo.4. No caso dos autos, a associação ajuizou ação civil pública para defesa dos consumidores em face da instituição bancária, sendo o objeto de tutela direito individual homogêneo, que decorre de origem comum (art. 81, parágrafo único, III, do CDC), com titular identificável e objeto divisível.5. O STF, no julgamento do RE n. 573.232/SC, fixou a tese segundo a qual é necessária a apresentação de ata de assembleia específica, com autorização dos associados para o ajuizamento da ação, ou autorização individual para esse fim, sempre que a associação, em prol dos interesses de seus associados, atuar na qualidade de representante processual. Aqui, a atuação das associações se deu na qualidade de representantes, em ação coletiva de rito ordinário.6. Inaplicável à hipótese a tese firmada pelo STF, pois, como dito, a Suprema Corte tratou, naquele julgamento, exclusivamente das ações coletivas ajuizadas, sob o rito ordinário, por associação quando atua como representante processual dos associados, segundo a regra prevista no art. art. 5º, XXI, da CF, hipótese em que se faz necessária, para a propositura da ação coletiva, a apresentação de procuração específica dos associados, ou concedida pela Assembleia Geral convocada para esse fim, bem como lista nominal dos associados representados.7. Na presente demanda, a atuação da entidade autora deu-se, de forma inequívoca, no campo da substituição processual, sendo desnecessária a apresentação nominal do rol de seus filiados para ajuizamento da ação.8. Nesses termos, tem-se que as associações instituídas na forma do art. 82, IV, do CDC estão legitimadas para propositura de ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos, não necessitando para tanto de autorização dos associados. Por se tratar do regime de substituição processual, a autorização para a defesa do interesse coletivo em sentido amplo é estabelecida na definição dos objetivos institucionais, no próprio ato de criação da associação, não sendo necessária nova autorização ou deliberação assemblear.9. A cobrança da tarifa por quitação (ou liquidação) antecipada de contrato de financiamento é permitida para as antecipações realizadas antes de 10/12/2007, desde que constante informação clara e adequada no instrumento contratual (Res. CMN n. 2.303/96 e n.3.516/2007), circunstância que deverá ser comprovada na fase de liquidação, particularmente por cada consumidor exequente. Desde 10/12/2007, a cobrança da tarifa é expressamente proibida.10. Recurso especial parcialmente provido.( REsp 1325857/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 30/11/2021, DJe 01/02/2022)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE PREMISSA INSUBSISTENTE NO ACÓRDÃO EMBARGADO. RECONHECIMENTO. INAPLICABILIDADE DA TESE FIRMADA PELO STF NO RE N. 573.232/SC À HIPÓTESE. VERIFICAÇÃO. REJULGAMENTO DO RECURSO. NECESSIDADE. AÇÃO COLETIVA. ASSOCIAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA. EXPRESSA AUTORIZAÇÃO ASSEMBLEAR. PRESCINDIBILIDADE. SUCESSÃO PROCESSUAL NO POLO ATIVO. ADMISSÃO. PRECEDENTES DESTA CORTE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES PARA JULGAR IMPROVIDO O RECURSO ESPECIAL DA PARTE ADVERSA. 1. Constatada a inaplicabilidade do entendimento adotado pelo STF à hipótese dos autos, tal como posteriormente esclarecido pela própria Excelsa Corte, é de se reconhecer, pois, a insubsistência da premissa levada a efeito pelo acórdão embargado, assim como a fundamentação ali deduzida, a ensejar, uma vez superado o erro de premissa, o rejulgamento do recurso. 2. Não se aplica ao caso vertente o entendimento sedimentado pelo STF no RE n. 573.232/SC e no RE n. 612.043/PR, pois a tese firmada nos referidos precedentes vinculantes não se aplica às ações coletivas de consumo ou quaisquer outras demandas que versem sobre direitos individuais homogêneos. Ademais, a Suprema Corte acolheu os embargos de declaração no RE n. 612.043/PR para esclarecer que o entendimento nele firmado alcança tão somente as ações coletivas submetidas ao rito ordinário. 3. O microssistema de defesa dos interesses coletivos privilegia o aproveitamento do processo coletivo, possibilitando a sucessão da parte autora pelo Ministério Público ou por algum outro colegitimado, mormente em decorrência da importância dos interesses envolvidos em demandas coletivas. 4. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para julgar improvido o recurso especial interposto pela parte adversa. (STJ - EDcl no REsp: 1405697 MG 2013/0321952-4, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 10/09/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/09/2019)
Desse modo, tem-se entendido que "Segundo o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 573.232/SC, sob o rito da Repercussão Geral, é necessária a juntada de autorização expressa para o ajuizamento, pela associação, de ação coletiva na defesa de interesses dos associados." (STJ, AgInt no AREsp 35.712/SC). Ao mesmo tempo, tem-se asseverado ser desnecessária tal autorização, quando a associação atua como substituta processual, no interesse de grupos que transcendem seus associados.
Nesse sentido, menciono: "Não se exige das associações civis que atuam em defesa aos interesses do consumidor, como sói ser a ora recorrida, autorização expressa de seus associados para o ajuizamento de ação civil que tenha por objeto a tutela a direitos difusos dos consumidores, mesmo porque, sendo referidos direitos metaindividuais, de natureza indivisível, e especialmente, comuns a toda uma categoria de pessoas não determináveis que se encontram unidas em razão de uma situação de fato, impossível seria a individualização de cada potencial interessado." (STJ, REsp 1181066/RS, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2011, DJe 31/03/2011)
Tendo em conta tais premissas, não acolho a objeção suscitada pelos demandados, no que toca à pretensa incorreção da atuação do demandante, nesta ação civil pública. Discute-se nesse processo interesses de toda a comunidade política, gerações presentes e futuras, no que toca à conservação da natureza e também quanto à transparência nas comercialização dos polímeros indicados na petição inicial. Assim, dado o caráter difuso/coletivo da pretensão em causa - que não se confunde com os interesses apenas dos associados da entidade autora -, não procede a objeção processual suscitada quanto ao tópico.
2.6.3. Legitimidade da União Federal:
Em princípio, o simples fato de a legislação discutida em uma demanda ter emanado do Poder Legislativo da União Federal não a legitimaria para a causa, sob pena de que, com idênticos fundamentos, em todo processo que seja invocado o Código Civil, o Código Penal - leis nacionais - ou seja invocada a lei de licitações - uma lei federal -, a União seja tida como parte pertinente para a causa. Esse redutio ad absurdum - esse exagero retórico - evidencia que as atribuições normativas não implicam, por si, legitimidade para os processos em que as normas assim elaboradas sejam discutidas.
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO VINCULADO A AUTARQUIA FEDERAL. PRETENSÃO DE RECLASSIFICAÇÃO FUNCIONAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO EM VALOR MÓDICO. REDUÇÃO. NÃO CABIMENTO. 1. O Autor é servidor da Escola Agrotécnica Federal de Barreiros/PE, Autarquia Federal, a qual, portanto, detém personalidade jurídica própria e distinta daquela da UNIÃO, não havendo dúvida quanto à ilegitimidade passiva desta para responder à pretensão inicial do Autor à reclassificação funcional, pois a simples atribuição normativa e organizacional da UNIÃO em relação à Administração Federal Direta e Indireta não lhe traz a condição da parte na relação jurídica de direito material objeto da lide (vínculo funcional administrativo de servidor público de Autarquia Federal). 2. Quanto aos honorários advocatícios sucumbenciais, o valor em que fixados, R$ 500,00 (quinhentos) reais, mostra-se módico, atendendo ao disposto no art. 20, parágrafo 4.º, do CPC, razão pela qual não merece acolhimento a pretensão recursal de sua redução. 3. Não provimento da apelação. (AC 200483000079795, Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::08/10/2009 - Página::125 - Nº::26.)
No presente processo, no evento 5, item III, determinei que a parte autora emendasse a peça inicial, detalhando o pedido e a causa de pedir concernentes à União Federal. Ao promover a emenda, a demandante alegou:
"c) DA CAUSA DE PEDIR - Em relação a União Federal, a causa de pedir e o pedido dá-se pelos motivos já amplamente narrados na petição inicial(vide item 1.6 pag.06 até pag.12 item 1.7.7) e tendo a República Federativa do Brasil assumido compromissos de preservar o ambiente para gerações futuras, conforme a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas - ONU, o que dependeria da eliminação de tais resíduos plásticos, por conta do seu elevado potencial poluidor, sendo propicia sua inclusão no polo passivo visando apontar a necessária legislação federal e diretiva para que ESTADOS-MEMBROS e MUNICÍPIOS adotem medidas similares quanto ao tema (PLÁSTICOS OXIDEGRADÁVEIS).
A autora discorreu sobre a responsabilização objetiva, imposta pela legislação ambiental e pela legislação consumerista, fato é que a legislação nacional é muito flexível no tocante a produção e distribuição dos produtos plásticos, especialmente pratos, talheres, copos (levando muitos consumidores ao erro, quando permite a produção/distribuição de produtos que são divulgados como BIODEGRADÁVEIS e na verdade não o são.
DOS PEDIDOS – Requer-se assim a citação da UNIÃO FEDERAL na pessoa dos Procuradores Gerais da União, para querendo, apresentem contestação, e que seja declarada a solidariedade da União aos eventos danosos causados pela responsabilidade objetiva quando o tema é meio ambiente equilibrado, contribuindo assim efetivamente a UNIÃO FEDERAL para sanar os problemas decorrentes da fabricação e distribuição de produtos como copos, canudinhos, talheres, pratos descartáveis como sendo BIODEGRADÁVEIS e na verdade não o sendo." (movimento 8 deste eproc)
O instituto demandante alegou, ademais, que "se trata assim de competência concorrente da União em LEGISLAR sobre o meio ambiente juntamente com ESTADOS-MEMBROS e MUNICÍPIOS, e consequentemente atrai a COMPETÊNCIA do juízo federal para esta demanda, requer-se assim seja declarada a Competência desta Subseção para julgar a causa em tela."
Na peça inicial, ao contrário do que alegou o requerente na peça de emenda, o Instituto não havia detalhado a pretensão endereçada à União Federal, tampouco lhe tendo endereçado algum pedido. Contudo, acabou por fazê-lo na complementação de movimento 8. O demandante pretende que a União seja condenada a legislar sobre o tema e a reparar os danos ambientais noticiados na peça inicial, em regime de solidariedade.
É questionável a validade da pretensão da autora à condenação - em sede de ação civil pública - de um ente federativo à publicação de leis. Como notório, o Poder Judiciário não pode determinar os projetos de leis a serem elaborados e aprovados pelo Congresso, sob pena de violação da Separação de Poderes - art. 2I, Constituição/88. Situações pontuais colocam em causa o alcance do mandado de injunção, da alçada da Suprema Corte, insuscetível de ser distribuído, de modo oblíquo, perante a primeira instância. Também há hipóteses de inibição da atuação legislativa, quando em causa projetos propensos a comprometer cláusulas pétreas - art. 60, §4, Constituição/88.
Assim, em primeiro exame, a pretensão da autora à condenação da União à elaboração de projetos de leis/leis esbarra, em princípio, no postulado da Separação de Poderes. Do contrário, pessoas que não se submeteram ao escrutínio das urnas, ofertando seu nome à crítica e ao apoio populares, acabariam por elaborar legislação, sem legitimidade para tanto. Em princípio, cabe ao Juízo aplicar a legislação constitucionalmente adequada, ao invés de determinar qual lei deve ser criada. De todo modo, esse é um tema a ser apreciado com maior reflexão por época da prolação da sentença.
Quanto à pretensão remanescente, de modo semelhante, reputo que a questão há de ser examinada, de modo detalhado, por época do julgamento da demanda, superando-se esse exame prima face, em prol de um exame tendo-tudo-em-conta, com cognição exaustiva. Por fora, não é caso de extinguir o processo sem solução de mérito, dado que não há como descartar, em absoluto, eventual responsabilização da União, caso comprovada a alegada veracidade da narrativa de fatos, promovida pelo instituto autor.
Por conta disso, a requerida guarda pertinência subjetiva com a presente demanda, na forma do art. 17, CPC/15. Atente-se, por ora, para a lógica do seguinte julgado, emanado do TRF1:
CIVIL E PROCESSUAL. AÇAO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. 1. A UNIÃO tem legitimidade passiva para figurar no pólo passivo da ação em que se pretende indenização por alegada omissão na fiscalização de empresas fabricantes de material bélico. Precedentes da Corte (AC 2006.33.00.000034-7/BA e AC 2006.33.00.010653-9/BA). 2. Não se reconhece a responsabilidade do ente público pela fiscalização de produção de lingotes de chumbo. Não havia fabricação de material bélico pelas empresas, a determinar a fiscalização obrigatória do Exército Brasileiro. A fiscalização do cumprimento de normas ambientais, para evitar contaminação e poluição do meio ambiente, compete ao IBAMA, que não fora demandado na ação. 3. Nega-se provimento ao recurso de apelação. (TRF-1 - AC: 33 BA 2006.33.00.000033-3, Data de Julgamento: 27/03/2012, 5ª TURMA SUPLEMENTAR, Data de Publicação: e-DJF1 p.129 de 18/04/2012)
2.6.4. Legitimidade dos demais requeridos:
Os demais requeridos guardam pertinência subjetiva com a presente ação civil pública, na medida em que alegadamente fabricam ou comercializam os polímeros oxidegradáveis aludidos na peça inicial.
O instituto autor sustentou que os requeridos estariam fazendo propaganda enganosa, no tocante ao alegado uso de plástico biodegradável. O polímero efetivamente utilizado/vendido ensejaria, segundo a peça inicial, dispersão de de microplásticos, de coleta custosa e difícil, tornando inviável programas de reciclagem. Logo, a questão deve ser examinada em sentença, depois de se oportunizar às partes ampla dilação probatória.
Não há como descartar, nesse momento, em absoluto, a narrativa dos fatos, promovida na peça inicial. A pretensão da parte autora deve ser examinada no seu mérito, depois de se facultar ampla dilação probatória aos contendores.
2.6.5. Litisconsórcio necessário - considerações gerais:
O litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no art. 114, CPC/2015, decorre da lógica do inauditus damnare potest, imposto pelo art. 5º, LIV e LV, Constituição Federal/88. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. CPC/15, não podendo prejudicar terceiros.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes é que o Código de Processo civil obriga o(a) demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas diretamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues: "A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC. Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC." (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes.
Como cediço, o litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC). A respeito do litisconsórcio necessário, convém atentar para a lição de Nelson Nery Júnior:
"A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil. 1ª. ed. São Paulo: RT, 2015)
2.6.6. Cogitado litisconsórcio com outras empresas do ramo:
Conquanto estejam legitimadas para a demanda outras empresas que porventura produzam ou comercializem o polímero mencionado na peça inicial, não se cuida de litisconsórcio passivo necessário. Assim, o instituto poderia ter deflagrado a causa em face de outras empresas, em que pese não estivesse obrigado a isso.
Ora, na forma do art. 942, parágrafo único, Código Civil/02, "São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932." Essa previsão de responsabilização solidária dos aventados causadores de danos - por comissão ou omissão -, mediante condutas ilícitas, complementa a regra do art. 265, também do Código Civil/2002: "A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes."
Acrescente-se que, nos termos dos arts. 275 e ss., Código Civil/2002, cuidando-se de obrigação solidária, o credor não está obrigado a demandar, em conjunto, todos os aventados devedores, podendo fazê-lo quanto a um, alguns ou a todos, assegurando-se direito regressivo, perante os demais cogitados devedores, àquele devedor que venha a suportar a dívida toda: "O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto." Nos termos do art. 283, CC, "O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores."
Assim, quando em causa cogitada responsabilização solidária, não vigora efetivo litisconsórcio passivo necessário, dado que a parte que se apresenta como credora de tal obrigação pode demandar um, alguns ou todos os alegados responsáveis pelo prejuízo noticiado na peça inicial. Não vigora, pois, nesse âmbito, regra semelhante àquela do art. 48, do Código de Processo Penal/41: "A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade."
De todo modo, tais normas foram concebidas tendo-se em conta as relações de direito privado, sofrendo algumas modificações quando em causa as relações de direito público, por conta do alcance do art. 37, §6, da Constituição: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." Deve aferir também eventual existência e, nesse caso, seu alcance, de direitos regressivos das autarquias em face da Administração Direta.
Atente-se para a lógica do seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MATA ATLÂNTICA. ART. 225 DA CF/88. LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS. PRESCRIÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO COM IBAMA. INOCORRÊNCIA. PERÍCIA. POTENCIAL ECONÔMICO-SOCIAL. SUPRESSÃO DA ESSÊNCIA DA PROPRIEDADE. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO. VOCAÇÃO DO BEM ELIMINADA. JUROS MORATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS PERICIAL A CARGO DA PARTE AUTORA. ART. 33 DO CPC. 1. A União, porque editora do diploma normativo - Decreto n. 750/93 - que promoveu as restrições concretas ao uso e gozo do imóvel dos autores, ostenta legitimidade para figurar no polo passivo da demanda indenizatória. 2. Estando a pretensão reparatória alicerçada nos decretos que vetaram o corte, a exploração e a supressão da vegetação primária ou nos estágios avançado e médio da Mata Atlântica, os quais foram editados pela União e pelo Estado do Paraná, a autarquia federal IBAMA, que exerce atividade meramente fiscalizatória de desmate, não está juridicamente habilitada a participar da demanda. 3." A ação de desapropriação indireta prescreve em 20 (vinte) anos "(Súmula n. 119 do STJ). 4. As limitações administrativas impostas no desiderato da preservação ambiental, emprestando concretude à promessa constitucional do direito ao meio ambiente equilibrado (art. 225, caput) e de defesa da Floresta Amazônica brasileira, da Mata Atlântica, da Serra do Mar, do Pantanal Mato-Grossense e a da Zona Costeira, todas consideradas patrimônio nacional (art. 225, § 4º), não podem ostentar a magnitude de aniquilar o potencial econômico do bem particular onerado; desnatura-se, aí, a limitação administrativa, porquanto ao particular não mais será possível o exercício do direito de propriedade, o qual só deveria ser condicionado em face do bem-estar social e não inviabilizado. 5. Da má-aplicação do instituto da limitação administrativa, ao ponto de atingir a essência da propriedade titulada pelo particular, exsurge o direito à reparação do dano patrimonial. Conquanto, de ordinário, as limitações administrativas não rendam ensanchas à indenização, esta, segundo DI PIETRO, será cabível quando o proprietário se vê privado, em favor do Estado ou do público em geral, de alguns ou de todos os poderes inerentes ao domínio, como ocorre, respectivamente na servidão administrativa e na desapropriação. (in Direito Administrativo, 13 ed., São Paulo : Atlas, 2001, p. 126). 6. A proibição do corte, da exploração e da supressão da vegetação que cobre os imóveis de propriedade dos autores, por força do Decreto Federal n. 750/93, significa a eliminação da vocação da área, delineada já no longínquo ano de 1951, quando a municipalidade aprovou o parcelamento do solo em lotes, e que tinha o propósito da comercialização, destinação habitual dos imóveis localizados nas zonas litorâneas urbanas. 7. A identificação da vocação econômica-social do bem, como meio de revelação do grau de comprometimento do uso e gozo pela limitação administrativa, deve atentar para a tradição no meio social em que ele está inserido, não se mostrando significativos exemplos de exploração possíveis mas desatrelados da realidade e portanto infactíveis. 8. Deferida indenização em face das exageradas limitações administrativas impostas, a ser apurada em liquidação de sentença. 9. Incidência de correção monetária e juros moratórios a contar do trânsito em julgado, consoante Súmula n. 70 do STJ. 10. Juros compensatórios indeferidos, porquanto não demonstrada a perda da renda decorrente da obstaculização da exploração econômica da área. 11. Art. 33 do CPC:"Cada parte pagará a remuneração do assistente técnico que houver indicado; a do perito será paga pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor, quando requerido por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz". (TRF4, AC 2006.72.10.002060-1, Terceira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 10/09/2008 - sem destaque no original)
De toda sorte, no caso em exame, equacionados os elementos acima, reputo que não há efetivo litisconsórcio passivo necessário envolvendo outras empresas porventura fabricantes ou revendedoras do produto em questão. Eventual acolhimento da pretensão do instituto autor não terá aptidão para afetar diretamente a esfera jurídica das outras empresas do setor, não se violando, com isso, o art. 506, Código de Processo Civil.
2.6.7. Eventual legitimidade dos servidores(as) do povo:
Pode-se cogitar da legitimidade passiva - ou mesmo do litisconsórcio passivo necessário - dos servidores do povo, lotados na estrutura da União Federal, e encarregados de cumprir e fazer cumprir medidas de fiscalização da produção e comercialização de polímeros. Nesse âmbito, deve-se ter em conta, porém, o art. 37, §6º, da Constituição/88 e o art. 122, § 2º, da Lei n. 8.112/90, eis que aludidos servidores(as) do povo apenas podem ser demandados de modo regressivo, conforme tema de repercussão geral n. 940, do Supremo Tribunal Federal.
Note-se que, a exemplo do que ocorre com os atos praticados por empregados de empresas, os servidores e servidoras do povo atuam - nessa condição - em nome da pessoa jurídica a que se encontram vinculados. Seus comportamentos funcionais devem ser compreendidos como sendo projeção das atribuições da entidade administrativa em que se encontram em exercício.
O art. 37, §6º CF/88 preconiza: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." Em exame prima facie, aludido dispositivo parece ser projeção da lógica do art. 932, III, Código Civil/02: "São também responsáveis pela reparação civil: (...) III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele."
Ou seja, o empregador responde pelos atos dos seus empregados, nessa condição. E faz jus, por conta disso, à demanda regressiva contra seus funcionários, sempre que tenham atuado de modo ilícito, por conta do art. 942, parágrafo único, do mesmo Código/2002: "São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932." Aludido art. 942, parágrafo único, deve ser conjugado com os arts. 275 e ss., Código Civil/02, que versam sobre a responsabilização solidária.
Importa dizer: a parte final do art. 37, §6º, Constituição haveria de ser compreendida, em primeiro exame, como uma garantia da população, representada pelo Estado, a fim de poder ressarcir-se, no patrimônio dos servidores que tenham causado danos a terceiros, mediante dolo ou culpa. A vingar essa compreensão, a referida norma constitucional não inibiria, de modo algum, que - havendo justa causa para tanto - os servidores do povo fossem demandados diretamente, não lhes sendo dado invocar o cogitado direito de serem processados apenas regressivamente.
A tanto parece convergir o art. 28 da lei de introdução às normas do direito brasileiro - decreto-lei 4.657, de 1942 -, com a redação veiculada pela lei 13.655, de 2018: "O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro."
Atente-se para a análise tecida por José Santos Carvallho Filho:
"(...) Critica-se o dispositivo por incompatibilidade com o art. 37, § 6º, da CF, que prevê a responsabilidade regressiva do agente nos casos de dolo ou culpa em ação promovida pelo Estado. A polêmica se dá pelo fato de que o art. 28 parece conter mandamento coercitivo para a responsabilização pessoal e direta do agente, ao passo que a Constituição trata primeiramente da relação indenizatória entre o lesado e o Estado e depois da que vincula o Estado a seu agente, neste caso uma relação de regresso. Já vimos que a responsabilização direta e pessoal do agente, nos termos do art. 37, § 6º, da CF, comporta duas interpretações. Para alguns, o agente público, pela chamada teoria da “dupla garantia”, só pode ser acionado regressivamente, ou seja, primeiro aciona-se o Estado e depois o agente. Em outra vertente, admite-se como alternativa, salvo em raras hipóteses, a demanda direta contra o agente – posição com a qual concordamos. Assim, considerando esta última inteligência, o art. 28 não estaria afrontando a Constituição. Entretanto, é incabível interpretar que a responsabilização direta prevista nesse artigo seria obrigatória. Para haver compatibilidade, deve entender-se que o agente público poderá responder pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas, não se podendo excluir a hipótese de o interessado acionar primeiramente o Estado." (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 36. ed. São Paulo: Atlas. Kindle edition. 2022. p. 2.233).
A 4. Turma do STJ esposou entendimento semelhante, ao julgar o REsp 1.325.862, de relatoria do min. Luís Felipe Salomão, em data de 05.09.2013, sustentando que o particular não estaria impedido de demandar diretamente o(a) servidor(a) público(a), de modo que norma constitucional asseguraria escolha à vítima e não uma proteção ao funcionário público. Segundo o prof. Celso Bandeira de Mello, "A norma visa a proteger o administrado, oferecendo-lhe um patrimônio solvente e a possibilidade da responsabilidade objetiva em muitos casos. Daí não se segue que haja restringido sua possibilidade de proceder contra quem lhe causou dano. Sendo um dispositivo protetor do administrado, descabe extrair dele restrições ao lesado." (MELLO citado por NADER, Paulo. Curso de direito civil. volume 7: responsabilidade Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 330-331).
Convém atentar, de todo modo, para o art. 1º da Medida Provisória n. 966, de 13 de maio de 2020: "Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de: I - enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e II - combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19."
O alcance dessa medida provisória n. 966/2020 foi debatido nas ADIs 6.421, 6.422, 6.424, 6.425, 6.427, 6.248 e 6.431. Os proponentes de tais ações diretas alegaram que a nova redação do seu art. 1º acabaria por afetar o arcabouço de responsabilidade do Estado, quanto ao enfrentamento da pandemia, na medida em que estaria excluindo a responsabilização dos servidores do povo, quanto aos danos causados mediante culpa leve ou simples imperícia.
Ao deliberar sobre o pedido de liminar, o Min. Relator Roberto Barroso decidiu: "1. Configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde, ao meio ambiente equilibrado ou impactos adversos à economia, por inobservância: (i) de normas e critérios científicos e técnicos; ou (ii) dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção. 2. A autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente: (i) das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas; e (ii) da observância dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos." (STF, liminar - ADIs 6421, 6422, 6424, 6425, 6427, 6428 e 6431).
Nota-se que aludido debate gravita muito mais em torno do cabimento da responsabilização do agente público, do que quanto à increpação imediata, direta, independentemente de demanda prévia contra o ente estatal.
O fato é que, a despeito do alcance do art. 28 da LINDB, acima transcrito, os Tribunais têm aplicado a chamada "teoria da dupla garantia", para fins de responsabilização dos servidores públicos. Em outras palavras, dever-se-ia primeiro demandar a pessoa de direito público em cujo âmbito o(a) servidor(a) tenha atuado, nessa condição; depois, transitando em julgando sentença condenatória, o Estado poderia promover a cobrança dos valores pertinentes, devidamente atualizados, junto ao agente responsável pelo prejuízo.
Segundo o Supremo Tribunal, "É a dupla garantia consagrada pela Suprema Corte Federal: uma em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado que preste serviço público; outra em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional pertencer." (RE n. 327.904 -SP, Rel. Ministro Carlos Britto, in DJ 8.9.2006).
Atente-se para os julgados abaixo transcritos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE - RECURSO EXTRAORDINÁRIO , CARLOS BRITTO, STF.)
RESPONSABILIDADE - SEARA PÚBLICA - ATO DE SERVIÇO - LEGITIMAÇÃO PASSIVA. Consoante dispõe o § 6º do artigo 37 da Carta Federal, respondem as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, descabendo concluir pela legitimação passiva concorrente do agente, inconfundível e incompatível com a previsão constitucional de ressarcimento - direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (RE - RECURSO EXTRAORDINÁRIO , MARCO AURÉLIO, STF.)
"O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 940 da repercussão geral, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Não participou, justificadamente, da votação de mérito, o Ministro Gilmar Mendes. Em seguida, por maioria, acolhendo proposta do Ministro Ricardo Lewandowski, fixou a seguinte tese: “A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Edson Fachin e Luiz Fux. Falou, pela interessada, o Dr. Aristides Junqueira Alvarenga. Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 14.08.2019." (STF - RE: 1027633 SP, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 14/08/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 06/12/2019)
DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. AGENTE PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 327.904, sob a relatoria do Ministro Ayres Britto, assentou o entendimento no sentido de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - AgR-segundo RE: 593525 DF - DISTRITO FEDERAL, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 09/08/2016, Primeira Turma)
Com efeito, ao julgar o RE 1027633, em 14 de agosto de 2019, a Suprema Corte consolidou o seu entendimento de que "A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."
Essa tese foi enunciada como tema 940 - responsabilidade civil subjetiva do agente público por danos causados a terceiros, no exercício de atividade pública. Cuida-se de projeção do julgado RE n. 327.904, relator Min. Ayres Britto. O Superior Tribunal de Justiça tem reverberado solução semelhante, como ilustra o julgado abaixo transcrito:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ILEGITIMIDADE DO AGENTE PÚBLICO. JURISPRUDÊNCIA DO STF FIRMADA SOB O RITO DA REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 940. 1. Na origem, trata-se de ação indenizatória ajuizada contra Raul Chatagnier Filho e o Estado de Santa Catarina, requerendo a declaração de responsabilidade solidária dos requeridos por erro médico. 2. Verifica-se que o acórdão recorrido não se encontra em sintonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada no julgamento do RE 1.027.633, submetido ao rito da repercussão geral (Tema 940). 3. Em julgamento concluído no dia 14.8.2019, o Pretório Excelso fixou a seguinte tese: "A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". 4. Com efeito, o STJ deve submissão à tese vinculante exarada pelo STF, que, por sua vez, não confere supedâneo jurídico ao acórdão recorrido. 5. Agravo Interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1448067 SC 2019/0014649-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 29/04/2020, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/05/2020)
Em primeiro exame, os Tribunais não têm descartado a aplicação dessa compreensão sobre o conteúdo do art. 37, §6º, Constituição/88 - ou seja, a tese da "dupla garantia" - quando em causa a atividade de servidores comissionados, demissíveis ad nutum. Essa restrição pode ser invocada por funcionários nomeados sem prévio concurso público. Debates podem surgir, porém, quando o cogitado autor do fato relevante já tenha sido exonerado, dado que, em tal hipótese, em princípio, nada impediria que o interessado demandasse diretamente o ex-servidor público.
A despeito de eventuais ressalvas, acima equacionadas, a aplicação do referido entendimento da Suprema Corte (tema 940) revela-se cogente, por conta da conjugação dos arts. 1.030, 927 e 489, §1º, VI, Código de Processo Civil/15. Assim, no caso vertente, não há litisconsórcio passivo necessário envolvendo servidores(as) porventura relacionados(as) ao cumprimento do referido plano de ação para prevenção e controle do desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), o que examino de ofício, conforme arts. 114-115 e 485,§3, CPC/15. Caso vingue a pretensão da requerente e na hipótese de se evidenciar ter havido negligência ou dolo por parte de servidores(as) do povo, nessa condição, medidas regressivas podem ser intentadas, na forma do art. 37, §6, Constituição.
2.6.8. Chamamento ao processo - considerações gerais:
Quanto ao chamamento ao processo, atente-se para o art. 130, CPC/15: "É admissível o chamamento ao processo, requerido pelo réu: I - do afiançado, na ação em que o fiador for réu; II - dos demais fiadores, na ação proposta contra um ou alguns deles; III - dos demais devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns o pagamento da dívida comum."
Como explicita Marinoni, "1. Chamamento ao Processo. Chamamento ao processo é hipótese de intervenção forçada de terceiro que tem por objetivo chamar ao processo todos os possíveis devedores de determinada obrigação comum a fim de que se forme título executivo que a todos apanhe. Não tem por pressuposto unicamente obrigação solidária. Basta que a dívida seja comum para que se legitime o chamamento ao processo. Com o chamamento, dá-se ampliação subjetiva no polo passivo do processo. Aceitando o chamamento, forma-se um litisconsórcio facultativo simples entre chamante e chamado. Havendo procuradores diferentes, há prazo em dobro (art. 229, CPC). Se o chamado nega o cabimento do chamamento, negando a existência de relação jurídica com o chamante, há pluralidade de partes, mera cumulação subjetiva, não incidindo o art. 229, CPC. 2. Hipóteses. O chamamento ao processo pressupõe a alegação de existência de relação jurídica entre chamante e chamado da qual resulte dívida comum (STJ, 3.ª Turma, Ag 876.781/RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 31.05.2007, DJ 15.06.2007). O réu poderá chamar ao processo aqueles que, frente à dívida, podem ser considerados tão ou mais obrigados que ele próprio. Se o fiador é acionado, pode chamar ao processo o afiançado (devedor principal). A possibilidade de intervenção subsiste ainda que o fiador tenha renunciado ao benefício de ordem, porque aí o que o chamante pretende é a formação de título executivo comum que abarque todos os responsáveis pelo débito afirmado em juízo. Se há mais de um fiador e apenas um deles é acionado, pode o demandado chamar ao processo os demais fiadores. Se há obrigação solidária e apenas um dos codevedores é acionado, pode igualmente provocar a citação dos demais. Também é hipótese de chamamento ao processo, porque há dívida comum entre os alimentantes, aquela prevista no art. 1.698, CC. Nossa legislação prevê ainda caso especial de chamamento ao processo na hipótese do art. 101, II, CDC." (MARINONI, Luiz; ARENHART, Sérgio; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado. SP: RT. 2023. capítulo III).
Ademais, "Cabe chamamento ao processo no processo de conhecimento, no procedimento comum. Não cabe no processo de execução (STJ, 5.ª Turma, Ag 700.838/RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 01.12.2005, DJ 15.12.2005) ou na fase de cumprimento da sentença por execução forçada. Pode ter lugar nos processos especiais de jurisdição contenciosa, desde que se alegue dívida comum. Não cabe no Juizado Especial (art. 10, Lei 9.099, de 1995)." (MARINONI E OUTROS. Obra citada. capítulo III).
O chamamento ao processo deve ser promovido na contestação, conforme art. 131, CPC/15. Atente-se ainda para a análise de Araken de Assis:
"(...) Em sua feição vigente (arts. 130 a 132 do CPC), o chamamento ao processo constituiu modalidade interventiva original introduzida no direito brasileiro pelo CPC de 1973. A sistematização da matéria inspirou-se no incidente do “chamamento à demanda” do CPC português de 1939, hoje “suprimido como tal” naquele ordenamento. Transformou a lei brasileira o velho instituto luso como forma de intervenção principal provocada, atualmente prevista no art. 316, n.º 3, a , do CPC português de 2013.
Por intermédio do chamamento ao processo, o réu (ou chamador) provoca a integração do coobrigado (ou chamado) no polo passivo da demanda movida pelo autor. A intervenção obrigatória do terceiro, a pedido do réu, tem duplo objetivo: de um lado, o ingresso do chamado possibilitará a sua condenação (ou declaração de responsabilidade) conjunta com o chamador pela dívida comum; e, de outro, na hipótese de o autor exigir do chamador a dívida por inteiro, ensejar-lhe-á, in simultaneo processu , através do exercício de pretensão a executar sucessiva, obter a parte que couber ao chamado, reembolsando-se no todo ou em parte.
O chamamento ao processo forma litisconsórcio (a) passivo, (b) ulterior, (c) facultativo e (d) simples por iniciativa do réu. Essas características merecerão exame no item dedicado aos efeitos do chamamento no curso do processo (infra , 868).
É em outro aspecto que se há de buscar os reflexos do chamamento ao processo para aquilatar sua real dimensão e relevo. Nos termos em que o legislador elaborou o chamamento ao processo no CPC de 1973, percebidos e assinalados ao primeiro contato com o segundo estatuto unitário, e plenamente aplicáveis ao CPC vigente, a modalidade interventiva, no processo brasileiro, apartou-se do modelo luso, inovando o regime tradicional da solidariedade passiva previsto na lei substantiva.
E, com efeito, à luz do art. 275 do CC , semelhantemente do que ocorria perante o art. 904 do CC de 1916, “O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum”, sendo que o fato de demandar um dos devedores, abstendo-se quanto ao (s) outro (s), não importará renúncia à solidariedade (art. 275, parágrafo único , do CC). Fica, pois, ressalvada a possibilidade de acionar os demais, posteriormente, na hipótese de não receber todo o crédito do devedor originariamente demandado.
O privilégio do credor permite-lhe demandar um ou algum dos obrigados, e, não, outros, considerando dados objetivos e subjetivos. Objetivamente, a prévia avaliação do patrimônio do devedor demandado, tanto no quesito da solvência, quanto no da existência de certos bens (v.g ., ativos financeiros) que facilitarão a futura execução forçada, é o que mais importa a qualquer credor. Não deixa de acontecer de o credor não demandar algum obrigado dotado de opulento patrimônio com base em outros pressupostos; por exemplo, laços de amizade e parentesco.
Ora, o chamamento ao processo, ampliando o polo passivo da demanda, constrange o autor a litigar contra quem não incluiu como réu na petição inicial, expondo-o às exceções pessoais desse novo adversário. E, de resto, submete-o ao constrangedor retardamento provocado pelo incidente de admissão, à eventual ampliação dos prazos processuais (art. 229) e à modificação do teor do debate judicial, impugnando o chamado a existência de solidariedade. O chamamento ao processo desfigura a disciplina da solidariedade passiva, retirando o legislador processual com “a mão esquerda aquilo que o legislador material deu ao credor com a direita, suprimindo, na prática, o benefício que a lei civil lhe concede”.
Tão profunda modificação no cediço regime da solidariedade passiva suscitou reações, rejeitando a ampliação do polo passivo da demanda originária. Segundo tal entendimento, no plano do direito material o chamamento ao processo distingue-se do chamamento em garantia, ou denunciação da lide, porque os intervenientes são obrigados perante o autor, enquanto o denunciado só tem relação com o denunciante, mas há um denominador comum entre as duas modalidades interventivas: o exercício de pretensão regressiva, decorrente da fiança conjunta ou da solidariedade, do chamador contra o chamado. Por conseguinte, os chamados não se tornam réus da pretensão principal, chegando-se a afirmar que o objeto do processo, objetiva e subjetivamente, permaneceria idêntico.
Essa última conclusão, preliminarmente, revela-se inexata. É flagrante que o objeto do processo tornar-se-á complexo, modificando-se após a admissão do chamamento. Tal fenômeno ocorre, inicialmente, porque à relação processual o chamamento agregou mais um réu, no mínimo, e, sendo o caso de litisconsórcio facultativo passivo, a pluralidade de partes gera cumulação de ações (retro , 269). Não importa que esse litisconsórcio passivo forme-se a contragosto do autor. E ocorre a ampliação do objeto litigioso, fundamentalmente, porque o chamado pode contestar a existência do vínculo de solidariedade, obrigando o juiz a decidir acerca da relação jurídica entre o autor e o réu e relação entre o réu (ou chamador) e o coobrigado (ou chamado). Por isso, no direito português, acentuava-se que, por meio do chamamento “modifica-se, ipso facto , a instância e o chamado passa logo a assumir a posição de réu”. É compulsória, natural e inevitável a mudança no objeto do processo." (ASSIS, Araken. Processo civil brasileiro: Vol. II. São Paulo: RT. 2022. §174).
Ademais, "Segundo tal entendimento, no plano do direito material o chamamento ao processo distingue-se do chamamento em garantia, ou denunciação da lide, porque os intervenientes são obrigados perante o autor, enquanto o denunciado só tem relação com o denunciante, mas há um denominador comum entre as duas modalidades interventivas: o exercício de pretensão regressiva, decorrente da fiança conjunta ou da solidariedade, do chamador contra o chamado." (ASSIS, Araken. Obra citada. §174).
Quanto aos seus pressupostos, "O chamamento ao processo exige a configuração de quatro pressupostos simultâneos. Em primeiro lugar, há de existir iniciativa do réu originário, a fim de que ocorra a intervenção do terceiro. É preciso, ainda, que o chamado responda pela dívida comum em caráter principal (v.g ., devedor solidário) ou subsidiário (v.g ., o cofiador) perante o devedor comum, segundo a relação jurídica substantiva. Por outro lado, mostra-se indispensável que, em tese, do adimplemento da dívida comum pelo chamador nasça para este a pretensão de se reembolsar, no todo ou em parte, do que pagou ao credor. O segundo pressuposto caracteriza o interesse jurídico na intervenção do terceiro. Por esse motivo, o fiador pode chamar o afiançado, a teor do art. 130, I, na hipótese de o credor demandá-lo, “com a vantagem ainda de o afiançado não poder opor ao fiador exequente eventuais defesas de direito material oponíveis contra o devedor”; porém, o afiançado não pode chamar o fiador, embora principal pagador ou devedor solidário, pois obviamente não lhe assiste qualquer pretensão de reembolso perante a pessoa que lhe prestou a garantia." (ASSIS, Araken. Obra citada. §174).
Anoto que o STJ tem reputado cabível o chamamento ao processo apenas em causas versando sobre pretensão ao recebimento de quantia certa, alegando ser indevido em processos tratando de obrigado de promover determinada conduta ou realizar determinada obriga. "A exemplo do entendimento firmado pelo STJ nas ações de obrigação de fazer para a disponibilização de medicamentos, também aqui, cujo objeto é a obrigação de fazer consistente na proteção e reparação ambiental, não se pode admitir o chamamento ao processo de entes federais com o único intuito de deslocar a competência para o Juízo Federal e protelar a entrega da prestação jurisdicional." (STJ - REsp: 1698162 MG 2017/0220138-0, Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Publicação: DJ 27/05/2020)
O Tribunal Regional da 4. Região tem enfatizado que "o chamamento ao processo é destinado aos devedores solidários e visa a formação de (...) título executivo em favor do réu que satisfizer a dívida, a fim de que possa exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou, de cada um dos codevedores, a sua quota, na proporção que lhes tocar" (art. 132 do CPC). No entanto, seu deferimento não é obrigatório nas hipóteses de litisconsórcio passivo facultativo, como a verificada no presente caso, já que é justamente a responsabilidade solidária entre os apontados como causadores do dano ambiental que autoriza o autor a demandar contra qualquer um dos supostos degradadores por ação ou omissão, isoladamente ou em conjunto. Em consequência, quaisquer dos solidariamente responsáveis pode responder de forma desvinculada, devendo o eventual prejudicado postular ressarcimento em ação própria, até para que o andamento do presente feito não seja tumultuado, comprometendo a rápida solução do litígio e a proteção do bem jurídico tutelado (meio ambiente ecologicamente equilibrado)." (TRF-4 - AG: 50409493120204040000 5040949-31.2020.4.04.0000, Relator: SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, 09/11/2020, TERCEIRA TURMA)
Menciono também os seguintes acórdãos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. ARTIGO 1.015 DO CPC. IBAMA. CHAMAMENTO À LIDE. 1. As preliminares de ilegitimidade passiva e inépcia da petição inicial, não estão albergadas entre as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento arroladas no artigo 1.015 do CPC. 2. No que tange à responsabilidade ambiental, seu caráter solidário não se traduz em litisconsórcio passivo necessário. Assim, deve ser respeitada a opção do autor da ação, que entendeu por não incluir o IBAMA no polo passivo do feito. (TRF4, AG 5004889-64.2017.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 05/12/2018)
AGRAVO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL. SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES DA FEDERAÇÃO. A jurisprudência da Turma é firme no sentido de que, em se tratando de responsabilidade ambiental, existe solidariedade entre os entes da Federação, mas não litisconsórcio necessário. Escolhendo a parte, contudo, litigar somente contra um dos entes, não há como obrigar ao chamamento ao processo. Da mesma forma ocorre quanto ao fornecimento de medicamentos, em que há responsabilidade solidária entre os entes. (TRF4, AG 5019154-47.2012.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, juntado aos autos em 04/03/2013).
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE. SOLIDARIEDADE DOS RESPONSÁVEIS DIRETO E INDIRETO. HIPÓTESE DE CHAMAMENTO AO PROCESSO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. ART. 70, INC. III, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. DILAÇÃO DO PROCESSO. RISCO DE DANO IRREPARÁVEL AO BEM JURÍDICO AMBIENTAL. POSSIBILIDADE DE RESSARCIMENTO PELA VIA PRÓPRIA. 1. Verificando-se provável solidariedade entre as empresas denunciante e denunciada, não se está diante de hipótese de denunciação da lide, mas de chamamento ao processo, nos termos do art. 77 do CPC. 2. De qualquer forma, a natureza do interesse defendido no processo principal - meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem transindividual e essencial à vida humana, art. 225 da CF -, o instrumento processual utilizado para sua defesa - ação civil pública - e a modalidade de responsabilidade frente a qual se está - responsabilidade objetiva, art. 225, § 3º, da CF c/c art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81 - desautorizam a denunciação da lide, uma vez que a introdução de relação jurídica nova, no debate dos autos, implicaria a dilação do processo, ensejando risco de dano irreparável e impassível de recuperação in natura à área cuja proteção se busca, com evidente afronta ao dever de tutela célere, efetiva e adequada do bem jurídico ambiental. 3. A demora na obtenção do ressarcimento, pela denunciante, não é suficientemente grave para justificar o retardamento na reparação do meio ambiente por ela supostamente lesionado. 4. Não sendo obrigatória a denunciação da lide nos casos previstos no inc. III do art. 70 do CPC, fica ressalvada futura ação de regresso. (TRF4, AG 2008.04.00.007162-5, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 19/01/2009).
2.6.9. Chamamento ao processo - caso em exame:
A empresa Arcos Doutorados postulou que os demais adquirentes do produto da fabricante Plastifama sejam chamados ao processo. Como anotei acima, não se cuida de hipótese de litisconsórcio passivo necessário, dado que eventual atuação indevida destas outras empresas ensejaria responsabilização solidária, por conta do art. 942, parágrafo único, Código Civil.
Pelo que registrei acima, a parte autora sustentou que os requeridos teriam atuado de modo ilícito, por violação ao art. 225, da Constituição da República, causando danos ao ambiente. Assim, a vingar tal narrativa, cogita-se da aplicação do art. 942, parágrafo único, Código Civil: "Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932."
Aludido dispositivo parece satisfazer o requisito do art. 265, Código Civil/2002, que afirma que a solidariedade não pode ser presumida, dependendo de acordo entre as partes ou previsão em lei. Menciono ainda o art. 283, Código Civil/2002: "O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores."
Assim, partindo da premissa de cuidar-se da imputação de comportamentos ilícitos - conquanto tal ilicitude não seja necessária para responsabilização ambiental, que se cuida de responsabilização objetiva -, e aplicando ao caso, por ora, os arts. 275 e ss. e 942, Código Civil, trata, em princípio, de responsabilização em regime de solidariedade passiva. E, sendo acima, o chamamento ao processo se revela cabível.
Com efeito, sob a redação do art. 130, III, Código de Processo Civil, a caracterização de eventual litisconsórcio passivo necessário não é requisito para o chamamento ao processo. Afinal de contas, o litisconsórcio necessário é até mesmo incompatível com o regime de solidariedade passiva, previsto nos arts. 275 e ss., Código Civil/02, porquanto é dado ao alegado credor demandar um, alguns ou todos os cogitados devedores, assegurando-se aos demandados o direito à demanda regressiva, na forma da lei. Por conseguinte, em princípio, não se pode limitar a aplicação do chamamento ao processo aos casos de litisconsórcio passivo necessário. Até porque, do contrário, o instituto acabaria se exaurindo e limitando às hipóteses dos arts. 114-115, CPC, e sabidamente a legislação não pode ser interpretada como se veiculasse dispositivos inúteis.
Por outro lado, repiso que o STJ tem reputado que o chamamento ao processo seria cabível, em casos de solidariedade passiva, quando se cuidasse de pretensão ao recebimento de quantia certa. Não seria aplicável quando se cuide de obrigação de prestar serviço, realizar atividade, edificar obra. Com base neste argumento, o STJ tem aduzido que a solidariedade entre os entes federativos no tocante à dispensação de medicamentos não daria ensejo ao chamamento ao processo.
PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. AÇÃO MOVIDA CONTRA O ESTADO. CHAMAMENTO DA UNIÃO AO PROCESSO. ART. 77, III, DO CPC. DESNECESSIDADE. Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC 1. O chamamento ao processo da União com base no art. 77, III, do CPC, nas demandas propostas contra os demais entes federativos responsáveis para o fornecimento de medicamentos ou prestação de serviços de saúde, não é impositivo, mostrando-se inadequado opor obstáculo inútil à garantia fundamental do cidadão à saúde. Precedentes do STJ. 2. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal entende que "o recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios", e "o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional", razão por que "o chamamento ao processo da União pelo Estado de Santa Catarina revela-se medida meramente protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde da recorrida" ( RE 607.381 AgR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 17.6.2011). Caso concreto 3. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido negou o chamamento ao processo da União, o que está em sintonia com o entendimento aqui fixado. 4. Recurso Especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008. (STJ - REsp: 1203244 SC 2010/0137528-8, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 09/04/2014, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 17/06/2014 RIP vol. 87 p. 283)
Ademais, como anotei acima, os Tribunais têm enfatizado que, conquanto a responsabilização ambiental possa se revestir de natureza solidária - na forma do art. 942, parágrafo único, Código Civil - disso não decorreria o emprego do chamamento ao processo, dado que a responsabilização poderia se dar a título objetivo - ou seja, independentemente de se apurar se houve comportamento afrontoso à legislação (art. 225, §3, Constituição; art. 14 da lei n. 6.938/1981, princípio do poluidor-pagador etc). Por conta disso, segundo os Tribunais, haveria um regime peculiar do chamamento ao processo no âmbito de demandas versando sobre responsabilização ambiental.
Quando menos, seria incabível o chamamento o processo de número expressivo de cogitados responsáveis solidários, devendo-se inibir a configuração de relações processuais multitudinárias: "Ademais, é admissível chamamento ao processo em ação civil pública ambiental ou em ação coletiva ambiental, desde que os chamados não venham a caracterizar formação litisconsorcial multitudinária, o que efetivamente comprometeria a rápida solução da lide, e não é a hipótese vertente." (STJ - AREsp: 1053656 RJ 2017/0027843-9, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Publicação: DJ 04/09/2018)
Logo, eventual chamamento ao processo depende do detalhamento, pela parte autora, do nome das empresas a serem convocadas, a fim de se apurar se há uma situação de relação processual multitudinária, hipótese em que a medida seria incabível, segundo entendimento do STJ, a ser privilegiado pelo presente Juízo, conforme lógica do art. 927 e do art. 489, §1, VI, do Código de Processo Civil/2015.
Com efeito, na espécie, a identificação dos adquirentes deve ser promovida pela empresa requerida, responsável pelo chamamento ao processo, conforme lógica do art. 373, I e art. 130, CPC, não sendo hipótese em que se aceite pedidos genéricos, nos termos da leitura a contrario sensu do art. 324, §1, Código de Processo Civil/15. Facultarei manifestação à empresa Arcos Dourados a respeito do tema, no prazo que fixo na conclusão deste despacho.
2.7. INTERESSE PROCESSUAL - considerações gerais:
Por conta do monopólio do uso válido da força - expressão do sociólogo alemão Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço incontinenti etc., os sujeitos não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da violência (art. 345, Código Penal/1940). Assim, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento ou na simples capitulação de um dos contendores, os interessados devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (law enforcement).
A Lei Fundamental preconiza, portanto, que o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de haver lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF/88), mecanismo indispensável para que se assegure o efetivo império da lei, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que a pretensão - caso venha a ser acolhida - se traduza em uma utilidade para o demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma troika: a necessidade, a utilidade e a adequação do meio processual escolhido pela parte. Em acréscimo, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora, "Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do CPC/15. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença. Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo." (ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro: volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis, "O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar." (ASSIS, Araken de. Obra citada. p. 676).
Acrescento "que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual." (ASSIS, Araken. Obra cit. p. 661).
2.7.1. Interesse processual - caso em exame:
NA ESPÉCIE, o instituto autor possui interesse processual (art. 17, CPC/15), dado que sua pretensão não seria acolhida no âmbito extrajudicial, como se infere da resposta dos demandados. A medida lhe será útil, se acatada, por conta da sua atuação enquanto representante de interesses coletivos. A via processual eleita revela-se adequada a tanto, conforme art. 1º, I, III e VII, da lei 7.347, de 1985.
Com efeito, é improvável uma solução desta demanda, no âmbito extrajudicial, razão pela qual a presente ação civil pública deve processar nos seus ulteriores termos.
2.8. APTIDÃO DA PEÇA INICIAL:
Acrescento que a petição de movimento-1 foi elaborada em conformidade com o art. 319, do Código de Processo Civil/15, na medida em que o instituto autor promoveu narrativa dos fatos, apontados com causa para a pretensão, esgrimiu os argumentos jurídicos pertinentes e detalharam pedidos.
Assim, a peça permitiu o exercício de contraditório pelos demandados, tendo atendido ainda ao art. 5º da lei n. 7.347, de 1985. Acrescento que o autor apresentou, com a peça inicial, farta documentação, atendendo o art. 320, CPC, também aplicável ao rito da ação civil pública, conforme art. 19 da lei n. 7.347/85.
Repiso que, como regra, os documentos essenciais à deflagração da demanda devem ser apresentados com a peça inicial, para que a parte requerida possa sobre eles se manifestar, no prazo de contestação, conforme art. 320, CPC. No que toca, porém, a demandas com a complexidade desta causa, a complementação da documentação no curso do processo - contanto que seja assegurado o contraditório - não se revela agressiva à legislação, cuidando-se de expediente indispensável, não raro, para a adequada instrução processual e tutela dos vetores fundamentais, não raro indisponíveis, que se encontram no âmago da contenda judicial.
Julgo, enfim, que a petição inicial e a complementação da documentação promovida pela parte autora se revelam adequadas à legislação. A demanda submete-se ao rito da ação civil pública, conforme art. 5 da lei n. 7.347/1985.
2.8.1. Valor atribuído à demanda:
Como sabido, a toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis, "às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290), o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor." (ASSIS, Araken. Processo civil brasileiro. Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes.
Atente-se novamente para a análise de Araken de Assis:
"É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis. Obra citada. p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15: "O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
No presente caso, o instituto autor atribuiu à demanda o valor de R$ 2.500.000,00, o que aparentemente se revela adequado ao conteúdo econômico da demanda. Esta ação civil pública versa sobre questões intrincadas, tocando de perto o uso de plásticos oxidegradáveis em todo o território nacional. Assim, anoto que o valor atribuído à causa deve ser acolhido. Diante da regra do art. 18, lei 7.347/1985 - lei da ação civil pública -, não há recolhimento de custas na presente demanda, de modo que o valor da causa não surte efeitos imediatos sobre o processamento da peça inicial.
2.9. LITISPENDÊNCIA - CONSIDERAÇÕES GERAIS:
A vedação de bis in idem - decorrente da garantia do devido processo, sob aspecto formal e substancial - impede que haja duplicação de uma demanda já em trâmite, contanto que sejam idênticos os pedidos, causa de pedir e partes, conforme art. 337, §2º, CPC/15: "Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido."
Todavia, quando em exame ações coletivas, é salutar ter em conta "que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas. Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes." (VENTURI, Elton. Processo civil coletivo: a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
Ainda segundo Venturi, "o eventual ajuizamento de várias ações coletivas, ainda que de diferentes espécies, como antes ressaltado, pelas quais se deduzem idênticas pretensões (pedidos e causas de pedir), não terá o condão de encobrir a realidade de serem, antes e mais que conexas, verdadeiramente idênticas, acarretando, portanto, o fenômeno da litispendência e, assim, a necessidade de o juiz extinguir as demandas coletivas idênticas à originalmente proposta perante o juízo prevento." (VENTURI, Elton. Obra cit., p. 333-334).
Semelhante é a avaliação de Rodolfo de Camargo Mancuso, quando argumenta o que transcrevo abaixo:
"Para a aferição dos tria eadem no processo coletivo não é bastante a identificação física ou institucional dos autores e réus nas ações comparadas, até porque os autores atuam em legitimação extraordinária e concorrente-disjuntiva, de sorte que outros critérios devem ser excogitados, inclusive o que conjuga a extensão territorial do dano historiado e a projeção espacial do raio de atuação de quem se apresenta como portador judicial. Luiz Paulo da Silva Araújo Filho escreve, ao propósito: Não pode ser esquecida a enorme dimensão das ações coletivas, naturalmente aptas a empolgar milhares ou milhões de pessoas, por vezes em todo o território nacional, sendo certo que o Código de Defesa do Consumidor - CDC cuidou de estabelecer um sistema próprio para essa vocação, como, p.ex., ao insttuir que a sentença fará coisa julgada erga omnes ou ultra partes. Nessa perspectiva, sempre que o thema decidendum for de âmbito nacional, e o autor da ação tiver representação em todo o país, a princípio deverá haver apenas uma única e exclusiva ação coletiva, com o mesmo objeto e a mesma causa petendi. A propositura de uma nova ação coletiva idêntica (rectius: a reprositura da mesma ação coletiva) caracteriza irrefragável litispendência. (...)
Nem se poderia, em casos que tais, pretender solução diversa, porque em ambas as ações coletivas replicadas a eficácia da coisa julgada irá operar erga omnes (art. 18, lei n. 4.717/1965 e art. 16 da lei n. 7.347/1985). Se as duas tramitassem em paralelo, e no final uma fosse acolhida e outra rejeitada, qual das duas coisas julgadas assim discrepantes deveria ser atendida? Aí a contraição não seria apenas lógica (com a qual de certo modo procura conviver a ciência processual), mas também prática, e esta é insuportável, na medida em que não se concebem dois comandos incompossíveis, num mesmo espaço-tempo e sobre idêntica matéria: é a face negativa da coisa julgada material, decretando a indiscutibilidade futura sobre o quanto acertado ou atribuído anteriormente, em modo definitivo por uma decisão de mérito." (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 540 e 541)
Atente-se, além disso, para o julgado que trascrevo abaixo:
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICITAÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. LITISPENDÊNCIA. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA. 1. Trata-se de Ação Civil Pública, com pedido de liminar, objetivando a concessão, a moradores de determinadas localidades do Município de Teresópolis, de passes livres e descontos no pedágio localizado no Km 71 da BR 116 trecho Além Paraíba - entroncamento BR 040. 2. Dispõe o art. 301, §2º, que há litispendência quando as ações possuem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Por sua vez, a Lei n. 7.347/85 aponta que, no caso de Ações Civis Públicas, o determinante para configurar a conexão, litispendência, coisa julgada e demais institutos correlatos, é o objeto e causa de pedir e não as partes, podendo o polo ativo não ser o mesmo processualmente, mas sim materialmente em face da sua legitimação extraordinária, disjuntiva e concorrente. 3. Patente a litispendência constatada entre a presente demanda e a Ação Civil Pública n. 2004.51.15.000683-7, proposta pelo Ministério Público Federal contra a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, União Federal, Concessionária Rio-Teresópolis S/A - CRT e Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT, pois esta objetiva beneficiar com a isenção do pedágio não apenas os moradores de determinadas localidades do Município de Teresópolis, mas sim todos os seus munícipes, ou seja, possui um pedido mais amplo que a presente Ação Civil Pública. 4. Remessa Necessária desprovida.(REMESSA 00001015020054025115, G. DIEFENTHAELER, TRF2.)
REMESSA NECESSÁRIA. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. PARALISAÇÃO DE OBRAS IRREGULARES EDIFICADAS EM VIA PÚBLICA E EM ÁREAS VERDES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA COM O MESMO OBJETO. LITISPENDÊNCIA. CONFIGURAÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. Para a configuração de litispendência é necessário que ocorra a tríplice identidade entre as ações: mesmas partes, causa de pedir e pedido ( CPC, art. 337, parágrafos 1º ao 3º). 2. Conforme já decidido de maneira reiterada pelo STJ, nas ações coletivas, para análise da configuração de litispendência, a identidade das partes deve ser aferida sob a ótica dos possíveis beneficiários do resultado das sentenças, tendo em vista tratar-se de substituição processual por legitimado extraordinário. (STJ, REsp n. 1.726.147/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe de 21/5/2019). 3. Há que se reconhecer, no caso, a litispendência entre a presente ação popular e a Ação Civil Pública nº 1000597-03.2017.4.01.3100, tendo em vista a identidade de causa de pedir (possíveis irregularidades nas obras realizadas em via pública e nas áreas verdes da comunidade), pedido (paralisação dessas atividades) e dos possíveis beneficiários de ambas as ações, notadamente os moradores da comunidade de Pedrinhas, do município de Macapá/AP, sendo certo, ademais, que, por ocasião da extinção da demanda popular, a ação civil pública já havia sido julgada procedente pelo mesmo juízo de origem. 4. Confirmação da sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, V, do CPC, cuja higidez é reforçada em virtude da ausência de recurso voluntário. 5. Remessa necessária a que se nega provimento. (TRF-1 - REO: 10084436620204013100, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, Data de Julgamento: 15/03/2023, 5ª Turma, Data de Publicação: PJe 20/03/2023 PAG PJe 20/03/2023 PAG)
No que toca à identidade das partes, o Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado que “nas ações coletivas, para análise da configuração de litispendência, a identidade das partes deve ser aferida sob a ótica dos possíveis beneficiários do resultado das sentenças, tendo em vista tratar-se de substituição processual por legitimado extraordinário.” (STJ, REsp n. 1.726.147/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4. Turma, DJe de 21/5/2019).
Atente-se, ademais, para os seguintes julgados:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO POPULAR. LITISPENDÊNCIA ENTRE AÇÕES COLETIVAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO POPULAR. ADMISSIBILIDADE. AUTORES ATUAM COMO SUBSTITUTOS PROCESSUAIS DOS TITULARES MATERIAIS DO DIREITO COLETIVO LATO SENSU TUTELADO. COLETIVIDADE DOS MUNÍCIPES DE CARPINA. 1. Na hipótese dos autos, incontroversa a existência de identidade de pedido e de causa de pedir, não só porque reconhecida pelo acórdão recorrido, mas também porque tal identidade é expressamente admitida pelo próprio recorrente, que somente se insurge contra o reconhecimento da litispendência, por entender que esse pressuposto processual negativo exigiria também a identidade de partes processuais. 2. Outrossim, a tese do recorrente não prospera, pois contrária à doutrina e jurisprudência consolidada do STJ, consoante a qual nas ações coletivas, para efeito de aferição de litispendência, a identidade de partes deverá ser apreciada sob a ótica dos beneficiários dos efeitos da sentença, e não apenas pelo simples exame das partes que figuram no polo ativo da demanda, ainda que se trate de litispendência entre ações coletivas com procedimentos diversos, como a Ação Civil Pública (procedimento regulado pela Lei 7.347/1985; Ação Popular (procedimento regulado pela Lei 4.717/1965); pelo Mandado de Segurança (procedimento regulado pela Lei 12.016/2009); pela Ação de Improbidade Administrativa (procedimento regulado pela Lei 8.429/1992), etc. ( REsp 427.140/RO, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 20/05/2003, DJ 25/08/2003, p. 263; REsp 1168391/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/05/2010, DJe 31/05/2010; REsp 925.278/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 19/06/2008, DJe 08/09/2008; RMS 24.196/ES, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 13/12/2007, DJ 18/02/2008, p. 46). Finalmente, quanto ao polo passivo, o Sodalício a quo também foi bastante claro ao certificar a identidade de partes. 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1505359/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2016, DJe 30/11/2016)
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO COLETIVA. DIREITOS COLETIVOS. IMPETRAÇÃO DE DOIS MANDADOS DE SEGURANÇA POR DUAS ENTIDADES REPRESENTATIVAS DA MESMA CATEGORIA PROFISSIONAL. MESMA CAUSA DE PEDIR. IDENTIDADE PARCIAL DE PEDIDOS. CONTINÊNCIA. CONFIGURAÇÃO. I- O aspecto subjetivo da litispendência nas ações coletivas deve ser visto sob a ótica dos beneficiários atingidos pelos efeitos da decisão, e não pelo simples exame das partes que figuram no pólo ativo da demanda. Assim, impetrados dois mandados de segurança por associação e por sindicato, ambos representantes da mesma categoria profissional, os substituídos é que suportarão os efeitos da decisão, restando, assim, caracterizada a identidade de partes. II - Em face da identidade parcial de pedidos, em razão de um ser um mais abrangente que o outro, configura-se a continência, que é espécie de litispendência parcial. III - Inviável, porém, a reunião de processos, tendo em vista que já julgado um deles (Súmula 235/STJ), impondo-se, por conseqüência, a extinção parcial do presente writ na parte em que apresenta o mesmo pedido. Recurso ordinário parcialmente provido, para determinar o retorno dos autos ao e. Tribunal a quo, para que julgue o mandamus. ( RMS 24.196/ES, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 13/12/2007, DJ 18/02/2008, p. 46)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASSOCIAÇÃO DE SERVIDORES FEDERAIS. AÇÃO COLETIVA. LITISPENDÊNCIA COM AÇÃO AJUIZADA PELO SINDICATO DA CATEGORIA. IDENTIDADE DE PARTES. DISPENSÁVEL. 1. Nas ações coletivas, tendo em vista que o polo ativo é composto por representantes do interesse coletivo em discussão, a identidade de partes é irrelevante para a caracterização da litispendência, devendo ser levado em consideração os beneficiários dos efeitos da sentença. 2. Proposta uma ação coletiva por um dos legitimados, aos demais passa a ser vedado propor nova ação com mesma causa de pedir e mesmo pedido, o que a legislação faculta é sua habilitação como litisconsorte à ação em curso. 3. Apelação improvida. (TRF-4 - AC: 50375981220144047000 PR 5037598-12.2014.404.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 17/02/2016, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 22/02/2016)
ADMINISTRATIVO. AÇÕES COLETIVAS. LITISPENDÊNCIA. Se tratando de ações coletivas e diante da abrangência de representatividade do SINDICATO autor da ação anteriormente ajuizada, a sentença proferida fará coisa julgada erga omnes e abrangerá toda a categoria dos servidores públicos federais do Rio Grande do Sul, o que inclui os substituídos na presente demanda. (TRF4, AC 5070138-75.2012.404.7100, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 10/12/2015)
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. LITISPENDÊNCIA. Para fins de litispendência, a identidade de partes deverá ser apreciada sob a ótica dos beneficiários dos efeitos da sentença, e não apenas pelo simples exame das partes que figuram no polo ativo da demanda. (TRF4, AC 5037975-08.2013.404.7100, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Sérgio Renato Tejada Garcia, juntado aos autos em 08/09/2015)
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. LITISPENDÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO COLETIVA. SINDICATO. ASSOCIAÇÃO. O aspecto subjetivo da litispendência nas ações coletivas deve ser visto sob a ótica dos beneficiários atingidos pelos efeitos da decisão, e não pelo simples exame das partes que figuram no pólo ativo da demanda. Assim, interpostas duas ações por associação e por sindicato, ambos representantes da mesma categoria profissional, os substituídos é que suportarão os efeitos da decisão, restando, assim, caracterizada a identidade de partes. (TRF4, AC 5015767-44.2010.404.7000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 17/06/2014)
Como bem explicitou o Tribunal Regional da 4. Região, "A tutela jurisdicional coletiva, por suas características próprias, não autoriza a aplicação literal do art. 301, § 2º do CPC. A coincidência de partes é relativizada em face da atribuição de legitimidade ativa extraordinária (substituição processual) a diversos entes na defesa de interesses coletivos latu sensu. Nesses casos o polo ativo não é composto por uma pessoa, mas por um mero representante do interesse coletivo em discussão. Assim, a coincidência pessoal é dispensável para configurar-se a litispendência, bastando a coincidência de causa de pedir e pedido. Proposta uma ação coletiva por um dos legitimados, aos demais passa a ser vedado propor nova ação com mesma causa de pedir e mesmo pedido, o que a legislação faculta é sua habilitação como litisconsorte à ação em curso." (TRF-4 - AC: 50375981220144047000 PR 5037598-12.2014.404.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 17/02/2016, 3. Turma, D.E. 22/02/2016).
Conquanto se cuide de uma legitimação autônoma (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 4. ed. SP: Malheiros. 2017. p. 185), é fato que a atuação das associações, na forma do art. 5º, V, da lei n. 7.347/1985, se justifica por força do seu reconhecimento enquanto uma espécie de corpos intermédios ou grupos de interesse, com propenção para suscitar, perante o Poder Judiciário, debates no interesse da coletividade.
Isso significa que, no âmbito de demandas coletivas, class actions e ações civis públicas, a identidade entre demandas não se dá nos exatos termos do art. 337, §2º, CPC/15, já referido. Pode haver litispendência entre tais demandas, mesmo quando deflagradas por entidades distintas - veiculando a mesma pretensão -, dada a propensão a se ensejar coisa julgada erga omnes. Caso fosse afastada a litispendência, em casos tais, haveria o risco de liberações conflitantes, atingindo os mesmos destinatários; sentenças proibindo e sentenças permitindo a mesma prática, ensejando antagonismo normativo gerador de perplexidades e confusão.
2.9.1. Cogitada litispendência - caso em exame:
Reitero que, no âmbito de demandas coletivas, o reconhecimento da litispendência pode se dar mesmo quando não haja identidade entre as partes demandantes e mesmo quando os ritos processuais eleitos sejam distintos.
Caso alguém ingresse com uma ação popular impugnando a compra de veículos por um determinado órgão estatal; ao tempo em que uma associação civil distribua uma ação civil pública sobre o tema, haverá o risco de deliberações conflitantes, eis que ambas as demandas versarão sobre o mesmo fato. Assim, caso um dado Juízo declare improcedente a pretensão deduzida na ação popular, reputando lícita a compra de automóveis em questão; enquanto que outro Juízo declare inválida aludida aquisição, na demanda deflagrada pela associação, haverá indevida contradição entre decisões prolatadas por órgãos do Poder Judiciário, situados no mesmo nível deliberativo.
De alguma forma, o tema do ne bis in idem tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do double jeopardy, assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso Benton v. Maryland - 1969, Suprema Corte). No âmbito da Civil Law isso se traduz na cláusula do ne bis in idem, assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (Doppelverwertungsverbot - proibição de dupla valoração do mesmo fato: "Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum", em tradução livre).
Apesar de se tratar de garantia antiga - há quem alegue que o ne bis in idem teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S. Double jeopardy: a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o ne bis in idem impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (veja-se AISA, Estrella Escuchuri. Teoría del concurso de leyes y de delitos: bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o bis in idem ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso vertente, não se trata de debate sobre cominação de sanções. Debate-se, nessa demanda, a validade da atuação dos requeridos no tocante à produção e/ou comercalização do polímero mencionado na peça inicial (plásticos oxidegradáveis). Ainda assim, a vedação de multiplicação de causas com mesmo objeto se impõe, pois - do contrário - haveria grave risco de decisões conflitantes sobre o mesmo conflito, prolatada por Juízos de mesma instância. A garantia do ne bis in idem impõe certa racionalidade ao sistema, impedindo que o mesmo tema seja alvo de decisões contraditórias entre si, por juízos submetidos a um mesmo nível hierárquico.
Com efeito, quando um Juízo decide X e o Tribunal decide Y, há uma regra de solução do conflito, dado que a decisão do Colegiado Recursal deve prevalecer, porquanto foi concebido justamente para aludida revisão judicial, reformando decisões que venha a reputar inválidas. Quando, porém, Juízos do mesmo nível hierárquico prolatam decisões contraditórias sobre o mesmo conflito, gera-se situação de anomia e confusão; o Juízo A diz que a conduta é proibida, enquanto que o Juízo B diz que deve ser estimulada. Essa multiplicidade de decisões revela-se indevida ao sistema jurídico como um todo. E mesmo quando as decisões assim prolatadas fossem convergentes entre si, isso geraria redundância indevida.
D'outro tanto, quando se cuida de tramitação simultânea entre demandas submetidas à alçada dos Juízos de primeira instância, de um lado, e demandas submetidas à competência originária dos Tribunais, deve-se apurar se é caso de extinção de uma, ou algumas delas, sob risco de invasão da alçada dos Colegiados. Ou, em determinados casos, pode-se cogitar de eventual suspensão da demanda, aplicando-se então a regra do art. 313, V, "a", CPC/15.
Ora, cumpre ter em conta que, na forma do art. 337, VI, CPC, é dado ao requerido alegar haver litispendência, antes de impugnar o mérito da pretensão da parte autora. A litispendência é causa de extinção do processo sem solução do mérito, conforme art. 485, V, CPC. Nos termos do art. 337, §2, CPC, "Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido." Reitero, porém, que - quando se trata de demandas coletivas -, a identidade de partes ou mesmo de causa de pedir deve ser relativizada. De partida, dado que, em tais casos, quem distribuir a causa deduz pretensão em nome próprio e no interesse alheio, atuando como substituto processual de coletividades. O fato de que as causas tenham sido deflagradas por substitutos distintos não impede que sejam idênticas entre si, quando digam respeito ao mesmo grupo de interesse e à mesma pretensão. Por outro lado, considerando que o dispositivo da sentença transita em julgado e tendo em conta a regra do art. 508, CPC, é inequívoco que - não raro - pontuais divergências na motivação da peça inicial, com indicação da causa de pedir, não impedem o reconhecimento da litispendência, sob pena de que - tramitando demandas distintas - surja a situação de se reputar legítimo fumar a bordo do avião, enquanto outra sentença diz, com razão, ser isso indevido.
Reitero a menção à obra de Elton Venturi: "A aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas. Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes."(VENTURI, Elton. Processo civil coletivo: a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. SP: Malheiros, 2007, p. 331).
Ainda segundo Venturi, "o eventual ajuizamento de várias ações coletivas, ainda que de diferentes espécies, como antes ressaltado, pelas quais se deduzem idênticas pretensões (pedidos e causas de pedir), não terá o condão de encobrir a realidade de serem, antes e mais que conexas, verdadeiramente idênticas, acarretando, portanto, o fenômeno da litispendência e, assim, a necessidade de o juiz extinguir as demandas coletivas idênticas à originalmente proposta perante o juízo prevento. "(VENTURI. Obra citada. p. 333-334).
Semelhante é a avaliação de Rodolfo de Camargo Mancuso:
"Para a aferição dos tria eadem no processo coletivo não é bastante a identificação física ou institucional dos autores e réus nas ações comparadas, até porque os autores atuam em legitimação extraordinária e concorrente-disjuntiva, de sorte que outros critérios devem ser excogitados, inclusive o que conjuga a extensão territorial do dano historiado e a projeção espacial do raio de atuação de quem se apresenta como portador judicial. Luiz Paulo da Silva Araújo Filho escreve, ao propósito: Não pode ser esquecida a enorme dimensão das ações coletivas, naturalmente aptas a empolgar milhares ou milhões de pessoas, por vezes em todo o território nacional, sendo certo que o Código de Defesa do Consumidor - CDC cuidou de estabelecer um sistema próprio para essa vocação, como, p.ex., ao insttuir que a sentença fará coisa julgada erga omnes ou ultra partes. Nessa perspectiva, sempre que o thema decidendum for de âmbito nacional, e o autor da ação tiver representação em todo o país, a princípio deverá haver apenas uma única e exclusiva ação coletiva, com o mesmo objeto e a mesma causa petendi. A propositura de uma nova ação coletiva idêntica (rectius: a reprositura da mesma ação coletiva) caracteriza irrefragável litispendência. (...)
Nem se poderia, em casos que tais, pretender solução diversa, porque em ambas as ações coletivas replicadas a eficácia da coisa julgada irá operar erga omnes (art. 18, lei n. 4.717/1965 e art. 16 da lei n. 7.347/1985). Se as duas tramitassem em paralelo, e no final uma fosse acolhida e outra rejeitada, qual das duas coisas julgadas assim discrepantes deveria ser atendida? Aí a contradição não seria apenas lógica (com a qual de certo modo procura conviver a ciência processual), mas também prática, e esta é insuportável, na medida em que não se concebem dois comandos incompossíveis, num mesmo espaço-tempo e sobre idêntica matéria: é a face negativa da coisa julgada material, decretando a indiscutibilidade futura sobre o quanto acertado ou atribuído anteriormente, em modo definitivo por uma decisão de mérito."(MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada: teoria geral das ações coletivas. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 540 e 541)
Sabe-se que os Tribunais têm enfatizado não haver litispendência entre ações civis públicas, de um lado, e eventuais ações de inconstitucionalidade, de outro, como evidencia o seguinte acórdão:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MPF E MP/PR X IBAMA E IAT. LEI DA MATA ATLÂNTICA X CÓDIGO FLORESTAL. ÁREAS EM QUE HOUVE SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO E USO NÃO AUTORIZADO DE REMANESCENTES DA MATA ATLÂNTICA NO ESTADO DO PARANÁ. DISCUSSÃO SOBRE A POSSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO COM BASE EM DISPOSITIVOS DA LEI 12.651/2012 QUE TRATAM DE APPS (ARTS. 61-A, 61-B E 67), SEM OBSERVÂNCIA ÀS REGRAS DA LEI 11.428/2006. COMPETÊNCIA. PREVENÇÃO. EXTINÇÃO DA ACP POR LITISPENDÊNCIA COM ADIN E INADEQUAÇÃO PARA PLEITEAR DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. SUSPENSÃO DA ACP PARA AGUARDAR JULGAMENTO DA ADIN 6646. PEDIDOS REJEITADOS. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA PARA DETERMINAR AO IBAMA QUE SE ABSTENHA DE CANCELAR AUTOS DE INFRAÇÃO E TERMOS DE EMBARGO, INTERDIÇÃO E APREENSÃO RELACIONADOS AO CORTE/SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO E UTILIZAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE ÁREAS NA MATA ATLÂNTICA COM FUNDAMENTO NOS DISPOSITIVOS DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL QUE TRATAM DA REGULARIZAÇÃO DE APPS. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE E DA AGU ACERCA DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. 1. Prevenção da Justiça Federal do Distrito Federal não reconhecida. Ausência de identidade entre pedidos e causas de pedir entre as ações. Ação civil pública deve ser ajuizada no foro do local do dano (Lei 7.347/85, art. 2º), no caso, no Paraná. Conexão não modifica competência absoluta (funcional). 2. Ausência de litispendência entre a ação civil pública que visa a condenação a obrigações de fazer e não fazer e ação direta de inconstitucionalidade. Não há que se falar em utilização da ação civil pública como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade se não há pedido de declaração de inconstitucionalidade de norma, sendo eventual inconstitucionalidade suscitada como fundamento ou causa de pedir. Manutenção do indeferimento do pedido de extinção do processo sem julgamento do mérito. 3. Incabível suspender o processo para aguardar o julgamento da ADI 6466 pelo STF se não ficou demonstrada relação de prejudicialidade e se o juízo pode realizar controle difuso de constitucionalidade sem afrontar a autoridade da Corte Suprema. 4. De acordo com a decisão agravada, estão presentes os requisitos para concessão da tutela de urgência e os argumentos da parte agravante não foram suficientes para modificar essa conclusão. A tutela de urgência determina a manutenção dos atos administrativos do próprio IBAMA, que aplicaram sanções por infrações à legislação ambiental e que se destinam a impedir novas degradações. Prejuízo para o IBAMA se a decisão for mantida não demonstrado. Princípios da prevenção e da precaução recomendam manter a tutela de urgência deferida para preservar os atos de tutela ambiental. 5. Decisão mantida. Agravo de instrumento do IBAMA improvido. Agravo interno prejudicado. (TRF-4 - AG: 50464531820204040000 5046453-18.2020.4.04.0000, Relator: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 03/02/2021, QUARTA TURMA)"
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL n. 14882/2011-CE. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. IMPOSSIBILIDADE DE EFEITO ERGA OMNES. ADIN n. 4615. LITISPENDÊNCIA. 1. Apelação em face da sentença que extinguiu a ação sem julgamento de mérito, com base no art. 267, I, c/c art. 295, V do Código de Processo Civil. 2. A Ação Civil Pública não é meio adequado para pleitear que a Lei n. 14.882/2011, do Estado do Ceará, deixe de ser aplicada no âmbito estadual pelos apelados, já que tal medida teria efeito erga omnes. Tal ação não pode servir de sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade ou de qualquer outra ação própria do controle concentrado. 3. A discussão acerca da inconstitucionalidade da referida lei estadual já é objeto de análise do STF, através da ADIN n. 4615. 4. Apelação improvida. (TRF5, apelação cível 00160379020114058100, rel. des. fed. Marcelo Navarro, DJE de 26.04.2013)
Segundo já decidiu o TRF4, "Ausência de litispendência entre a ação civil pública que visa a condenação a obrigações de fazer e não fazer e ação direta de inconstitucionalidade. Não há que se falar em utilização da ação civil pública como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade se não há pedido de declaração de inconstitucionalidade de norma, sendo eventual inconstitucionalidade suscitada como fundamento ou causa de pedir. Manutenção do indeferimento do pedido de extinção do processo sem julgamento do mérito." (TRF-4 - AG: 50464531820204040000 5046453-18.2020.4.04.0000, Relator: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, 03/02/2021, QUARTA TURMA)
De modo semelhante, deliberou-se: "Por sua vez, não há litispendência com a ADPF 292, na qual é pleiteada a declaração de inconstitucionalidade das citadas resoluções, pois na presente ação o pedido declaratório de inconstitucionalidade é apenas incidental, e o pedido principal é para afastar, concretamente, aquelas limitações no âmbito do Estado de Santa Catarina." (TRF-4 - APL: 50007362420144047200 SC 5000736-24.2014.404.7200, Relator: EDUARDO VANDRÉ O L GARCIA, 14/12/2016, QUARTA TURMA).
No caso em análise, não diviso uma situação de litispendência entre a presente demanda e algum outro processo coletivo, eis que não indicado isso no processo e não constatado nesse exame de ofício, conforme art. 485, §3, Código de Processo Civil/15. Acrescento que eventual demanda individual, versando sobre o tema em causa neste processo, pode dar ensejo à aplicação do art. 104, da lei n. 8.078/1990 - Código de Defesa do Consumidor: "As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva."
Aludido preceito é aplicável no âmbito das ações civis públicas, por conta do art. 21 da lei n. 7.347/1985, com a redação veiculada pelo art. 117, Código de Defesa do Consumidor.
2.10. CONEXÃO PROCESSUAL - exame panorâmico:
O processualista Bruno Silveira Dantas enfatiza que "com o início de vigência do CPC/2015, será considerado prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conesxas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade." (DANTAS, Bruno S. in WAMBIER, Teresa A. A. et al. Breves comentários ao novo código de processo civil. SP: RT, 2015. p. 229).
Convém ter em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...) O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken. Processo civil brasileiro. Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Note-se, portanto, que o instituto da declinação da competência por conta de conexão está fundado no interesse de que causas com liames entre si sejam submetidas a um mesmo Juízo, para julgamento conjunto, evitando-se deliberações conflitantes entre si. É o que se infere do art. 55, §1º, parte final, CPC, ou conforme lógica da leitura a contrario sensu da súmula 235, STJ: "A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado."
2.10.1. Cogitada conexão processual - caso em exame:
Como registrei acima, nos ternos do art. 104, CDC, "As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva."
Por outro lado, na espécie, houve alusão a uma demanda em curso perante a Comarca de São Paulo - autos 1050943-73.2015.8.26.0100, não havendo maiores detalhes a respeito do seu alcance e situação processual. Assim, ao menos por ora, não constato a presença de uma situação de efetiva conexão probatória entre causas, para os fins do art. 55, §1, CPC/15 - reunião e solução conjunta.
2.11. EVENTUAL SUSPENSÃO DA DEMANDA:
Pode-se cogitar, na espécie, de suspensão dessa demanda, na forma do art. 313, V, 'a', CPC, alvo dos lúcidos comentários de Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC. Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro: volume II. Tomo II. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
Registro, d'outro tanto, que - sempre que deferida - a aludida suspensão não pode exceder a 01 ano, conforme art. 313, §4º, CPC: "O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II."
Quando em causa ADIs e ADOs, nos termos do art. 21 da lei n. 9.868/1999 e lei 12.063/2009, é dado à Suprema Corte suspender os processos em curso que versem sobre o tema discutido no âmbito da ADI: "O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo."
O art. 5º, §3 da lei da arguição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF, lei n. 9.882, de 03 de dezembro de 1999, preconiza que "A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada."
Suspensão semelhante está prevista no art. 982, I (versa sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas), art. 1.037, II, CPC (julgamento de recursos repetitivos pelos Tribunais Superiores). No mais das vezes, não há como suspender uma causa em primeira instância, no aguardo que outros processos sejam deliberados, exceção feita aos casos do art. 313, V, CPC/15: "(a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente; (b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo."
Convém atentar para o mencionado art. 982, CPC/15:
Art. 982. Admitido o incidente, o relator: I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso; II - poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias; III - intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias. § 1º A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes. § 2º Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso. § 3º Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III , poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado. § 4º Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência prevista no § 3º deste artigo. § 5º Cessa a suspensão a que se refere o inciso I do caput deste artigo se não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.
Nos termos do art. 981, CPC, "Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976."
No que diz respeito ao alcance do art. 982, §3º, CPC/15, a SIRDR - suspensão decorrente de incidente de resolução de demandas repetitivas versa sobre o pedido de suspensão nacional, apresentado perante o Presidente do STJ ou do Presidente do STF, conforme o caso, da tramitação de processos que gravitem em torno da mesma questão de direito objeto de um Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva (IRDR), previsto no art. 976 do Código de Processo Civil/15, contanto que seu processamento tenha sido deferido pelo Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal Regional Federal para tanto competentes. Caso deferido, isso enseja extensão de alcance nacional, pelo STJ ou STF, da suspensão que tenha sido determinada por Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, no âmbito de sua competência territorial, quando admitido o IRDR na origem, com a finalidade de garantir a preservação da segurança jurídica ou de excepcional interesse social, e diante de demonstração do atendimento dos demais requisitos legais.
Nos termos do art. 982, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015, a SIRDR pode ser requerida pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelas partes do incidente já instaurado. Independentemente dos limites da competência territorial, é dado à parte requerer a mesma providência ao Presidente do STF ou do STJ, desde que seu processo trate da mesma questão jurídica objeto do IRDR.
Para processar o mencionado pedido, o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ) criou a classe processual suspensão em incidente de resolução de demandas repetitivas (SIRDR), regulamentada pelo art. 271-A. Deferido o pedido de suspensão no STJ, os demais processos que tramitem no território nacional que tratem da mesma questão jurídica deve ficar sobrestados até o trânsito em julgado do IRDR originário. Indeferido o pedido apresentado na SIRDR essa decisão resultará, em regra, na manutenção da suspensão dos processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no estado ou na região, conforme determinado no IRDR pelo Tribunal de origem, se houver.
Semelhante é o conteúdo do art. 1.037, CPC/15. No caso em análise, em princípio não estão em curso alguma demanda judicial, algum debate legislativo etc. que ensejem a suspensão desta causa. Ressalvo nova análise do tema, caso se faça necessário.
2.12. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 16 - LACP:
Ao julgar o RE 1.101.937/SP (tema 1075), o Supremo Tribunal Federal e reconheceu a invalidade da norma da lei 9.494/1997, no que toca à alteração do art. 16 da lei da ação civil pública, de modo que isso implica a aplicação do art. 16 na sua redação original: "A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova."
Com efeito, ao apreciar o mencionado RE, o Supremo Tribunal concluiu ser "É inconstitucional a redação do art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, sendo repristinada sua redação original. II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional e fixada a competência nos termos do item II, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas."
No caso em exame, a distribuição da ACP perante este Juízo está em conformidade com o art. 16 da lei 7.247/1985. Assim, a decisão que venha a ser prolatada nesta demanda poderá apresentar efeitos sobre a região amazônica, a despeito da distância entre esta Capital e a Floresta em questão.
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CUMPRIMENTO. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. IMPOSSIBILIDADE. TEMA 1.075/STF. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Conforme decidido pelo STF em tese repetitiva, os efeitos da sentença proferida em ação civil pública não estão submetidos a limites territoriais, mas apenas a limites objetivos e subjetivos do título executivo. Tema 1.075/STF. 2. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (STJ - AgInt no REsp: 1683157 PR 2017/0169112-2, Data de Julgamento: 09/05/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/05/2022)
2.13. PROCESSO ESTRUTURAL:
Deve-se ter em conta que a presente demanda tem por base aquilo que os processualistas têm chamado de problema estrutural. Como explicita Fredie Didier, "O problema estrutural se define pela existência de um estado de desconformidade estruturada – uma situação de ilicitude contínua e permanente ou uma situação de desconformidade, ainda que não propriamente ilícita, no sentido de ser uma situação que não corresponde ao estado de coisas considerado ideal. Como quer que seja, o problema estrutural se configura a partir de um estado de coisas que necessita de reorganização (ou de reestruturação). (...) Há um problema estrutural quando, por exemplo: (i) o direito de locomoção das pessoas portadoras de necessidades especiais é afetado pela falta de adequação e de acessibilidade das vias, dos logradouros, dos prédios e dos equipamentos públicos numa determinada localidade; (ii) o direito à saúde de uma comunidade é afetado pela falta de plano de combate ao mosquito aedes aegypti pelas autoridades de determinado município; (iii) o direito de afrodescendentes e de indígenas é afetado pela falta de previsão, em determinada estrutura curricular do ensino público, de disciplinas ou temas relacionados à história dessa comunidade; (iv) a dignidade, a vida e a integridade física da população carcerária são afetadas pela falta de medidas de adequação dos prédios públicos em que essas pessoas se encontram encarceradas." (DIDIER JR., Fredie e outros. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro in Revista do MPRJ. vol. 75. Jan/Mar 2020).
Há quem sustente que, nos processos estruturais, a peça inicial deveria ser interpretada como um “esboço da demanda” (FERRARO, Marcella Pereira. Do processo bipolar a um processo coletivo-estrutural. Dissertação de Mestrado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná (UFPR), 2015, p. 144 e 153).
Nesses casos, os processos geralmente estão orientados à solução dos problemas que se encontram na base dos conflitos, não raras vezes demandando soluções secundum eventum litis ou rebus sic standius, ou seja, soluções dependentes da evolução do contexto dos fatos sobre o quais a sentença incide. É o que se dá, por exemplo, quando o direito à saúde de uma comunidade é afetado pela falta de plano de combate ao mosquito aedes aegypti pelas autoridades de determinado município.
Como já decidiu o STJ, "Nos processos estruturais, a pretensão deve ser considerada como de alteração do estado de coisas ensejador da violação dos direitos, em vez de se buscar solucionar pontualmente as infringências legais, cuja judicialização reiterada pode resultar em intervenção até mais grave na discricionariedade administrativa que se pretenderia evitar ao prestigiar as ações individuais." (STJ - REsp: 1733412/SP 2017/0241253-0, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 17/09/2019, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/09/2019)
Ademais, "o judiciário também tem papel diferenciado no litígio estrutural, principalmente e na medida em que é acionado para a correção de rumos postulada pelo autor das demandas ora em análise. E para cumprir sua missão, é de se ter em conta que em litígio estrutural são várias as possibilidades de solução, mas é pouco provável que a decisão judicial seja tão efetiva quanto a solução construída coletivamente pelos envolvidos, respeitadas as demais políticas públicas, decisões do executivo e do legislativo, bem como as restrições orçamentárias. Todos os aspectos precisam ser analisados e avaliados para a tomada de decisões." (TRF-4 - AG: 50368732720214040000, Relator: TIAGO DO CARMO MARTINS, Data de Julgamento: 11/02/2022, TERCEIRA TURMA)
Atente-se para o entendimento do STJ a respeito desse tema:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REFORMA E MELHORIAS EM HOSPITAL PÚBLICO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE GENÉRICA. DESCABIMENTO. PROCESSO ESTRUTURAL. PEDIDOS DIVERSOS E COMPLEXOS. POSSIBILIDADE. APRECIAÇÃO DE VIOLAÇÕES LEGAIS ESPECÍFICAS. OMISSÃO. NULIDADE. 1. O controle judicial de políticas públicas é possível, em tese, ainda que em circunstâncias excepcionais. Embora deva ser observada a primazia do administrador na sua consecução, a discricionariedade cede às opções antecipadas pelo legislador, que vinculam o executor e autorizam a apreciação judicial de sua implementação. 2. A existência de pedidos diversos e complexos não significa automática pretensão de substituição do administrador. Ao contrário, pressupõe cuidado do autor diante de uma atuação estruturante, que impõe também ao Judiciário a condução diferenciada do feito. 3. Nos processos estruturais, a pretensão deve ser considerada como de alteração do estado de coisas ensejador da violação dos direitos, em vez de se buscar solucionar pontualmente as infringências legais, cuja judicialização reiterada pode resultar em intervenção até mais grave na discricionariedade administrativa que se pretenderia evitar ao prestigiar as ações individuais. 4. No caso concreto, a consideração genérica de impossibilidade de intervenção judicial nas falhas de prestação do serviço de saúde configura efetiva omissão da instância ordinária quanto às disposições legais invocadas que, acaso mantida, pode inviabilizar o acesso das partes às instâncias superiores. 5. Recurso especial provido, para determinar o retorno do feito à origem para afastamento do vício. (STJ - REsp: 1733412 SP 2017/0241253-0, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 17/09/2019, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/09/2019)
Na fundamentação do acórdão constou: "O equívoco desse tratamento não estrutural do litígio é que ele acarreta apenas uma ilusão de solução, mas não produz resultados sociais significativos, eis que as causas do problema permanecem. Enfocam-se as suas consequências presentes mais evidentes, “a conta-gotas”, em processos individuais, ou mesmo em processos coletivos, mas que abordam parte do problema público. Em determinadas situações, esse comportamento do legitimado coletivo e do Poder Judiciário aprofunda as desigualdades e a desorganização do serviço público que se pretendia melhorar. Portanto, nesse tipo de ação, o que se visa não é a mera correção de incidentes que perturbam o estado das coisas; visa-se a mudança do próprio estado das coisas." (STJ - REsp: 1733412 SP 2017/0241253-0, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 17/09/2019, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/09/2019)
2.14. EVENTUAL ATUAÇÃO COMO AMICUS CURIÆ:
Na forma do art. 138, CPC, "O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação."
Ora, no que toca ao alcance do instituto do amicus curiæ, destaco as observações de Araken de Assim, abaixo transcritas:
"O amicus curiæ (literalmente, amigo da corte) é o terceiro que, interessado politicamente no desfecho do litígio (retro, 759.1.3), ingressa no processo pendente para trazer subsídios de fato e de direito em proveito da qualidade e perfeição da resolução judicial.
O nome não retrata com a suficiente nitidez a função dessa figura. Ela se desenvolveu e ganhou corpo no âmbito no âmbito do judicial review norte-americano. Originalmente, o ingresso exibia flagrante viés partidário: o terceiro ingressava no processo para persuadir o juiz a julgar a favor de uma das partes. É mais acurada, portanto, a designação amigo da causa (friend of the cause). O interesse no julgamento da causa em determinada linha constitui elemento indispensável para admitir-se o moderno friend, ressalvando-se que ele não pode ser patrimonial.
Os sistemas jurídicos filiados à Civil Law importaram essa figura à medida que perceberam que os provimentos judiciais podem alterar significativamente o ius positum e a ordem social. E o poder judicial, ao garantir os direitos fundamentais, assume posição contramajoritária, convindo estabelecer alguma forma de equilíbrio. É emblemático o caso do controle concentrado de constitucionalidade. Neste terreno fértil os amici brotam à semelhança dos cogumelos após chuvas abundantes. A declaração de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade de uma regra pode afetar a vida de milhões de pessoas. Em tal contingência, impõe-se reestruturar o procedimento, tornando-o aberto à participação dos segmentos organizados da sociedade, e, do mesmo modo, qualificar o provimento judicial com a integração desses agentes sociais no debate judiciário. Não é diferente no processo coletivo.
E, por outro lado, os meios de recrutamento das pessoas que se encontram investidas no órgão judiciário (infra, 928) não bastam para legitimar suas decisões. É o debate amplo, geral e irrestrito das questões de direito e de fato, no âmbito renovado do contraditório, o fator legitimador da decisão do juiz, socialmente aceitável e passível de acatamento.
A qualificação do provimento judicial constitui o denominador comum das diversas hipóteses típicas de amicus curiae (infra, 802). Em alguns casos, como na intervenção da CVM (infra, 803) e do CADE (infra, 826), comumente relacionadas ao poder de polícia dessas agências governamentais, o elemento da participação democrática no debate é mínimo, senão inexistente, todavia assume imenso relevo no controle concentrado e difuso de constitucionalidade. A abertura às manifestações de origens discrepantes, no processo objetivo, em que a tarefa do tribunal consiste em contrastar a norma com os parâmetros constitucionais, propicia maior legitimidade à resolução tomada. Do contrário, a objetivação do processo causaria a impressão de provimento de portas fechadas. Curiosamente, no judicial review norte-americano o fenômeno é inverso: como o writ of certiorari é instrumento do controle difuso, originário de processo entre partes determinadas, embora de repercussão, o ingresso do amicus curiae demonstra que o processo interessa a todos, não só àquelas partes. A democracia participativa e a contribuição para a justa decisão constituem, em graus variáveis, a base da intervenção.
O fundamento da intervenção do amicus curiae advém da conexidade entre os interesses individuais ou gerais, abstratos ou concretos, objeto da controvérsia em juízo, e os que integram os escopos institucionais do interveniente. Localiza-se na singularidade desse interesse, distinto do interesse jurídico tradicional, e, nada obstante também jurídico, e chamado de político no item próprio (infra, 801), que habita a identidade dessa figura interventiva.
É a repercussão da causa o móvel da intervenção voluntária ou provocada desse terceiro. Por exemplo, a associação criada para defender a vida e a integridade física de animais legitima-se a intervir como amicus curiae tanto (a) na ação movida pelo condômino contra o síndico, pleiteando perdas e danos, em razão de evento em que o réu teria provocado a morte do animal de estimação da família, e que ganhou espaço na mídia, quanto (b) no controle concentrado de constitucionalidade, em que se controverta lei local que autoriza o sacrifício ritual de animais como tradicional prática religiosa. O exemplo ilustra, convenientemente, a diversidade da natureza das causas que habilitam a intervenção do amicus curiae.
A finalidade da intervenção do amicus curiae permite distinguir essa figura de quaisquer outros participantes do processo. Não se confunde com o assistente, porque o interesse que o habilita a intervir, apesar de jurídico, não provém de relação jurídica conexa com o objeto do processo, e, portanto, o pronunciamento judicial não atingirá, reflexamente, relação jurídica própria. Não ocupa a função de perito, em geral particular que presta auxílio ao juiz em matérias alheias ao saber jurídico, porque inexiste vínculo com o órgão judiciário, em que pese a origem da designação, mas com o seu próprio interesse sectário. E, enquanto o Ministério Público, como custo legis, nas hipóteses do art. 178, atua em posição de equidistância das partes, dando razão a uma delas conforme estime a sua posição conforme, ou não, ao direito objetivo, o amicus curiae intervém partidariamente, buscando o predomínio, a priori, do interesse da parte com a qual se identifica no campo político, institucional e ideológico. A associação de proteção aos animais, retornando ao exemplo ministrado, intervém para defender o condômino lesado pelo ato do síndico, porque este é o interesse afinado com os seus objetivos institucionais.
É ingênua a atitude de exigir do amicus curiae a condição de interveniente neutro ou desinteressado. Embora esclareça o órgão judiciário, ministrando dados que auxiliarão a adequada solução do litígio, e não fique vinculado, para desempenhar essa função, às teses da parte, o interveniente toma partido, a priori, em favor de um dos interesses envolvidos. A própria fragmentação dos interesses sociais, que dividem grupos e aglutinam pessoas em posições divergentes, localizada na organização dos grupos de pressão (retro, 759.1.3), dá azo a flagrante partidarismo.
Em nenhum outro sítio esse fenômeno se revela com maior intensidade do que no controle concentrado de constitucionalidade. Nessa seara nobre e restrita, com efeito, há inúmeros exemplos da intervenção de grupos com interesses opostos – por exemplo, de um lado associações de defesa de animais, e, de outro, de organizações representativas das religiões de origem africana, que praticam o sacrifício ritual de animais –, travando, indiretamente, ressentido debate em processo supostamente “objetivo”. Seja como for, “o reconhecimento do caráter parcial do amicus curiae é fundamental para a compreensão do instituto, em sua feição hodierna, bem como das consequências de sua intervenção”, sendo que o partidarismo não torna ilegítima a respectiva atuação. Exemplo de partidarismo repontou no controle da constitucionalidade da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), ingressando como amicus curiae, e contribuindo para o debate, de um lado, diversas entidades ligadas à prática do tiro, e, de outro, entidades promovedoras da defesa dos direitos humanos, que defenderam pontos de vista opostos.
O valor dos argumentos trazidos pelos amici no controle concentrado de constitucionalidade, e, a fortiori, nas demais hipóteses em que ocorra semelhante intervenção, ficou suficientemente demonstrado na reviravolta do entendimento do STF no tocante à constitucionalidade das normas estatuais à exploração de mineral (amianto) potencialmente danoso à saúde. Em tal caso, os argumentos brandidos pelos amici convenceram a maioria a rever o entendimento anterior." (ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro: volume II. Tomo I. Parte geral. Sâo Paulo: RT. 2015. p. 662 e ss.).
O Código de Processo Civil/15 trata do tema no seu art. 138: "O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. §1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do §3º §2º. Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiæ. §3º O amicus curiæ pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas."
A respeito do tema, os Tribunais têm decidido:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMICUS CURIAE. PEDIDO DE INTERVENÇÃO AINDA NÃO APRECIADO NA ORIGEM. ILEGITIMIDADE RECURSAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE JURÍDICO OU ECONÔMICO. RECURSO NÃO CONHECIDO. CPC, ART. 932, III. 1. Conforme reiterada jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, aqueles que participam do processo na condição de amicus curiae não possuem legitimidade para recorrer, salvo para impugnar decisão que não admite sua intervenção nos autos. 2. O fato de os ora agravantes sequer terem sido admitidos até o momento como amicus curiae no cumprimento de sentença de origem afasta a legitimidade e inviabiliza a interposição de quaisquer recursos pelos mesmos. 3. Ambos os agravantes não detêm a representatividade do Conselho em questão, nem se qualificam como terceiros diretamente prejudicados, de modo que, ainda que não atuando na qualidade de amicus curiae, não restaria demonstrado o interesse jurídico ou econômico na demanda, requisito essencial para que se possa recorrer da decisão proferida. Insta referir que o decisum, acima transcrito, versa sobre a legalidade de nomeações para cargos em comissão junto ao Conselho Profissional. 4. Neste contexto, o presente recurso se mostra inadmissível em razão da ausência de pressuposto recursal, qual seja a legitimidade dos agravantes para a interposição do presente Agravo de Instrumento. (TRF-4 - AG: 50220245020214040000 5022024-50.2021.4.04.0000, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 10/08/2021, TERCEIRA TURMA)
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM QUESTÃO DE ORDEM. OMISSÃO E NULIDADE DE JULGAMENTO. LEGITIMIDADE RECURSAL DO AMICUS CURIAE PARA OPOR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM QUESTÃO DE ORDEM EM PROCESSO SUBJETIVO NO INTERESSE ESPECÍFICO DE SEUS ASSOCIADOS. AUSÊNCIA. EFETIVA CONTRIBUIÇÃO DO AMICUS CURIAE PARA A FORMAÇÃO DO CONVENCIMENTO POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO MÉRITO QUE NÃO SE ESTENDE À QUESTÃO DE ORDEM QUE APENAS DECLARA O OBJETO DA DELIBERAÇÃO ANTERIOR. OMISSÃO OU NULIDADE DO JULGAMENTO. INOCORRÊNCIA. INCLUSÃO EM PAUTA E PRÉVIA INTIMAÇÃO DO AMICUS CURIAE ACERCA DA QUESTÃO DE ORDEM. DESNECESSIDADE. PREVISÃO REGIMENTAL EXPRESSA QUE DISPENSA INCLUSÃO EM PAUTA E INTIMAÇÃO. PREJUÍZO CONCRETO NÃO DEMONSTRADO. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. 1- O relevante papel exercido pelo amicus curiae consiste em apresentar subsídios, informações e diferentes pontos de vista da questão controvertida, inclusive oralmente, a fim de qualificar o debate e o contraditório, os quais serão considerados pelo órgão julgador no momento da prolação da decisão, não sendo sua função, contudo, a defensa de interesses subjetivos, corporativos ou classistas, sobretudo quando a sua intervenção ocorrer nos processos ditos subjetivos, isto é, que não sejam recursos especiais repetitivos ou nos quais não tenham sido instaurados incidente de resolução de demandas repetitivas ou incidente de assunção de competência. 2- A intervenção do amicus curiae em processo subjetivo é lícita, mas a sua atuação está adstrita aos contributos que possa eventualmente fornecer para a formação da convicção dos julgadores, não podendo, todavia, assumir a defesa dos interesses de seus associados ou representados em processo alheio. Precedente. 3- Ocorrida a efetiva participação do amicus curiae antes do julgamento, mediante manifestação escrita e sustentação oral, descabem, por ausência de legitimidade, os embargos de declaração por ele opostos ao fundamento de que deveria também participar do julgamento de questão de ordem que tão somente declarou o exame objeto de anterior deliberação da Corte de que participou. 4- Inexiste nulidade no julgamento da QO no REsp 1.813.684/SP pela Corte Especial pela ausência de inclusão em pauta e intimação do amicus curiae, tendo em vista que, nos termos do art. 91, II, do RISTJ, as questões de ordem independem de pauta, não se aplicando, na hipótese, a exceção contida no art. 91, parágrafo único, do Regimento Interno, que somente trata de audiências públicas para formação ou alteração de tese repetitiva ou enunciado de súmula. 5- A ausência de indicação, nas razões recursais, acerca da existência de prejuízo concreto decorrente da ausência de intimação que o próprio Regimento Interno prevê ser dispensável, não acarreta a nulidade do julgamento em virtude da observância do princípio da instrumentalidade das formas. Precedentes. 6. Embargos de declaração não conhecidos; se superada a preliminar, embargos de declaração rejeitados. (STJ - EDcl na QO no REsp: 1813684 SP 2018/0134601-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/05/2021, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 20/08/2021)
No presente caso, dada a amplitude e relevância desta demanda, reputo oportuna a remessa, adiante, de ofício à UFPR e à PUCPR, a fim de que, querendo, indiquem especialistas bioquímica, resistência dos materiais, análise estrutural, química, a fim de atuarem como amicus curiæ na presente demanda.
Anoto que, na forma do art. 138, §2º, CPC/15, caso isso se confirme, serão assegurados aos amici: (a) a apresentação de pareceres, estudos técnicos, memoriais e manifestações nos autos, nos prazos assinalados pelo Juízo; (b) oposição embargos declaratórios, nos prazos e formas dos arts. 1.022 e 1.023, CPC; (c) recurso contra a decisão que julgar eventual incidente de resolução de demandas repetitivas, conforme art. 138, §3, CPC/15; (d) fazerem-se representar e participar de audiências de conciliação ou de instrução e julgamento, porventura aprazadas pelo Juízo.
Acrescento que, ressalvadas as hipóteses já aludidas acima - oposição de embargos declaratórios e recurso contra decisões em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas -, o amicus curiæ não detém poderes para recorrer das decisões no processo (art. 138, § 1º, do CPC/2015). Os amici curiæ aos deveres de probidade processual, na forma dos arts. 79 a 81, CPC/15. Serão estipulados prazos comuns para manifestação de tais amici, caso acorram aos autos, a fim de se viabilizar a célere tramitação da causa, na forma ditada pelo art. 5, LXXVIII, CF/88.
Ao contrário do que ocorre com o assistente - que intervém por ter interesse em que uma das partes obtenha sentença favorável -, o amicus atua no processo em defesa de uma dada tese jurídica, devendo agir como quem busca auxiliar o Poder Judiciário a prolatar a solução mais justa, aplicável ao caso. Em regra, o assistente é titular da própria relação jurídica deduzida no processo ou de uma relação jurídica que lhe é vinculada. O amicus curiæ não é sujeito de qualquer dessas relações jurídicas, atuando no processo na defesa de interesses institucionais.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA, AMICUS CURIAE. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, como amicus curiae. (TRF-4 - AG: 50370095820204040000 5037009-58.2020.4.04.0000, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 06/10/2020, TERCEIRA TURMA)
Como já decidiu o TRF4, "O amicus curiæ atua no processo como um colaborador da justiça, cuja intervenção se justifica em razão da existência de questões que ultrapassam os interesses meramente das partes" (TRF-4 - AC: 50173555020194047201 SC 5017355-50.2019.4.04.7201, Relator: ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, 16/11/2021, SEGUNDA TURMA). Apreciarei adiante, enfim, a necessidade da expedição de ofícios, convidando estudiosos sobre o tema, no âmbito das universidades públicas ou privadas do país - departamentos de química, resistência dos materiais, física e bioquímica.
2.15. TUTELA DE URGÊNCIA - considerações gerais:
É bem sabido que a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: ele deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista nos arts. 300 e seguintes do Código de Processo Civil/15. Contanto que a narrativa dos fatos, promovida pelo demandante seja verossímil, seus argumentos jurídicos sejam densos e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - isto é, contanto que haja fumus boni iuris e periculum in mora -, a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautelas, eis que tampouco soa compatível com a garantia do devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF/88. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC/15).
Note-se que esse mencionado art. 300, §3º, CPC/15 deve ser conjugado com o art. 520, do mesmo Código, que dispõe que o cumprimento provisório da sentença "corre por iniciativa e responsabilidade do exequente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido." Conquanto esse dispositivo não se aplique, em sua literalidade, no âmbito da antecipação de tutela, evidencia os cuidados necessários a fim de se evitar que eventual provimento de urgência acarrete prejuízos irreversíveis ao(s) requerido(s). A tanto converge o art 302, CPC/15.
Por conta disso, em determinados casos, o Juízo pode condicionar o deferimento da antecipação de tutela à apresentação de suficientes contracautelas por parte do requerente, conforme art. 300, §1º, CPC/15.
Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
- Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
- Princípio do meno gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. volume II. Tomo II. Parte Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371)
Cuidando-se, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários (art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494/97), conforme se infere da conhecida ADC 04-6/DF, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do writ, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
Acrescente-se que o juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da res iudicata): "É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada." (MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 7. ed. SP: Malheiros. p. 55)
Para bem avaliar esses requisitos, promovo o equacionamento de algumas premissas, conforme tópicos abaixo, com exame não exaustivo.
2.16. BILATERALIDADE DE AUDIÊNCIA:
Acrescento que, na espécie, foi respeitada a bilateralidade de audiência, prevista no art. 5, LIV e LV, Constituição, art. 7, parte final, CPF/15 e art. 2 da lei n. 9.784/1999, eis que os demandados foram citados e puderam se manifestar a respeito da pretensão deduzida na peça inicial, notadamente no que toda ao pedido de antecipação de tutela.
Destaco que o exame que segue é promovido com cognição não exaustiva, ressalvando-se nova análise de tais temas por época da prolação da sentença.
2.17. EVENTUAL PRESCRIÇÃO - considerações gerais:
No que toca à eventual prescrição, convém ter em conta que "O prazo previsto expressamente em lei para o exercício das pretensões que se ajuízam mediante ação constitutiva, positiva ou negativa, é de decadência, pois a pretensão constitutiva se caracteriza como direito potestativo. As pretensões que se exercem mediante ação declaratória são perpétuas (imprescritíveis). Isto significa que podem ser ajuizadas mesmo se já estiver prescrita a pretensão condenatória do direito cuja existência ou inexistência se quer ver declarada." (NERY JR, Nelson. Novo Código Civil anotado. SP: RT, 2002).
Daí que a prescrição é oponível às pretensões condenatórias.
Anoto, de outro tanto, que o art. 189, Código Civil, preconiza que "Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."
Isso significa que o cômputo da prescrição deve ser promovido com atenção à teoria da actio nata. Ou seja, "o início do prazo prescricional se verifica com o nascimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo, momento a partir do qual a ação poderia ter sido proposta - enquanto não nascer a ação conferida para a tutela de um direito, não é dado falar em prescrição: actioni nondum natae non prescritibur." (CAHALI, Yussef Said. Prescrição e decadência. São Paulo: RT, 2008, p. 35).
Yussef Cahali menciona, ademais, a lição de Câmara Leal, para quem "A ação nasce, portanto, no momento em que se torna necessária para a defesa do direito violado - é desse desse momento, em que o titular pode se utilizar da ação, que começa a correr o prazo de prescrição. Portanto, o prazo é contado da data em que a ação poderia ser proposta. O dies a quo da prescrição surge em simultaneidade com o direito de ação." (CAHALI, Yussef Said. Obra cit. p. 36).
Vê-se, portanto, que a prescrição deve ser computada a partir do momento em que o cogitado titular de uma situação jurídica toma conhecimento da agressão ao seu interesse.
"(...) O cômputo do prazo prescricional quinquenal, objetivando o ingresso de ação de indenização contra conduta do Estado, previsto no artigo 1.º do Decreto 20.910/32, começa quando o titular do direito lesionado conhece o dano e suas sequelas, segundo reza o princípio actio nata. Precedentes: AgRg no REsp: 1369886/PE Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ de 20.05.2013; AC 0013010-49.2005.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, DJ de 16.05.2013." (AC 0011884-90.2007.4.01.3500 / GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 p.137 de 15/10/2014).
"(...) Ademais, mesmo que se considerasse o prazo de 3 anos, como quer a requerida, não haveria prescrição. Pelo princípio da actio nata, que é adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, a pretensão somente nasce com a violação do direito (art. 189 do Código Civil). E a pretensão da autora somente surgiu no momento em que tomou conhecimento da irregularidade cuja prática atribui à ré e que teria causado o dano cujo ressarcimento é postulado. Antes disso, não há como se exigir do lesado o exercício da sua pretensão, até porque a existência de dano é requisito da responsabilidade e, portanto, pressuposto da ação que visa à sua reparação." (AC 00053846420074047108, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
Com efeito, dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (Dormientibus non sucurrit jus), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil: "O início da eficácia dos atos administrativos se assinala pela publicação, ou pelo termo que indicarem; mas os atos administrativos que afetem pessoa certa e determinada assumem eficácia ao serem por ela conhecidos por via de regular comunicação." (NASSAR, Elody. Prescrição na Administração Pública. 2. ed. SP: Saraiva, 2009, p. 148).
Ainda a respeito da definição do termo inicial, atente-se para a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"Todo prazo tem um termo inicial (a quo) e tem um termo final (ad quem), ou seja, há sempre um momento para iniciar e outro para encerrar a contagem do tempo de duração.
No caso da prescrição, o termo a quo é aquele em que nasce a pretensão e o termo final é aquele em que se completa o lapso temporal assinalado pela lei para o exercício da ação destinada a fazer atuar em juízo a pretensão. Há um prazo geral e vários prazos especiais, segundo o critério da lei, o que faz com que o termo final seja mais próximo ou mais longínquo para as diferentes pretensões.
Uma vez que, para haver prescrição, a inércia do titular do direito afrontado e requisito necessário, somente se pode iniciar a contagem do prazo extintivo a partir do momento em que sua atividade contra a situação injurídica se tornou possível (e, não obstante, deixou de ser exercida).
Prescritividade e exigibilidade são ideias que se intervinculam. Apenas as prestações exigíveis (i.e., vencidas), não sendo satisfeitas, sujeitam-se aos efeitos da prescrição. Se a obrigação ainda não se venceu, não está o credor autorizado a exercer o direito que lhe cabe contra o devedor. Não se pode perder por inércia um direito que, posto existente, ainda não se pode exigir. Donde 'o início da prescrição só pode ter lugar quando o direito está em condições de o seu titular poder exercitá-lo.'
Por isso, não corre prescrição nas obrigações a prazo ou sujeitas à condição suspensiva, senão depois de ocorrido o vencimento ou verificada a condição (art. 199, I e II). Termo e condição suspensiva, nessa ordem de ideias, são causas que impedem a prescrio, porque, no primeiro caso, o direito subjetivo nem sequer surgiu, e, no segundo, já existe mas tem o seu exercício suspenso.
Sendo a via judicial o caminho que a ordem jurídica oferece ao titular da pretensão insatisfeita para compelir o obrigado a realizar a prestação devida, é intuitivo que se deverá contar a prescrição a partir de quando a respectiva ação se mostrou exercitáve. Nesse sentido, somente se pode cogitar de prescrição em face da chamada actio nata (actioni nondum natae non praescribitur). Vale dizer: o prazo prescricional corre a partir do momento em que o credor pode lançar mão da pretensão, se necessário, por uma ação em juízo.(...)
No caso de obrigação derivada de ato ilícito, desde a ocorrência deste está fluindo a ação para impor a obrigação genérica de indenizar. Sem se saber, porém, o montante do prejuízo, não se pode desde logo exigir-lhe a indenização. Enquanto estiver fluindo a ação condenatória genérica, não corre o prazo para liquidar e exigir a reparação. Mas, se o credor não propõe logo a ação genérica, desde então estarão em risco as pretensões também da liquidação e do respectivo valor líquido. É que a inércia do titular da pretensão terá prejudicado todas as ações que poderia manejar." (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo código civil. Volume III. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174-177).
Delimitada a questão quanto ao termo inicial do cômputo da prescrição, outro tema diz respeito ao seu prazo. Ora, como sabido, no âmbito das obrigações pessoais, as pretensões condenatórias formuladas em face da Fazenda Pública prescrevem no prazo de 05 anos, conforme art. 1º do Decreto 20.910/1932 c/ Decreto-lei 4.597/1942.
Convém atentar, de toda sorte, para a lição de Pontes de Miranda: "A prescrição quinquenal somente concerne às ações condenatórias pessoais; não às ações declarativas, constitutivas negativas (e.g., declaração de inconstitucionalidade ou nulidade de lei, ou do ato do Poder Público), mandamentais e executivas que não sejam de dívidas pessoais, ou a de execução de julgado. As ações pessoais (...) são as oriundas de dívidas de direito das obrigações, em que a Fazenda Pública teria de pagar." (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de apud NASSAR, Elody. Prescrição na Administração Pública. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 271).
Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
O prazo de 05 anos também prevalece sobre aquele preconizado no art. 206, §2º, do Código Civil: "Prescreve: §2 - Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem."
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA PROPOSTA POR SERVIDORES PÚBLICOS.. VERBA DENOMINADA 'ETAPA ALIMENTAÇÃO'. PRESCRIÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO DE CINCO ANOS. ART. 1º DO DECRETO. 20.910/1932. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL E 10 DO DECRETO 20.910/32. 1. O entendimento do STJ é no sentido de que a prescrição quinquenal prevista no art. 1º. do Decreto 20.910/1932 deve ser aplicada a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja ela federal, estadual ou municipal, independentemente da natureza da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e o particular. 2. Não incide, portanto, a prescrição bienal do art. 206, § 2º, do CC de 2002, uma vez que o conceito jurídico de prestação alimentar nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de Direito Público. Inexiste, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/32. 3. Agravo Regimental não provido. ..EMEN: (AGARESP 201200734389, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:27/08/2012 ..DTPB:.)
O Min. Herman Benjamin enfatizou, naquela ocasião, que "se mostra inaplicável, no caso dos autos, a prescrição bienal do art. 206, §2º, Código Civil, uma vez que o conceito jurídico de prestações alimentares nele previsto não se confunde com o de verbas remuneratórias de natureza alimentar. O Código Civil de 2002 faz referência às prestações alimentares de natureza civil e privada, incompatíveis com as percebidas em relação de direito público. Não há, no caso, norma específica mais benéfica a ensejar a incidência do art. 10 do Decreto 20.910/1932." (Agravo no REsp n. 164.513/MS).
2.17.1. Eventual prescrição de fundo de direito:
Vale a pena atentar, uma vez mais, para a lição de Elody Nassar, quanto trata da prescrição do fundo de direito: "A denominada prescrição do fundo de direito tem suporte legal no disposto no art. 1. do Decreto n. 20.910/1932, que dispõe sobre a prescrição das ações contra a Fazenda Pública (...). Para efeito da compreensão da expressão 'fundo de direito' deve ser observado o marco inicial, ou seja, o momento a partir do qual inicia-se o prazo prescricional. Esse marco inicial é contado a partir da consolidação de uma situação jurídica fundamental que estabelece um ponto ceto e delimitado para a eventual impugnação de um ato lesivo de direito. Essa situação jurídica fundamental, no dizer da mais renomada doutrina, importa em ato único do qual derivam os subsequentes e que, portanto, se torna definitivo se não impugnado em tempo hábil, juntamente com todos os seus efeitos. Destaca-se aqui a existência da teoria estatutária da função pública, distinguindo a prescrição que atinge o fundo de direito (art. 1 do Decreto 20910) da prescrição das prestações sucessivas ou vincendas (art. 3º do mesmo diploma legal). Dessa teoria decorre a exegese de que, enquanto existente o vínculo entre servidor e Poder Público, são imprescritíveis os direitos dele decorrentes, sendo atingidos pela prescrição, tão-somente, alguns de seus efeitos." (NASSAR, Elody. Obra citada. p. 273).
Segundo antiga jurisprudência da Suprema Corte, "Quando existe um ato ou fato que ofenda de modo geral, permanente, definitivo, o direito do autor, como a demissão, a preterição no acesso, o cancelamento de pensão, a tomada de coisas sem as formalidades legais, o lapso prescricional corre da data do ato ou do fato. Quando, porém, a prestação periódica não for paga (vencimentos, juros de apólices, pensões, aluguéis de imóveis etc.), por negligência do credor, por falta de verba orçamentária, ou ainda em consequência de dificuldade burocrática, o prazo é contado da data em que cada prestação for exigível" (STF, 1ª Turma, 28.08.1969, RT 416/426, citado por CAHALI, Yousse Said. Prescrição e decadência. SP: RT. 2008. p. 303).
Em período mais recente, o Min. Cézar Peluso sustentou que "São discerníveis, no plano teórico dos direitos subjetivos funcionais a que correspondem obrigações administrativas, de um lado, a própria relação jurídica estatutária e todas as determinações que, segundo as modalidades legais, é ela capaz de assumir em termos de situações jurídicas do servidor, como as decorrentes de promoção, acesso, reenquadramento, reclassificação, decurso de tempo, desempenho de funções ou serviços especiais, aposentadoria etc. (a), e, de outro, as consequências pecuniárias (b). Perante ambas (a e b), é possível cogitar de direitos à prestação obrigacional, cuja violação desencadeie pretensão sujeita a lapso prescritivo, no sentido de que, realizado o suporte fático, pode o funcionário exigir prestação administrativa, que tenha por objeto o próprio vínculo estatutário, ou uma das muitas situações configuráveis no lado dinâmico do mesmo vínculo, ou ainda só os seus efeitos pecuniários." (PELUSO, Cézar apud CAHALI. Obra citada. p. 304).
Cahali sustenta, na sequência, que "consideradas do ângulo de suas repercussões de caráter financeiro (b), a relação estatutária e suas situações jurídicas (a) são fonte objetiva do direito do servidor de receber as prestações correlatas. Desse ponto de vista, os diretos incidentes sobre a relação jurídico-funcional e cada uma das situações jurídico-subjetivas em que ela se desdobra podem, sem grande impropriedade técnica, chamar-se direitos originantes, e os direitos irradiados às respectivas consequências econômicas, direitos originados. É aos primeiros que a jurisprudência costuma referir-se sobre a expressão 'fundo de direito', a qual se reconhece 'usada para significar o direito de ser o funcionário (situação jurídica fundamental) ou os direitos que se admitem com relação a essa situação jurídica fundamental, como reclassificações, reenquadramentos, direito a adicionais por tempo de serviço, direito à gratificação por prestação de serviço de natureza especial. Os conceitos assim enunciados definem as hipóteses de prescrição do fundo de direito (art. 1º), envolvendo os direitos originantes, e de prescrição das prestações vencidas (art. 3º), que diz respeito aos direitos originados." (CAHALI, Yousse Said. Obra citada. p. 304-305).
Isso significa que, em princípio, sempre que determinado pleito é indeferido pela Administração Pública, o interessado possui o prazo de até 05 anos - contados da intimação da decisão - para deflagrar a pertinente demanda judicial, salvo eventuais hipóteses de interrupção do cômputo do prazo, observada, em qualquer caso, o entendimento consagrado com a súmula 383, STF, já transcrita acima.
2.17.2. Diferença entre suspensão e interrupção da prescrição:
Quanto à distinção entre suspensão e interrupção da prescrição, reporto-me à lição de Elody Nassar:
"Chama-se suspensão a circunstância especial, em vista da qual a lei paralisa a fluência do prazo prescricional. As causas suspensivas da prescrição são as que, temporariamente, paralisam o seu curso; superado o fato suspensivo, a prescrição continua a correr, computado o tempo decorrido antes dele.
Denomina-se interrupção a ocorrência de um fato hábil a destruir o efeito do tempo já decorrido, com a anulação da prescrição já iniciada. As causas interruptivas da prescrição são as que inutilizam a prescrição iniciada, de modo que o seu prazo recomeça a correr da data do fato que a interrompeu ou do último ato do processo que a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)." (NASSAR, Elody. Obra citada. p. 156-157)
Dado que o instituto tem por fundamento que o Direito não tutela quem permanece inerente na defesa dos seus interesses (Dormientibus non sucurrit jus), a prescrição apenas pode ser oposta a quem podia efetivamente agir. E isso pressupõe, por certo, que o atingido tenha conhecimento da agressão às suas pretensões, na forma do art. 189, Código Civil.
Em regra, no curso do processo administrativo o cômputo da prescrição resta suspenso, por força do art. 4º do decreto 20.910/32: "Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la." O cömputo da prescrição também resta suspenso nas hipóteses do art. 200, Código Civil/2002: "Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva."
2.17.3. Pretensão à reparação de danos ambientais:
Por simetria, o art. 1º da lei no 9.873, de 23 de novembro de 1999, preconiza que "Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado."
Convém ter em conta, todavia, que o Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado que a pretensão à reparação de danos materiais e morais ambientais seria imprescritível, como bem ilustra o julgado REsp n. 647.493/SC - rel. Min. João O. Noronha:
"Com relação à prescrição, em se tratando de pretensão que visa à recuperação de meio ambiente degradado, é imprescritível o direito de ação coletiva. Nesse sentido, releva transcrever a doutrina de Hugo Nigro Mazzilli: Tratando-se de direito fundamental, indisponível, comum a toda a humanidade, não se submete à prescrição, pois uma geração não pode impor às seguintes o eterno ônus de suportar a prática de comportamentos que podem destruir o próprio habitat dos ser humano. Também a atividade degradadora contínua não se sujeita a prescrição: a permanência da causação do dano também elide a prescrição, pois o dano da véspera é acrescido diuturnamente. (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 17ª edição, pág. 515).
No presente caso, o Tribunal a quo manifestou entendimento de que o dano apontado pelo Ministério Público tem a característica de continuidade, fato que, inequivocamente, afasta a hipótese de fluência de quaisquer prazos prescricionais. Confira-se (fl. 2.686):
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o dano ambiental não prescreve quando contínuo, conforme assim tem se orientado: CIVIL. PRESCRIÇÃO. VIOLAÇÃO CONTINUADA. INOCORRÊNCIA. A continuada violação do direito de propriedade dos recorridos por atos sucessivos de poluição praticados pela recorrente importa em que se conte o prazo prescricional do último ato praticado. Recurso não conhecido. (RESP 20645/SC, DJ DATA: 07/10/2002, Relator Min. BARROS MONTEIRO (1089) Relator p/Acórdão Min. CESAR ASFOR ROCHA) ."
ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. DESCUMPRIMENTO. EXECUÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. OBRIGAÇÃO. REPARAÇÃO. DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO. ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. INVIABILIDADE. INTERPRETAÇÃO. CLÁUSULA CONTRATUAL. SÚMULA 05/STJ. 1. É imprescritível a pretensão reparatória de danos ambientais, na esteira de reiterada jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, a qual não se aplica ao caso concreto, no entanto, porque a obrigação transcrita em termo de ajustamento de conduta não está configurada dessa forma, segundo o texto do acórdão impugnado. 2. Dessa forma, uma vez que a natureza da obrigação foi definida pelo Tribunal "a quo" a partir do contexto fático-probatório dos autos, sobretudo do termo de ajustamento de conduta, como diversa de reparatória de dano ambiental, a reforma dessa conclusão, com o fim de pontuar a imprescritibilidade, demanda a revisão do acervo fático-probatório e do TAC, o que encontra óbice nas Súmulas 05 e 07 do Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1466096 RS 2014/0164922-1, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 24/03/2015, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/03/2015)
Em princípio, aludido entendimento parece ser de aplicação cogente na espécie, por força do art. 489, §1º, VI e 927, CPC/15. Note-se também que o cômputo da prescrição resta suspenso, no curso da apuração e arguição criminais, conforme art. 200, Código Civil/2002, e no curso de processo administrativo versando sobre o tema - art. 4, decreto 20.910/32.
Atente-se ainda para o seguinte julgado:
Ementa: AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXTRAÇÃO IRREGULAR DE RECURSO MINERAL. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO TEMA 666 DA REPERCUSSÃO GERAL. INCIDÊNCIA DO TEMA 999. 1. A extração clandestina de recursos minerais do leito de rio (sem a adequada autorização da autoridade pública competente) importa não apenas dano patrimonial, mas, principalmente, dano ao meio ambiente. 2. A extração desordenada de recursos minerais impacta diretamente no ecossistema, trazendo consequências muitas vezes irreversíveis ao meio ambiente. 3. Não se trata, portanto, de mero ilícito civil, de forma que inaplicável, à hipótese destes autos, o entendimento firmado no RE 669.069-RG, Tema 666 da repercussão geral (É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil). 4. O presente caso visa à reparação por dano ambiental (por extração clandestina de recursos minerais), de modo que é perfeitamente aplicável a tese fixada no RE 654.833-RG Tema 999, em que esta CORTE fixou tese no sentido de que “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. 5. O acórdão recorrido divergiu desse entendimento. 6. Provimento ao RECURSO EXTRAORDINÁRIO, para afastar a prescrição e determinar que o Juízo de origem prossiga no exame da causa. (STF - RE: 1352874 RS, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 15/05/2023, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 25-05-2023 PUBLIC 26-05-2023)
2.18. CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:
Com cognição NÃO EXAUSTIVA, sublinho que vivemos o tempo da superação do modelo de Estado meramente Legislativo em prol de um efetivo Estado Constitucional, conforme conhecida expressão de Peter Häberle.
Durante muitos anos, a teoria do Estado gravitou em torno do estudo das competências e dos órgãos administrativos. Atualmente, contudo, o eixo tem sido deslocado em direção à busca de efetividade dos direitos fundamentais. E isso é incompatível com a ideia de legibus solutus, própria ao Estado oitocentista, em que o governante deliberava sozinho, sem ter que prestar contas dos seus atos.
Como explica Gustavo Binembojm, "A palavra discricionariedade tem sua origem no antigo Estado europeu dos séculos XVI a XVIII, quando expressava a soberania decisória do monarca absoluto (voluntas regis suprema lex). Naquela época, do chamado Estado de polícia, em que o governo confundia-se integralmente com a Administração Pública, a sinonímia entre discricionariedade e arbitrariedade era total. Com efeito, se a vontade do soberano era a lei suprema, não fazia sentido cogitar de qualquer limite externo a ela. Por atavismo histórico, ainda nos dias de hoje encontra-se o adjetivo 'discricionário' empregado como sinônimo de arbitrário ou caprichoso, ou para significar uma decisão de cunho puramente subjetivo ou político, liberta de parâmetros jurídicos de controle." (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. RJ: Renovar, 2008, p. 195-196).
Posteriormente, essa noção de discricionariedade - até então compreendida como sinônimo de arbítrio, capricho, voluntariedade - evoluiu em prol do reconhecimento da existência, em muitos casos, de distintas opções deliberativas, desde que sejam observados os limites estipulados pela própria lei. Em muitos casos, a lei impõe a finalidade, mas não detalha os meios a serem escolhidos, pelos administradores, para a sua obtenção. Sob essa perspectiva, a discricionariedade estaria fundada no emprego de juízos de conveniência e de oportunidade, quanto aos meios a serem empregados, a fim de se atingir os objetivos estipulados pela lei.
Sob o Estado Constitucional, d'outro tanto, reconhece-se que o administrador público não pode decidir de qualquer forma, ao seu alvedrio. "Em consequência, como assinala Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a discricionariedade deixa de ser compreendida como um campo externo ao direito - verdadeiro atavismo monárquico - passando a ser vista como um poder jurídico. É dizer: um espaço decisório peculiar à Administração, não de escolhas puramente subjetivas, mas definida pela prioridade das autoridades administrativas na fundamentação e legitimação dos atos e políticas públicas adotados, dentro de parâmetros jurídicos estabelecidos pela Constituição, pelas leis ou por atos normativos editados pelas próprias entidades da Administração." (BINENBOJM, G. Obra cit. p. 199-200).
Ora, há muito é sabido que o Poder Judiciário pode promover o controle de atos administrativos discricionários, quando menos para aferir eventual desvio de finalidade. O grande debate diz respeito, isso sim, à intensidade e aos critérios envolvidos no prefalado controle judicial, como bem explicita a obra JORDÃO, Eduardo. Controle judicial de uma Administração Pública complexa: a experiência estrangeira na adaptação da intensidade do controle. São Paulo: Malheiros: SBDP. 2016. Nesse mesmo sentido, leia-se GALLIGAN, Denis J. La discrezionalità amministrativa. Tradução do inglês para o italiano por Francesca Innamorati. Milão: Giuffè Editore. 1999, capítulo 4. p. 186 e ss. ZVEIBIL, Daniel Guimarães. Conflitos de atribuições entre Poderes do Estado. São Paulo: Dialética. 2021.
Bandeira de Mello explica que "Em despeito da discrição presumida na regra de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver algum fim seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigor, a Administração terá desbordado da esfera discricionária."(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. SP: Malheiros, 2001. p. 36).
Concordo, pois, com Gustavo Binenbojm quando enfatiza que "A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade. A discricionariedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos." (BINENBOJM, G. Obra citada. p. 208).
Diante do reconhecimento de efetividade aos princípios constitucionais da boa gestão pública (art. 37, CF/88), não há como imaginar que o Poder Executivo possa deliberar de qualquer modo, sem justificar suas escolhas e sem ter que prestar contas. "O mérito - núcleo do ato -, antes intocável, passa a sofrer a incidência direta dos princípios constitucionais. Deste modo, ao invés de uma dicotomia tradicional (ato vinculado versus ato discricionário), já superada, passa-se a uma classificação em graus de vinculação à juridicidade, em uma escala decrescente de densidade normativa vinculativa." (BINENBOJM, Gustavo. Obra citada. p. 209).
Convém atentar para a precisa síntese de Binenbojm:
"É interessante registrar que a aplicação da teoria do desvio de poder para o controle da finalidade dos atos administrativos discricionários não importa controle do mérito propriamente dito, mas como que um estreitamento do seu âmbito.
Ou seja: não se trata de controlar o núcleo da apreciação ou da escolha, mas de diminuir o espaço em que o administrador faz escolhas de acordo com a própria conveniência e oportunidade. O mesmo pode ser afirmado com relação às outras formas, ditas, de controle do mérito do ato administrativo, como o controle da proporcionalidade, da moralidade e da eficiência. Neste sentido, por exemplo, não se controla o mérito do ato administrativo em descompasso com a proporcionalidade, mas apenas se reconhece que o conteúdo desproporcional do ato simplesmente não é mérito.
Em outras palavras, não há conveniência e oportunidade possível fora dos limites estabelecidos pela proporcionalidade." (BINENBOJM, Gustavo. Obra cit. p. 210)
Ademais, "O que se quer ressaltar é que o mérito administrativo constitui um aspecto da discricionariedade administrativa, ou do poder discricionário, no âmbito do qual o administrador tem certa margem de liberdade quanto à decisão a tomar. Entretanto, os atos decorrentes do poder discricionário – e esse é o equívoco cometido por certos intérpretes – não são imunes ao controle de legalidade. Ao contrário, devem ser praticados consoante os parâmetros legais. Mas é imperioso reconhecer que, dentro da discricionariedade, há aspectos que não vinculam diretamente o administrador e que, por isso mesmo, permitem que faça escolhas entre as várias que se lhe possam apresentar." (CARVALHO FILHO, José Santos; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Tratado de Direito Administrativo. Vol. 7. Controle da Administração Pública e Responsabilidade do Estado. São Paulo: RT. 2015. capítulo3).
Sei bem que, no mais das vezes, as questões alusivas à eficiência de determinadas soluções administrativas escapam do controle judicial, sob pena de se instituir um governo de magistrados(as), inviabilizando-se a própria administração pública e comprometendo o sistema de pesos e contrapesos, checks and balances, que está na base do exercício democrático do poder político.
Reafirmo esse detalhe: os juízos de mera conveniência e de mera oportunidade escapam, em regra, do controle jurisdicional, salvo quando se tratarem de escolhas manifestamente desastrosas, inequivocamente desproporcionais, que comprometam a própria moralidade pública ou mesmo uma noção mínima de eficiência. No mais das vezes, as decisões judiciais devem ser analítico-conceituais, confrontando provas com as prescrições decorrentes da exegese da legislação.
Menciono a lição de Hans Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober:
"Enquanto a Administração está orientada para a multiplicidade e tem responsabilidade metajurídica, a jurisprudência é de tipo monodisciplinar-jurídico (...). Por isso, o controlo jurisdicional circunscreve-se apenas ao controlo jurídico. Este controlo não se confunde com a vigilância completa (Rundum-Beaufsichtigung) da Administração. Por isso, o controle jurisdicional termina onde deixam de existir padrões jurídicos de controlo (...). Aqui a autonomia da Administração manifesta-se de forma particularmente clara. Em primeiro plano, está a auto-responsabilidade, que terá de ser respeitada pela jurisprudência, bem como a oportunidade, mas não a legalidade da actuação (...). A ideia nuclear é a de que o controlo jurisdicional não conduz a uma subalternização da Administração e os tribunais não devem substituir as apreciações (valorações) da Administração pelas suas próprias valorações.
Nesse contexto, devemos distinguir duas questões fundamentais. Por um lado, suscita-se a questão de saber se num Estado de direito que pratica a divisão de poderes haverá decisões 'livres do direito' para a Administração, no sentido de determinadas medidas estarem totalmente excluídas do controlo jurisdicional (os chamados actos de autoridade sem justiça). Esta questão suscitou-se quanto aos actos de governo e quanto aos actos de graça, mas que deve ser recusada na vigência da lei fundamental (...). Diferente é a questão de saber até que ponto o legislador exclui do controlo jurisdicional decisões administrativas por questões de celeridade e de eficiência administrativas, através da criação de normas de sanação e de preclusão (Heilungs- und Präklusionsvorschriften) (...)
Por outro lado, trata-se do problema de saber se e em que medida a Administração goza, quanto às decisões a tomar, de margens de conformação que apenas limitem a intensidade do controlo jurisdicional (a chamada densidade do controlo). Sejam aqui lembradas apenas as margens de discricionariedade, cujo exercício está subordinado a determinados limites jurídicos." (WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf. Direito administrativo. volume I. Tradução do alemão por António F. de Souza. Calouste Gulbenkian, 2006, p. 247-248)
Como sinalizam Hans Wolff, Otto Bachof e R. Stober, a atividade jurisdicional se dá, em regra, com o emprego do método subsuntivo. Ou seja, confronta-se o recorte dos fatos relevantes - reconstruídos a partir da conjugação dos meios probatórios apresentados -, com o recorte das normas aplicáveis, obtidas a partir da hermenêutica dos meios normativos pertinentes. Já a atividade administrativa é promovida mediante a identificação dos fins políticos impostos pela Constitução, e pelas escolhas sazonais da população, mediante o sufrágio periódico. Identificados os fins, os administradores devem eleger os meios adequados à sua obtenção, com preferência para os instrumentos mais eficazes.
Em muitos casos, todavia, deve-se ter em conta a teoria dos motivos determinantes, bem explicitada por Hely Lopes Meireles: "A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido." (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 14ª Edição, Editora RT, p. 175)
É fato que, na contemporaneidade, alguns autores têm criticado referida teoria, como bem ilustra a seguinte lição de Marçal Justen Filho:
"A teoria dos motivos determinantes estabelece que o agente administrativo se vincula à motivação adotada, de modo que se presume que o motivo indicado foi o único a justificar a decisão adotada. Essa teoria deve ser reputada como ultrapassada, não se prestando mais ao controle de validade dos atos administrativos. Foi desenvolvida nos primórdios do direito administrativo, quando ainda não se delineara de modo perfeito a distinção entre autonomia de vontade privada e vontade funcionalizada própria do direito administrativo. Mais ainda, era um instrumento de controle construído em vista de certa concepção de discricionariedade.
A afirmação pelo agente de que atuou fundado em determinados motivos não produz efeitos vinculantes para fins de controle. Pode evidenciar-se a existência de motivos ocultos ou disfarçados. Mas não há impedimento a que a Administração Pública evidencie, posteriormente, que o ato se fundou em outros motivos, que justificavam adequadamente a decisão adotada. A equivocada indicação do motivo é uma falha, mas o grave reside na ausência de atuação orientada a satisfazer as necessidades coletivas, com a observância de um procedimento democrático." (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 264)
Em que pese a densidade da crítica de Marçal Justen Filho, essa teoria ainda exerce salutar função democrática, ao estimular, por vias oblíquas, o dever de fundamentação do ato administrativo. Compartilho, pois, da lição de José dos Santos Carvalho Filho quando argumenta: "A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato." (CARVALHO F, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. RJ: Lumen Juris, 2011, p. 109).
Afinal de contas, conquanto o Poder Judiciário não possa invadir a esfera decisória que é própria do Poder Executivo - o que não se discute -, também é fato que se deve "fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição do seu exercício abusivo." (FAGUNDES, Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Atualizado por Gustavo Binenbojm. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 191).
Conjugando-se esses elementos, vê-se que o Direito Administrativo contemporâneo não mais acolhe a premissa de que o mérito dos atos administrativos seria sempre insuscetível de controle judicial. Isso não ocorre em um Estado Constitucional, dado que administrar é exercer função; é atuar em nome próprio, mas no interesse alheio. É possível, ademais, o controle de decisões fundadas em fontes normativas que veiculam conceitos porosos, imprecisos, indeterminados (leia-se CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre Derecho y lenguaje. 6. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2011).
Isso significa que, diante da efetividade dos princípios constitucionais, o administrador público não pode decidir ao seu líbito, já que - mesmo em tais casos - há zonas de certeza positiva e negativa, suscetíveis de aferição judicial.
(...) 1. De acordo com a doutrina mais autorizada, os conceitos jurídicos indeterminados, como, no caso, procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável, sujeitam-se a controle judicial de sua configuração concreta. 2. Não é omissão de aplicação do disposto no art. 37, I, da Constituição e no art. 8o., I, do Dec.-Lei n. 2.320/87 a afirmação de que os fatos alegados - acontecidos há mais de dez anos e em razão dos quais, processado, o apelado restou absolvido - não justificam exclusão do Curso de Agente de Polícia Federal. (EDAC 964030319994010000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA, TRF1 - QUINTA TURMA, DJ DATA:14/11/2002 PAGINA:207.)
No que toca à fiscalização dos atos discricionários, menciono os precedentes abaixo, colhidos junto ao STF e STJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES. EXISTÊNCIA DE CANDIDADOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. ILEGALIDADE. LEI ESTADUAL 6.915/2007. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO. I - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes. II - Esta Corte possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Precedentes. III - Agravo regimental improvido. (RE-AgR 654170, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração. 3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido. (RMS 24699, EROS GRAU, STF.)
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - MILITAR - SARGENTO DO QUADRO COMPLEMENTAR DA AERONÁUTICA - INGRESSO E PROMOÇÃO NO QUADRO REGULAR DO CORPO DE PESSOAL GRADUADO - ESTÁGIO PROBATÓRIO NÃO CONVOCADO - CONDIÇÃO "SINE QUA NON" - APLICAÇÃO DO ART. 49 DO DECRETO Nº 68.951/71 - RECURSO ESPECIAL - LIMITAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE - MORALIDADE PÚBLICA, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. A discricionariedade atribuída ao Administrador deve ser usada com parcimônia e de acordo com os princípios da moralidade pública, da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de desvirtuamento. 2. As razões para a não convocação de estágio probatório, que é condição indispensável ao acesso dos terceiros sargentos do quadro complementar da Aeronáutica ao quadro regular, devem ser aptas a demonstrar o interesse público. 3. Decisões desse quilate não podem ser imotivadas. Mesmo o ato decorrente do exercício do poder discricionário do administrador deve ser fundamentado, sob pena de invalidade. 4. A diferença entre atos oriundos do poder vinculado e do poder discricionário está na possibilidade de escolha, inobstante, ambos tenham de ser fundamentados. O que é discricionário é o poder do administrador. O ato administrativo é sempre vinculado, sob pena de invalidade. 5. Recurso conhecido e provido. ..EMEN: (RESP 199500599678, ANSELMO SANTIAGO, STJ - SEXTA TURMA, DJ DATA:09/06/1997 PG:25574 RSTJ VOL.:00097 PG:00404 ..DTPB:.)
Concluo, pois, ser plenamente cabível o controle judicial dos atos administrativos, mesmo quando discricionários. Deve-se atuar com circunspeção, todavia, a fim de que o Poder Judiciário não se substitua ao Poder Executivo, no juízo de conveniência e oportunidade de determinadas políticas públicas, salvo quando manifestamente ineficientes, inadequadas ou abusivas.
2.19. CONTROLE DA PROPORCIONALIDADE:
Ademais, sabe-se bem, a atuação das entidades estatais deve respeitar ao postulado da proporcionalidade, questão verbalizada expressamente pelo art. 18 da Constituição de Portugal de 1976 e que remanesce implícita, na Lei Maior brasileira (art. 5, LIV) - enquanto projeção material da cláusula do devido processo.
Art. 18 - Constituição de Portugal.
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Reporto-me, tanto por isso, à lição de Carlos Bernal Pulido: "1. Segundo o subprincípio da idoneidade, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir para a obtenção de um fim constitucionalmente legítimo. 2. Conforme o subprincípio de necessidade, toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve se a mais benigna com o direito no qual se interveio, dentre todas aquelas que revistam da mesma idoneidade para contribuir para alcançar o fim proposto. 3. Nos termos do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, a importância dos objetivos perseguidos por toda intervenção nos direitos fundamentais deve guardar uma adequada relação com o significado do direito intervindo. Em outros termos, as vantagens que se obtém mediante a intervenção no direito devem compensar os sacrifícios que esta implica para seus titulares e para a sociedade em geral." (PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales: el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 3. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. 2007. p. 42)
Ou seja, as opções estatais não podem ser promovidas com excesso, eis que devem se ater ao mínimo indispensável para a salvaguarda dos interesses públicos que as justificam. Deve-se atentar para o conhecido postulado odiosa sunt restringenda (Übermamaßverbot).
A respeito do tema, menciono também a obra de BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 2. ed. Brasília: Brasília jurídica. p. 69/82. Transcrevo, ademais, a análise de Canotilho e Vital Moreira:
"O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade.
Foi a LC 01/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (art. 18-2, 2ª parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
O princípio da proporcionalidade (também chamado de princípio da proibição de excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado como princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado de princípio de necessidade, ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na Lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela Lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito ao conteúdo essencial dos respectivos preceitos."(CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. Volume 1: arts. 1º a 107. 1. ed. brasileira. 4. edição portuguesa. São Paulo: RT, Coimbra: Coimbra Editora. p. 394-395)
Vale dizer: a restrição a direitos fundamentais deve ser graduada pelo critério da indispensabilidade; ela somente pode ser imposta quando - e no limite em que - se revelar indispensável. Do contrário, o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais (Wesengehalt) restaria atingido, como reconhecem expressamente o art. 18 da Constituição de Portugal/1976 e implicitamente a nossa Lei Maior.
Acrescento que o Poder Judiciário pode controlar a proporcionalidade dos atos administrativos, a fim de aferir se não implicam um comprometimento injustificado das expectativas jurídicas legítimas dos sujeitos, em prol de um retorno social que se revele reduzido ou inadequado. Como registrei antes, o mérito do ato administrativo não se furta ao controle jurisdicional, conquanto isso deva ser empregado com redobradas cautelas.
ATO ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. 1. Ao controle judicial submete-se não apenas a legalidade do ato administrativo, como também a observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e, uma vez verificada a desproporção entre a multa aplicada e a infração cometida, cabe ao Judiciário adequá-la a parâmetros razoáveis. 2. Apelação não provida. 3. Peças liberadas pelo Relator, em 03/02/2009, para publicação do acórdão. (TRF-1 - AC: 20899 DF 1997.34.00.020899-0, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL, Data de Julgamento: 03/02/2009, 7. TURMA, Publicação: 20/02/2009 e-DJF1 p.370)
2.20. AUTOEXECUTORIEDADE ADMINISTRATIVA:
Note-se, ademais, que administrar é aplicar a lei de ofício, como dizia o jurista Cirne Lima. Assim, por óbvio, o Poder Executivo não carece de prévia franquia judicial para gerir a coisa pública, exceção feita aos casos pontuais em que a jurisdição de primeira palavra é imposta pela Constituição (por exemplo, prévia franquia judicial para a interceptação telefônica e telemática, prévia autorização judicial para a realização de busca e apreensão domiciliar, com as ressalvas promovidas no art. 5, XI, Constituição/88 etc).
Ora, sabe-se que "A presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse feito, uma vez que, quando se trata de confronto entre o ato e a lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade se arguida pela parte." (PIETRO, Maria Sylvia Z. Direito administrativo. 18. ed. SP: Atlas, 2005, p. 192).
Com efeito, em regra, os atestados, certidões e afirmações de servidores públicos possuem, em seu favor, a presunção de autenticidade do que se encontra declarado. Do contrário, a atividade administrativa se tornaria praticamente inviável. Não houvesse tal presunção, dever-se-ia juntar, a cada certidão, um vídeo, uma fotografia acompanhada de duas testemunhas etc. Deve-se atentar, porém, para as importantes ressalvas promovidas por Lúcia Vale Figueiredo, no que toca à transposição desses vetores para o âmbito do processo administrativo sancionador:
"Se os atos administrativos desde logo são imperativos e podem ser exigíveis (i.e., tornam-se obrigatórios e executáveis), há de militar em seu favor a presunção iuris tantum de legalidade.
Todavia, como bem assinala Celso Antônio, a presunção se inverte quando os atos forem contestados em juízo ou, diríamos nós, também fora dele, quando contestados administrativamente. Caberá à Administração provar a estrita conformidade do ato à lei, porque ela (Administração) é quem detém a comprovação de todos os atos e fatos que culminaram com a emanação do provimento administrativo contestado.
Determinada, p.ex., a demolição de imóvel por ameaça à incolumidade pública, se houver contestação em juízo, deverá a administração provar (por meio de estudos técnicos ou pareceres, de profissionais competentes) que o imóvel ameaçava ruir e que desse fato resultava a periclitação da incolumidade pública.
De outra parte, se a regra de que a prova é de quem alega não fosse invertida, teríamos, muitas vezes, a determinação feita ao administrado de prova impossível, por exemplo, da inocorrência da situação de fato. A prerrogativa de tal importância - presunção de legalidade - deve necessariamente corresponder, se houver confronto, a inversão do onus probandi. Isso, é claro, em princípio.
Trazemos agora a contexto a aplicação de sanções. Muita vez torna-se difícil - ou quase impossível - provar que o sancionado não incorreu nos pressupostos da sanção (a prova seria negativa). Caberá, destarte, à Administração provar cabalmente os fatos que a teriam conduzido à sanção, até mesmo porque, em face da atuação sancionatória, vige, em sua plenitude, o inciso LIV, art. 5º do texto constitucional.
Na verdade, quando os atos emanados forem decorrentes de infrações administrativas ou disciplinares não há como não se exigir da Administração a prova contundente da existência dos pressupostos fáticos para o ato emanado. Para isso, a motivação do ato é de capital importância." (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. SP: Malheiros, 2001, p. 171-172)
Reporto-me também à seguinte lição de Justen Filho:
"A autoexecutoriedade indica a possibilidade de a Administração Pública obter a satisfação de um direito ou de dirimir um litígio de que participa sem a intervenção imediata do Poder Judiciário, produzindo atos materiais necessários a obter o bem da vida buscado. A auto-executoriedade pode conduzir obviamente ao impedimento da prática de certos atos pelos particulares. (...)
Não há vedação radical ao uso da força pela Administração Pública, na medida em que tal seja a solução adequada para a realização do Direito. Mas o uso da força deverá refletir um devido processo legal, sendo acompanhado da observância de todas as formalidades comprobatórias necessárias e das garantias inerentes ao processo. Mais ainda, não se admite o uso da força mediante mera invocação de fórmulas genéricas determinadas, tais como interesse público, bem comum, segurança, etc. Deve-se identificar, de modo concreto, o bem jurídico tutelado e expor o motivo pelo qual se reputa que a força deva ser utilizada. É evidente que existem situações concretas emergenciais em que o cumprimento destas formalidades é impossível." (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraivap. 207)
Enfim, desde que realmente se trate de uma imposição/atuação abusiva, excessiva - ou manifestamente ineficiente e inadequada -, o Poder Judiciário deve reconhecer a sua invalidade, com o fim de assegurar os direitos fundamentais.
PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. DEMOLIÇÃO DE EDIFÍCIO IRREGULAR. RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA. AUTO-EXECUTORIEDADE DA MEDIDA. ART. 72, INC. VIII, DA LEI N. 9.605/98 (DEMOLIÇÃO DE OBRA). 1. A demolição de obras é sanção administrativa dotada de auto-executoriedade, razão pela qual despicienda a ação judicial que busque sua incidência. 2. Mesmo que a Lei n. 9.605/98 autorize a demolição de obra como sanção às infrações administrativas de cunho ambiental, a verdade é que existe forte controvérsia acerca de sua auto-executoriedade (da demolição de obra). 3. No caso concreto, não se trata propriamente de demolição de obra, pois o objeto da medida é edifício já concluído - o que intensifica a problemática acerca da incidência do art. 72, inc. VIII, da Lei n. 9.605/98.4. A presente ação civil pública tem como objetivo, mais do que a demolição do edifício, também a recuperação da área degradada. (TRF-4 - AC: 3084 SC 2009.72.00.003084-1, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 08/02/2011, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 16/02/2011)
2.21. CONTROLE DE OMISSÕES ESTATAIS:
Não raro, por meio da Constituição e legislação infraconstitucional, a comunidade política tem obrigado o Estado brasileiro a implementar direitos, em prol da construção de uma sociedade justa e solidária - art. 3º, CF/88.
Deve-se ter em conta, tanto por isso, o dever de efetivação progressiva dos direitos prestacionais, ainda que, sabidamente, isso também dependa da alocação de recursos orçamentários para tanto. Convém atentar para o art. 26 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, promulgada em solo brasileiro por meio do decreto 678, de 06 de novembro de 1992.
Art. 26. Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.
Cuida-se de um tema afeto ao dever de legislar - no que toca ao Poder Legislativo da União - e quanto ao dever de efetivar normas jurídicas - no que toca ao Poder Executivo federal, tema versado por Jorge Pereira da Silva na obra Dever de legislar e protecção contra omissões legislativas. Lisboa: Universidade Católica Editora. 2003: "O dever de actuação do legislador com que mais frequentemente se topa na doutrina e na jurisprudência nacionais é, sem dúvida alguma, o dever de concretização de normas constitucionais. Na verdade, é pacificamente aceito que algumas disposições constitucionais impelem o legislador ordinário a actuar, solicitando a emanação de legislação sobre as mais diversas questões e fixando-lhe directivas materiais. Sublinhe-se, entretanto, que hoje se rejeitam os modelos de relacionamento entre a Constituição e o legislador que tenham a reduzir a tarefa deste a algo de meramente executivo, em moldes semelhantes ao que sucede na relação entre a lei a Administração Pública. De fato, a liberdade de conformação do legislador não é o correlato, a nível legislativo, do poder discricionário, no nível administrativo. Assim, só metaforicamente se pode falar de discricionariedade legislativa, porque, mesmo na presença de um dever de concretização de normas constitucionais, o legislador democraticamente legitimado, sem prejuízo das modulações decorrentes do grau de densidade da norma impositiva, nunca actua desprovido de sua liberdade de conformação ao ponto de a sua fuçnão perder a marca de decisão política e de se transformar numa função secundária ou meramente executiva." (SILVA, Jorge Pereira S. Obra citada. p. 29-30).
Nesse âmbito, deve-se ter em conta os "mandatos legislativos permanentes, caracterizados pela sua dimensão prospectiva, estabelecendo deveres legsilativos cujo preenchimento se prolonga necessariamente no tempo e, mais do que isso, se apresentam como uma tarefa sempre inacabada, exigindo um aperfeiçoamento contínuo. Estes mandatos encontram-se, essencialmente, nos direitos económicos, sociais e culturais e, em especial, entre as incumbências do Estado que acompanham estes direitos e que são, antes de mais, incumbências do órgão legislativo." (SILVA, Jorge Pereira da Silva. Obra citada. p. 34).
Ademais, no âmbito do direito lusitano, Jorge Silva argumenta que "Na busca dos remédios para as omissões inconstitucionais, importa ter a consciência de que a escolha certa depende de um profundo conhecimento do doente e da enfermidade que o afecta, mas deve igualmente ter-se presente que nem todos os remédios curam, podendo ser mais ou menos eficazes conforme a gravidade do diagnóstico. Acresce que, nas omissões legislativas, como em qualquer doença, há sempre aqueles casos extremos em que não há sequer remédio disponível que possa valer ao paciente, restando ao julgador esperar por uma intervenção superior, que é como quem diz, por uma intervenção legislativa. Aliás, em matéria de omissões legislativas, só uma actuação do legislador em conformidade co mo seus deveres constitucionais tem a capacidade de curar verdadeiramente e em definitivo a enfermidade em causa. Não devem, por isso, esperar-se dos tribunais respostas perfeitas para omissões legislativas. A pergunta a colocar perante cada caso concreto não deve ser 'qual o remédio para esta omissão?', mas sim 'há remédio para esta omissão?' Só em caso de resposta afirmativa a esta última questão se poderá perguntar, em função das características da omissão em causa, qual o grau de eficácia do remédio em apreço. Em todo o caso, mesmo quando é possível atacar a enfermidade com sucesso e recuperar um doente isso não é suficiente para irradiar a doença." (SILVA, Jorge Pereira da Silva. Obra citada. p. 195).
O tema envolve algumas complexidades, como notório, eis que o Judiciário, não se encontrando submetido ao sufrágio periódico e universal para escolha dos seus membros e avaliação da sua atuação, não possui a necessária legitimidade para promover escolhas em caráter originário, criando normas que devem regrar a generalidade dos casos. Por outro lado, tampouco é adequado contemporizar com omissões legislativas ou administrativas, suscetíveis de conveterem mandamentos constitucionais em meras cartas de intenções ou recomendações, destituídas de eficácia.
No direito pátrio, como notório, no que toca a omissões legislativas, a Constituição preconizou a adoção dos instrumentos do mandado de injunção (art. 5º, LXXI) e da ação direta de inconstitucinalidade por omissão (art. 103, §2º). Aludidos mecanismos processuais sofreram razoável alteração ao longo dos anos, no âmbito da jurisprudência da Suprema Corte pátria. Quanto ao mandado de injunção, ao apreciar o MI 107, relatado pelo Min. Moreira Alves, a Suprema Corte concluiu que aludido instrumento processual não permitiria ao Poder Judiciário substituir-se ao Congresso, elaborando a norma efetivadora do comando constitucional. O controle jurisdicional estaria limitado à mera declaração do estado de coisas inconstitucional, mas, sem maior efetividade imediata. Ao apreciar, contudo, o M 283, relatado pelo Min. Sepúlveda Pertence, o STF alterou significativamente aquele entendimento, reconhecendo que, persistindo a mora legislativa, o demandante poderia exercer diretamente o direito assegurado pela Constituição.
"Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessaria ao gozo do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8., par. 3., ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e danos. 1. O STF admite - não obstante a natureza mandamental do mandado de injunção (MI 107 - QO) - que, no pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas, de atendimento impossivel, se contem o pedido, de atendimento possivel, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciencia ao órgão competente para que a supra (cf. Mandados de Injunção 168, 107 e 232). 2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8., par. 3. - "Aos cidadaos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional especifica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n. S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GM5 será concedida reparação econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição" - vencido o prazo nela previsto, legitima o beneficiario da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada. 3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado e a entidade estatal a qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, e dado ao Judiciario, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais tipicos, o provimento necessario a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possivel, a satisfação provisoria do seu direito. 4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para: a) declarar em mora o legislador com relação a ordem de legislar contida no art. 8., par. 3., ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e a Presidencia da Republica; b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença liquida de condenação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem; d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniencia de lei não prejudicara a coisa julgada, que, entretanto, não impedira o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favoravel.::Após o Relatório e os debates o Ministro Relator indicou adiamento. Falou pelo impte. o Dr. Wilson Afonso K. Santos. Plenário, 6.3.91. Decisão: Preliminarmente, o Tribunal rejeitou a proposta de conversão do julgam ento em diligência, vencidos os Srs. Ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio. No mérito, o Tribunal, pelo voto médio deferiu, em parte, o Mandado de Injução nos termos do voto do Ministro Relator, no que foi acompanhado integralmente pelos Ministros Célio Borja, Octávio Gallotti, vencidos, em parte, na sua extensão os Srs. Mini stros Sydney Sanches, Moreira Alves e Presidente e ainda em parte, os Ministros Carlos Vellos, Celso de Mello e Néri da Silveira e vencido o Min. Marco Aurélio que entendia q ue desde logo deveriam ser fixados os limites da reparação pecuniária. Plenário , 20.3.91." (MI - MANDADO DE INJUNÇÃO null, SEPÚLVEDA PERTENCE, STF.)
Essa nova compreensão do alcance do mandado de injunção também é ilustrada pelo voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes, ao julgar o MI 708, em 25 de outubro de 20078, como notório:
"Em observância aos ditames da segurança jurídica e à evolução jurisprudencial na interpretação da omissão legislativa sobre o direito de greve dos servidores públicos civis, fixação do prazo de sessenta dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção deferido para determinar a aplicação das Leis 7.701/1988 e 7.783/1989. Sinais de evolução da garantia fundamental do mandado de injunção na jurisprudência do STF. No julgamento do MI 107/DF, rel. min. Moreira Alves, DJ de 21-9-1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguintes elementos operacionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de provimento jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; v) o STF possui competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; vi) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de normas pelo legislador. Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções "normativas" para a decisão judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5º, XXXV). Precedentes: MI 283, rel. min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14-11-1991; MI 232/RJ, rel. min. Moreira Alves, DJ de 27-3-1992; MI 284, rel. min. Marco Aurélio, rel. p/ o ac. min. Celso de Mello, DJ de 26-6-1992; MI 543/DF, rel. min. Octavio Gallotti, DJ de 24-5-2002; MI 679/DF, rel. min. Celso de Mello, DJ de 17-12-2002; e MI 562/DF, rel. min. Ellen Gracie, DJ de 20-6-2003. (...) Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-se o prazo de sessenta dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis." (MI 708, rel. min. Gilmar Mendes, j. 25-10-2007, P, DJE de 31-10-2008.)
A tanto igualmente acorre a decisão do STF, prolatada no julgamento do mandado de injunção 712, relator Min. Eros Grau. Na medida em que é dado ao Poder Judiciário promover o controle de omissões do Poder Legislativo, solução semelhante aplica-se também quando em causa a omissão do Poder Executivo, atentando-se para as balizas já equacionadas em tópicos anteriores.
2.22. LIVRE INICIATIVA E CONTROLE ESTATAIS:
De outro tanto, como notório, a História tem conhecido distintas formas de produção. As comunidades políticas há conviveram com o vergonhoso modo escravista, com o regime de vassalagem, com propostas socialistas e também com o regime capitalista, com todas as suas muitas variáveis.
Grosso modo, há modelos que advogam uma economia planificada, em que um órgão central detém o controle absoluto do que é produzido e consumido, ditando a forma como devem ser distribuídos e redistribuídos. De certo modo, essa foi a ambição do regime da extinta URSS. A crítica é que, por aniquilar o estímulo individual pelo incremento da própria riqueza (egoísmo individual, teorizado por Adm Smith na obra 'riqueza das nações', e por Bernard Mandeville, na sua 'fábula das abelhas'), esse modelo acaba por asfixiar o crescimento econômico.
Já a concepção contrária, de conteúdo liberal, atribui a cada sujeito a decisão a respeito do que fazer com os seus próprios talentos e também com o seu patrimônio. Ao invés de se advogar uma propriedade coletiva do excedente econômico, esse ideário funda-se nos institutos da propriedade privada e do contrato. De certo modo, a República Federativa do Brasil adotou um liberalismo mitigado, a exemplo daquele propugnado por John Maynard Keynes, para quem o sistema político deveria assegurar o mínimo existencial, a fim de se garantir a própria subsistência do sistema econômico. Daí a necessidade de aposentadoria, salário mínimo, auxílios, cláusulas de impenhorabilidade, até mesmo para se garantir um mercado consumidor efetivo, distribuído entre distintas camadas sociais.
A Lei Maior reconheceu o direito de propriedade, mas também impôs limites ao seu exercício, tornando-o funcional (art. 5º, XXIII, CF). Reconheceu que a República brasileira está assentada no reconhecimento do valor social do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, e art. 170, caput, CF), mas também assegurou inúmeros mecanismos de intervenção estatal na economia, como cediço. Convém ter em conta a antiga lição de José Afonso da Silva, ainda bastante atual:
"Assim, a liberdade de iniciativa econômica privada, num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que 'liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidades de submeter-se às limitações postas pelo mesmo.' É legítima, enquanto exercida no interesse da Justiça Social. Será ilegítima, quando exercida com o objeto de puro lucro e realização pessoal do empresário. Daí por que a iniciativa econômica pública, embora sujeita a outros tantos condicionamentos constitucionais, se torna legítima, por mais ampla que seja, quando destinada a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Cumpre, então, observar que a liberdade de iniciativa econômica não sofre compressão só do Poder Público. Este efetivamente o faz legitimamente nos termos da lei, quer regulando a liberdade de indústria e comércio, em alguns casos impondo a necessidade de autorização ou de permissão para determinado tipo de atividade econômica, quer regulando a liberdade de contratar, especialmente no que tange às relações de trabalho, mas também quanto à fixação de preços, além da intervenção direta na produção e comercialização de certos bens.
Acontece que o desenvolvimento do poder econômico privado, fundado especialmente na concentração de empresas, é fator de limitação à própria iniciativa privada, na medida em que a concentração capitalista impede ou estorva a expansão de pequenas iniciativas econômicas." (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 726)
Daí o igual relevo do art. 1.228, §1º, do Código Civil/2002: "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. §1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas."
Reporto-me também aos seguintes julgados prolatados pelo STF:
"American Virginia Indústria e Comércio Importação Exportação Ltda. pretende obter efeito suspensivo para recurso extraordinário admitido na origem, no qual se opõe a interdição de estabelecimentos seus, decorrente do cancelamento do registro especial para industrialização de cigarros, por descumprimento de obrigações tributárias. (...) Cumpre sublinhar não apenas a legitimidade deste outro propósito normativo, como seu prestígio constitucional. A defesa da livre concorrência é imperativo de ordem constitucional (art. 170, IV) que deve harmonizar-se com o princípio da livre iniciativa (art. 170, caput). Lembro que 'livre iniciativa e livre concorrência, esta como base do chamado livre mercado, não coincidem necessariamente. Ou seja, livre concorrência nem sempre conduz à livre iniciativa e vice-versa (cf. Farina, Azevedo, Saes: Competitividade: Mercado, Estado e Organizações, São Paulo, 1997, cap. IV). Daí a necessária presença do Estado regulador e fiscalizador, capaz de disciplinar a competitividade enquanto fator relevante na formação de preços ...' Calixto Salomão Filho, referindo-se à doutrina do eminente Min. Eros Grau, adverte que 'livre iniciativa não é sinônimo de liberdade econômica absoluta (...). O que ocorre é que o princípio da livre iniciativa, inserido no caput do art. 170 da CF, nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo. Esses princípios claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, porém social, e que pode, consequentemente, ser limitada.' A incomum circunstância de entidade que congrega diversas empresas idôneas (ETCO) associar-se, na causa, à Fazenda Nacional, para defender interesses que reconhece comuns a ambas e à própria sociedade, não é coisa de desprezar. Não se trata aqui de reduzir a defesa da liberdade de concorrência à defesa do concorrente, retrocedendo aos tempos da 'concepção privatística de concorrência', da qual é exemplo a 'famosa discussão sobre liberdade de restabelecimento travada por Rui Barbosa e Carvalho de Mendonça no caso da Cia. de Juta (Revista do STF (III), 2/187, 1914)', mas apenas de reconhecer que o fundamento para a coibição de práticas anticoncorrenciais reside na proteção a 'ambos os objetos da tutela: a lealdade e a existência de concorrência (...). Em primeiro lugar, é preciso garantir que a concorrência se desenvolva de forma leal, isto é, que sejam respeitadas as regras mínimas de comportamento entre os agentes econômicos. Dois são os objetivos dessas regras mínimas. Primeiro, garantir que o sucesso relativo das empresas no mercado dependa exclusivamente de sua eficiência, e não de sua 'esperteza negocial' - isto é, de sua capacidade de desviar consumidores de seus concorrentes sem que isso decorra de comparações baseadas exclusivamente em dados do mercado.' Ademais, o caso é do que a doutrina chama de tributo extrafiscal proibitivo, ou simplesmente proibitivo, cujo alcance, a toda a evidência, não exclui objetivo simultâneo de inibir ou refrear a fabricação e o consumo de certo produto. A elevada alíquota do IPI caracteriza-o, no setor da indústria do tabaco, como tributo dessa categoria, com a nítida função de desestímulo por indução na economia. E isso não pode deixar de interferir na decisão estratégica de cada empresa de produzir ou não produzir cigarros. É que, determinada a produzi-lo, deve a indústria submeter-se, é óbvio, às exigências normativas oponíveis a todos os participantes do setor, entre as quais a regularidade fiscal constitui requisito necessário, menos à concessão do que à preservação do registro especial, sem o qual a produção de cigarros é vedada e ilícita." (AC 1.657-MC, voto do Rel. p/ o ac. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-6-2007, Plenário, DJ de 31-8-2007.)
"É certo que a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus arts. 1º, 3º e 170. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da 'iniciativa do Estado'; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto (arts. 23, V, 205, 208, 215 e 217, § 3º, da Constituição). Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer são meios de complementar a formação dos estudantes." (ADI 1.950, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-11-2005, Plenário, DJ de 2-6-2006.)
"A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro. Razões de Estado - que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas de caráter normativo - não podem ser invocadas para viabilizar o descumprimento da própria Constituição. As normas de ordem pública - que também se sujeitam à cláusula inscrita no art. 5º, XXXVI, da Carta Política (RTJ 143/724) - não podem frustrar a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua autoridade." (RE 205.193, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-2-1997, Primeira Turma, DJ de 6-6-1997.)
Percebe-se, tanto por isso, que - em que pese deva ser assegurada a liberdade de empresa (art. 170, caput, Constituição) -, cabe ao Estado fiscalizar o exercício de atividades de risco, sobremodo quando possam comprometer a saúde da população e os interesses de gerações presentes e futuras.
Sem dúvida que "A empresa é a célula essencial da economia de mercado e cumpre relevante função social, na medida em que, ao explorar a atividade prevista em seu objeto e ao perseguir seu objetivo - o lucro -, promove interações econômicas (produção ou circulação de bens ou serviços) com outros agentes do mercado, consumindo, vendendo, gerando empregos, pagando tributos, movimentando a economia, desenvolvendo a comunidade em que está inserida, enfim, criando riqueza e ajudando no desenvolvimento do país, não porque esse seja seu objetivo final - de fato, não o é -, mas simplesmente em razão de um efeito colateral benéfico (que os economistas chamam de externalidade positiva) do exercício da sua atividade." (SCALZILLI, João Pedro; SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo. Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na lei n. 11.101/2005. Coimbra: Almedina. 2016. p. 73).
Todavia, convém também ter em conta "Nem toda empresa merece ser preservada. Não existe, no direito brasileiro ou em qualquer outro dos que temos notícia, um princípio da preservação da empresa a todo custo. Na verdade, a LREF consagra, no sentido exatamente oposto, um princípio complementar ao da preservação da empresa que é o da retirada do mercado da empresa inviável. Ora, não é possível - nem razoável - exigir que se mantenha uma empresa a qualquer custo; quando os agetes econômicos que exploram a atividade não estão aptos a criar riqueza e podem prejudicar a oferta de crédito, a segurança e a confiabilidade do mercado, é sistematicamente lógico que eles sejam retirados do mercado, o mais rápido possível, para o bem da economia como um todo, sempre com a finalidade de se evitar a criação de maiores problemas." (SCALZILLI. Obra citada. p. 77).
Essas limitações à livre iniciativa devem ser tomadas em devida conta quando em causa empreendimentos potencialmente lesivos ao ambiente.
2.23. LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS:
O professor de Direito Administrativo José dos Santos Carvalho Filho explicita que as "Limitações administrativas são determinações de caráter geral, através das quais o Poder Público impõe a proprietários determinadas obrigações positivas, negativas ou permissivas, para o fim de condicionar as propriedades ao atendimento da função social". (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011, p. 730).
Ainda segundo José Carvalho Filho:
"É exemplo de obrigação positiva aos proprietários a que impõe a limpeza de terrenos ou a que impõe o parcelamento ou a edificação compulsória. Podem ser impostas também obrigações negativas: é o caso da obrigação de construir além de determinado número de pavimentos, limitação conhecida como gabarito de prédios. Limita-se ainda a propriedade por meio de obrigações permissivas, ou seja, aqueles em que o proprietário tem que tolerar a ação administrativa. Exemplos: permissão de vistoria em elevadores de edifícios e ingresso de agentes para fins de vigilância sanitária.
No caso de limitações administrativas, o Poder Público não pretende levar a cabo qualquer obra ou serviço público. Pretende, ao contrário, condicionar as propriedades à verdadeira função social que delas é exigida, ainda que em detrimento dos interesses individuais dos proprietários. Decorrem elas do ius imperii do Estado que, como bem observa Hely Lopes Meirelles, tem o domínio eminente e potencial sobre todos os bens de seu território, de forma que, mesmo sem extinguir o direito do particular, tem o poder de adequá-lo coercitivamente." (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011, p. 731)
Vê-se que essa categoria admite uma concepção ampla e também uma leitura restrita; quanto ao conceito amplo, qualquer restrição legislativa - por exemplo, a imposição de que o exercício do direito de propriedade cumpra sua função social (art. 1.228, CC/02) - poderia ser entendida como projeção do poder de polícia (ou seja, como uma limitação imposta pela Administração Pública). Em sentido restrito, porém, as limitações administrativas possuem as seguintes características, segundo o juiz Luis Manuel Fonseca Pires:
"Enfim, segundo toda a doutrina que declinamos podemos indicar, em geral, as seguintes características das limitações administrativas à liberdade e propriedade: a) trata-se de uma manifestação da função administrativa; b) fundamenta-se na supremacia geral; c) absolutamente subordinada à ordem jurídica; d) caracteriza-se pela prática de atos de império, o que significa dizer que decorrem da manifestação de um poder de autoridade; e) tratam da conformação de direitos e da manutenção da ordem jurídica; f) podem fundar-se numa competência discricionária ou vinculada, mas em qualquer caso se trata de um dever da Administração, e não simples faculdade; g) pela ótica da finalidade última que se quer alcançar caracteriza-s, para parcela significativa da doutrina, por ser um não-fazer, pois se deseja que o administrado não se comporte de forma a prejudicara si ou a terceiros; h) em alguns casos há a autoexecutoriedade." (PIRES, Luis Manuel Fonseca. Limitações administrativas à liberdade e propriedade. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 204-205)
No dizer de José dos Santos Carvalho Filho, por seu turno, as limitações administrativas "serão sempre gerais, porque, contrariamente ao que ocorre com a formas interventivas anteriores, as limitações não se destinam a imóveis específicos, mas a um grupamento de propriedade em que é dispensável a identificação. Há, pois, indeterminabilidade acerca do universo de destinatários e de propriedades atingidas pelas limitações." (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo, p. 732).
Há também quem dissocie limitação administrativa, de um lado, e restrição a direitos, de outro. A limitação administrativa trataria de atribuir os contornos, próprios ao exercício do direito (por exemplo, a obrigação de que o proprietário do imóvel reserve espaço do imóvel para a calçada). A restrição ao direito envolveria uma limitação ao exercício de um direito, cujos contornos já teriam sido previamente delimitados pelo ordenamento.
Dado o caráter geral, no mais das vezes, ditas limitações administrativas não ensejarão o dever de reparação de danos por parte da Administração Pública, cumprindo atentar para a lição de Carvalho Filho:
"Sendo imposições de ordem geral, as limitações administrativas não rendem ensejo à indenização em favor dos proprietários. As normas genéricas, obviamente, não visam a uma determinada restrição nesta ou naquela propriedade, abrangem quantidade indeterminada de propriedades. Desse modo, podem contrariar interesses dos proprietários, mas nunca direitos subjetivos. Por outro lado, não á prejuízos individualizados, mas sacrifícios gerais a que se devem obrigar os membros da coletividade.
É mister salientar, por fim, que inexiste causa jurídica para qualquer tipo de indenização a ser paga pelo Poder Público. Não incide, por conseguinte, a responsabilidade civil do Estado geradora do dever indenizatório, a não ser que, a pretexto de impor limitações gerais, o EStado cause prejuízo a determinados proprietários em virtude de conduta administrativa. Aí sim, haverá vício na conduta e ao Estado será imputada a devida responsabilidade, na forma do que dispõe o art. 37, §6º, Constituição." (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011, p. 733).
Semelhante é a análise do juiz Fonseca Pires: "Identificada a natureza jurídica das restrições administrativas - trata-se de espécie de sacrifício de direito - é preciso então traçar os limites dos danos indenizáveis. (...) Outra consequência lógica da natureza jurídica das restrições administrativas é que se o esvaziamento total ou parcial de um direito ocorre por uma autorização do ordenamento jurídico, como ocorre com as desapropriações, servidões e tombamentos, é preciso aplicar, por analogia, o mecanismo da expropriação de direitos, o que significa, em última análise, a exigência de prévia e justa indenização em dinheiro, nos termos do art. 5º, inc. XXIV, Constituição." (PIRES, Luis Manuel Fonseca. Limitações administrativas à liberdade e propriedade. SP: Quartier Latin, 2006, p. 323).
Atente-se para o seguinte julgado, emanados do STF:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. INDENIZAÇÃO. I - Se a restrição ao direito de construir advinda da limitação administrativa causa aniquilamento da propriedade privada, resulta, em favor do proprietário, o direito à indenização. Todavia, o direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade. Se as restrições decorrentes da limitação administrativa preexistiam à aquisição do terreno, assim já do conhecimento dos adquirentes, não podem estes, com base em tais restrições, pedir indenização ao poder público. II. - R.E. não conhecido. (RE 140436, CARLOS VELLOSO, STF.)
Ademais, "Reserva Florestal Serra do Mar: indenização. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que é devida indenização pela desapropriação de área pertencente à Reserva Florestal Serra do Mar, independentemente das limitações administrativas impostas para proteção ambiental dessa propriedade." (RE 471.110-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-11-2006, Primeira Turma, DJ de 7-12-2006)
O Superior Tribunal de Justiça - STJ tem enfatizado, em diapasão contrário, que limitações administrativas decorrentes de imposições gerais não seriam suscetíveis de indenização:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DECRETO ESTADUAL 10.251/77. CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO MAR. ESVAZIAMENTO DO CONTEÚDO ECONÔMICO DA PROPRIEDADE. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS DE CARÁTER GERAL. MATÉRIA PACIFICADA NO ÂMBITO DA PRIMEIRA SEÇÃO. DISSÍDIO NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL SOBRE O QUAL RECAI A DIVERGÊNCIA. 1. O acórdão de origem seguiu a jurisprudência consolidada nesta corte no sentido de que, para que fique caracterizada a desapropriação indireta, exige-se que o estado assuma a posse efetiva de determinando bem, destinando-o à utilização pública, o que não ocorreu na hipótese dos autos, visto que a posse dos autores permaneceu íntegra, mesmo após a edição do decreto estadual 10.251/77, que criou o parque estadual da serra do mar. 2. Não é possível conhecer do recurso especial no tocante à alegada divergência jurisprudencial. Isso porque mesmo nas hipóteses em que se alega divergência jurisprudencial no apelo excepcional, é necessária a indicação do dispositivo da legislação infraconstitucional federal sobre o qual recai a divergência, sob pena de atração da Súmula 284/STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia". 3. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGA 201001551917, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:09/03/2012 ..DTPB:.)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DECRETO ESTADUAL 9.914/77. CRIAÇÃO DO PARQUE ESTADUAL DE ILHABELA. ESVAZIAMENTO DO CONTEÚDO ECONÔMICO DA PROPRIEDADE. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS DE CARÁTER GERAL. 1. O ato administrativo que criou o Parque Estadual de Ilhabela não impôs aos proprietários outras restrições que não aquelas decorrentes da legislação constitucional e infraconstitucional, sendo certo que essas limitações administrativas, de caráter geral, não constituem direito que ampare qualquer indenização. 2. Cumpre ressaltar, outrossim, que o recorrido, ao adquirir o imóvel em foco, o fez com pleno e prévio conhecimento das restrições já existentes sobre o mesmo, advindas da legislação federal, fato que não se coaduna com a afirmação de aniquilamento da propriedade em virtude de apossamento que não ocorreu. 3. Recurso especial provido. ..EMEN: (RESP 200601772531, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:05/11/2010 ..DTPB:.)
Aquela Corte Superior tem promovido, todavia, a seguinte diferenciação: "(...) 3. A limitação administrativa distingue-se da desapropriação; nesta há transferência da propriedade individual para o domínio do expropriante, com integral indenização; naquela há, apenas, restrição ao uso da propriedade imposta genericamente a todos os proprietários, sem qualquer indenização. Limitações administrativas são, p. ex., a proibição de desmatamento de parte da área florestada em cada propriedade rural. Mas, se o impedimento de desmatamento de área florestada atingir a maior parte da propriedade ou sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade, e, neste caso, o Poder Público ficará obrigado a indenizar a restrição que aniquilou o direito dominial e suprimiu o valor econômico do bem. (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2009. 35º ed., págs. 645/646). 4. Não há desapropriação indireta sem que haja o efetivo apossamento da propriedade pelo Poder Público. Desse modo, as restrições ao direito de propriedade, impostas por normas ambientais, ainda que esvaziem o conteúdo econômico, não se constituem desapropriação indireta. (...)" (AGRESP 201100196250, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:13/04/2011 ..DTPB:, omiti parte da ementa)
Nesse mesmo sentido, leia-se:
"(...) 1. Esta Corte Superior entende que é indevida qualquer indenização em favor dos proprietários dos terrenos em área de preservação permanente, salvo se comprovada limitação administrativa mais extensa que as já existentes., 2. In casu, o Tribunal a quo fixou expressamente que foram os decretos municipais os atos que realmente esvaziaram o conteúdo econômico da propriedade. Portanto, comprovada limitação administrativa mais extensa que as já existentes, cabe a indenização em favor dos proprietários dos terrenos em área de preservação permanente. 3. A decisão monocrática ora agravada baseou-se em jurisprudência do STJ, razão pela qual não merece reforma. 4. Agravo regimental não provido. ..EMEN:" (AGA 200901145954, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:20/09/2010 ..DTPB:.)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. MATA ATLÂNTICA. DECRETO 750/1993. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. REVOGAÇÃO DO DECRETO. PERDA DO OBJETO. TAMANHO DO IMÓVEL. IRRELEVÂNCIA. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE. 1. Hipótese em que o aresto recorrido afastou a prescrição quinquenal e determinou a realização de perícia para aferir se as restrições ao aproveitamento da vegetação da Mata Atlântica trazidas pelo Decreto 750/1993 caracterizam desapropriação indireta ou mera limitação administrativa. 2. A matéria recursal restringe-se a interpretar os efeitos do Decreto 750/1993 e a consequente incidência da norma prescricional quinquenal, prevista no Decreto 20.910/1932, o que é cabível em Recurso Especial. Inaplicabilidade da Súmula 7/STJ. PERDA DO OBJETO 3. Após o julgamento da Apelação, o Decreto 750/1993 foi expressamente revogado pelo art. 51 do Decreto 6.660/2008, que regulamenta a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006). 4. Com a revogação do ato especificamente apontado pelos recorridos como ensejador da desapropriação indireta, configura-se a perda do objeto da ação a ensejar sua extinção sem resolução de mérito. DECRETO 750/93 - LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA 5. O STJ pacificou o entendimento de que o Decreto 750/1993 estabeleceu mera limitação administrativa, e não desapropriação indireta, pois não exclui o domínio particular sobre a terra, mas apenas condiciona o exercícios dos direitos inerentes à propriedade. PRECEDENTES DO STJ 6. Cito precedentes nesse sentido: EDcl nos EDcl no REsp 1099169/PR , Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, j. 11.6.2013; REsp 1.120.304/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 29.5.2013; REsp 752.232/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 19.6.2012; AgRg no Ag 1.337.762/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 12.6.2012; AgRg nos EDcl no REsp 1.116.304/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13.12.2011; REsp 1.275.680/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 1.12.2011; AgRg no REsp 1.204.607/SC, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 17.5.2011; AgRg no REsp 404.791/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 26.4.2011; AgRg no REsp 934.932/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 26.5.2011; AgRg nos EREsp 752.813/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJe 9.5.2011; AgRg no Ag 1.221.113/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 17.2.2011; REsp 1.126.157/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 5.11.2010; REsp 1.180.239/SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20.9.2010; REsp 1.172.862/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 26.3.2010; EREsp 922.786/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 15.9.2009; REsp 1.171.557/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 24.2.2010. 7. Na origem, o presente caso foi julgado conjuntamente com sete outros, sendo idêntico ao dos Recursos Especiais 1.098.162/SC (Rel. Min. Eliana Calmon), e 1.098.163/SC e 1.099.428/SC (Rel. Min. Humberto Martins), em que, mesmo em se tratando de minifúndios, reconheceu-se que o Decreto 750/93 fixou limitação administrativa e que se aplicou a prescrição quinquenal. AUSÊNCIA DE REDUÇÃO DA ÁREA CULTIVADA 8. Cabe observar que, no caso dos autos, o Decreto 750/1993 não diminuiu a área então cultivada pelos recorridos, até porque não há Mata Atlântica na lavoura. Apenas impediu nova supressão da cobertura florística, especificamente a vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração. O efeito possível do Decreto é restringir a ampliação do aproveitamento econômico do imóvel, mas não reduzir a exploração já existente. MINIFÚNDIOS 9. Caso os minifúndios sejam excluídos da jurisprudência relativa à limitação administrativa, o STJ estará afastando a aplicação da lei em relação à maioria absoluta dos imóveis rurais na região Sul do Brasil. Registre-se que só em Santa Catarina, segundo dados oficiais, existem 167.335 pequenas propriedades rurais. O que seria exceção à jurisprudência deste Tribunal tornar-se-ia a regra para o local, contribuindo-se para a desproteção dos 5% de Mata Atlântica que restam no País. CONCLUSÃO 10. Agravo Regimental provido. ..EMEN: (AGRESP 200802230436, CASTRO MEIRA, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:04/10/2013 RSTJ VOL.:00233 PG:00156 ..DTPB:.)
Junto ao eg. Tribunal Regional da 4ª Região, colho o que segue:
UNIÃO. IBAMA. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. PRESCRIÇÃO. INDENIZAÇÃO. Jurisprudência vem se manifestando pela configuração de desapropriação indireta nas hipóteses de restrições ao uso da propriedade decorrentes da instituição de área de reserva ambiental, tendo em conta, principalmente, a limitação imposta na exploração do bem, vaziado em seu conteúdo econômico. A questão da indenizabilidade ou não das limitações administrativas transfere-se para o âmbito da jurisprudência, ora deferindo-a, ora afastando-a. Isso se dá, principalmente, pelo fato de que o conceito doutrinário não pode ser adotado de forma imutável. Para tanto, o julgador deve levar em consideração a extensão da restrição imposta ao direito de propriedade e as condições pessoais do proprietário. (AG 200704000025830, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 18/04/2007.)
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO OU ÁREA DE LOTEAMENTO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA DEFINIÇÃO DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO E SOBRE A RESTRIÇÃO E DESAPOSSAMENTO. - Existente dúvida sobre as terras objeto da desapropriação, qual seja, se pertencem à área de preservação ou se serviram de loteamento implantado e aprovado por órgão público. - É necessário aferir se realmente a área é de preservação permanente. - A determinação de que a área é de preservação permanente não retira a propriedade dos autores e o dever de indenizar pelo seu desapossamento. A indenização certamente será diferenciada em face da restrição ao direito de propriedade, mas não será excluída. - A circunstância de haver restrições ao uso não afasta o direito à indenização, sendo certo que limitações administrativas não podem chegar ao ponto de aniquilar o direito de propriedade. - Resultou duvidoso, também, o fato do desapossamento. - Não há elementos suficientes neste autos a permitir um juízo definitivo sobre, em primeiro lugar, se a área realmente é de preservação e, segundo, se houve restrição ou desapossamento da área. - Em conseqüência, a sentença é de ser anulada para que a prova seja complementada e esclarecida. (AC 200404010159969, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 08/06/2005 PÁGINA: 1404.)
Vê-se que a questão gravita em torno do alcance da limitação administrativa; caso ela tenha esvaziado a destinação econômica de determinado bem, comprometendo uma atividade mercantil, p.ex., a reparação será devida. Isso deve ser demonstrado, todavia, no processo pelo interessados, observadas a formas e ritos adequados para tanto.
2.24. NOTAS SOBRE A TUTELA AMBIENTAL:
Há distintas percepções de mundo, como sabido.
Determinados povos sentem-se em verdadeiro amálgama com a natureza (os Amondawa, por exemplo). Melhor dizendo, algumas comunidades não promovem essa separação sujeito/mundo, não distinguem a cultura e a natureza. Algumas nações possuem, pois, a concepção do tempo como um círculo, uma espécie de 'eterno retorno' nietzscheano. Elas miram o tempo da colheita, da pesca, o tempo das chuvas. O tempo não é compreendido como algo escasso, prestes a acabar, mas, como o modo como as coisas se dão, tendendo a retornar (o Karma).
A tradição judaicocristã projeta, porém, uma ideia unidirecional do tempo. O passado jamais se repete; a vida caminha para o progresso, na medida em que o futuro não será mera cópia do passado. O tempo se dá mediante uma espécie de espera e estado de prontidão, seja a espera pelo Messias (tradição Judaica), seja a espera pelo retorno do Cristo (tradição Cristã). Leia-se, a respeito, Juan Ramón Capella. Os cidadãos servos. Tradução de Lédio Rosa de Andrade e Têmis Correia Soares. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998. Leia-se também KOPENAWA, Davi; BRUCE, Albert. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
Para esse ideário, viver é gastar tempo. Ou, ainda, time is money, como se diz comumente hoje em dia. Isso se traduz no conhecido antropocentrismo: o homem imagina-se o centro da criação, como se todos os demais entes apenas houvessem sido criados e concebidos para a sua fruição e utilidade.
"Pergunte a qualquer um na massa de gente obscura: qual o propósito da existência das coisas? A resposta geral é que todas as coisas foram criadas para nosso auxílio e uso prático! (...) Em resumo, todo o cenário magnífico das coisas é diária e confiantemente visto como destinado, em última instância, à conveniência peculiar do gênero humano. Dessa forma, o grosso da espécie humana arrogantemente se eleva acima das inúmeras existências que o cercam." (TOULMIN, G.H. apud THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitudes em relação às plantas e aos animais. Tradução de João Roberto Martins Filho. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 21)
Cuida-se, por certo, da fábula do 'leão de Esopo'. Dado que é o homem quem conta a história, não é de estranhar que se coloque justamente no centro do mundo, imaginando-se a criatura mais perfeita, concebida à imagem de Deus. Questões metafísicas à parte, o fato é que essa concepção antropocêntrica ainda está impregnada nas nossas práticas cotidianas. O homem usa e abusa do meio circundante, queima florestas, extingue espécies animais, lança bombas, tortura humanos e outros animais sencientes, degrada as condições indispensáveis para a preservação da vida - e a vida é uma verdadeira singularidade naquilo que conhecemos do universo. Ou seja, a vida é improvável e deve ser preservada.
Isso tem sido alvo de importantes e instigantes reflexões filosóficas, como bem revelam as obras de Peter Sloterdijk (Esferas: bolhas. Tradução de José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade. 2016), de Umberto Galimbertti (Psiche e technè: o homem na idade da técnica. São Paulo: Paulus. 2006), dentre outras. Afinal de contas, desde que Prometeu subtraiu aos deuses a técnica - o domínio do fogo -, e a entregou aos humanos, segundo a mitologia grega, a história da humanidade tem sido imaginada como uma pretensa superação da natureza em prol da civilização, convertendo-se o natural em artificial. E isso não sem pouca violência.
A técnica tem sido imaginada, desse modo, como uma projeção da razão estratégica, pela qual se escolhem meios adequados a fins dados; fins esses que rotineiramente não são colocados em questão - não são alvo de debates -, por conta da alienação. Ao mesmo tempo em que a tecnologia ensejou considerável complexidade na relação do homem consigo e com os outros, ela também aumentou significativamente a capacidade de degradação. Basta o apertar de botões - Bomba atômica BDS 220 -, e alguns poucos humanos podem tonar inviável a vida na terra, para as presentes e futuras gerações. Há muito, os filósofos têm denunciado essa progressiva conversão da técnica - até então compreendida como um meio - em uma espécie de fim em si. Um dos exemplos mais conhecidos é da conversão do dinheiro (um meio para a obtenção de produtos e serviços), em um fim em si, como se alguém pudesse ter a meta de acumular, por meramente acumular, muito dinheiro.
Isso se traduziu na reificação do homem - denunciada por Karl Marx ao tratar do fetiche da mercadoria -, tema retomado por Adorno, Althusser, Horkheimer e tantos outros (Escola de Frankfurt). É o que também se dá na corriqueira degradação da quantidade em qualidade, dialética já denunciada por Friedrich Hegel na sua Ciência da Lógica, como se o simples fato de algo ser abundante fosse necessariamente bom. Que o diga a sacralização das estatísticas, com seus conhecidos problemas (HUFF, Darrel. How to lie with statistics. Nova Iorque: WW Norton and Company. 1954).
No final das contas, esse alerta foi promovido por Max Weber, ao tratar do desencantamento do mundo; e encontra-se também muito bem verbalizado no livro de fantasia the mists of Avalon (Marion Bradley), ao se confrontar com a racionalização do sagrado. No essencial, porém, o fato é que a tradição ocidental acabou por imaginar uma dissociação entre a humanidade e a natureza, como se a quintessência do humano fosse dada pela tentativa de superar sua condição inicial, por meio da cultura, da civilização. Com isso, não raro, há o imaginário de que natureza deva ser concebida como simples matéria-prima, como meio de produção para as fábricas. Ou então supõe-se - o que não deixa de ser retrato da mesma ideia de domínio e controle - que a natureza deva ser concebida como um museu intocável, guarnecida a sete chaves, impedindo-se o contato dos próprios humanos, geralmente das pessoas mais pobres, alijadas da fruição de parques etc.
Esse dilema está presente, sabe-se bem, no âmago do direito ambiental, no que toca ao alcance do desenvolvimento sustentável. No final das contas, as questões acabam sendo: "qual o grau de poluição tolerável?" "quem o define?" O problema é que problemas de tal ordem são altamente complexas, sobremodo por tocarem de perto os interesses de pessoas que ainda não nasceram e que talvez nem tenham a chance de nascer, se continuar a haver a degradação do mundo, no ritmo atual e tendencialmente mais acelerado, como facilmente se antevê.
Os povos advindos da invasão portuguesa e demais imigrantes promoveram pesado extrativismo no solo brasileiro, desde o ciclo do pau-brasil, passando pelo plantio da cana-de-açúcar, exploração da borracha, do café, chegando aos grandes pastos para criação de gado e campos de plantação de soja. Houve corte irresponsável e vergonhoso de parcela significativa da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica, para falar em apenas alguns dos mais conhecidos danos ambientais. Por mais que não se possa idealizar a atividade das nações nativas - imaginando o chamado 'indígena' como se fosse o Peri, índio Goitacá descrito por José de Alencar ou o Papa-capim de Maurício de Souza -, é fato sabido que, no geral, o extrativismo das nações nativas sempre foi promovido com grau menor de degradação, se confrontado com aquele realizado pelos povos descendentes dos europeus, na gradual formação da noção de brasilidade, a abranger também os povos aborígenes. Esse é um fato bem documentado. Claro que, na atualidade, não se pode partir de axiomas não demonstrados; havendo também casos em que membros de nações nativas parecem contribuir para a degradação ambiental, como revelam os noticiários sobre corte de madeira em certas localidades da Amazônia.
No geral, porém, pode-se muito mais conceber o contrário, dada a íntima relação entre nações nativas e a terra - concebida como causa e como forma de vida -, dado o cuidado de determinadas nações com as florestas, animais e rios, imaginando-os como parentes e amigos. A tutela ambiental não pode estar fundada na ideia de controle absoluto, imaginando que a forma correta de se preservar a natureza seja a eliminação do homem, mantendo a natureza em uma redoma. Sobre o tema, leia-se a obra já mencionada de KOPENAWA, Davi; BRUCE, Albert. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
Somos também parte da natureza; a tutela ambiental demanda necessariamente a proteção da própria humanidade. Proteger a natureza é proteger-nos. E não podemos nos proteger sem proteger o ambiente. Claro que carecemos de uma nova racionalidade, mais empatia com as distintas formas de vida. Precisamos superar a arrogância do bicho homem, de modo a que possamos nos reconhecer no meio do problema, ao invés de nos imaginarmos observando o mundo à distância, como se estivéssemos protegidos do cataclismo que se avizinha. Se a Terra é a arca de Noé, não há Monte de Ararate que permita alguma salvação (gênesis 8). Se a Terra é a arca, ainda não se descobriu algum porto seguro, que não esse no qual nos encontramos. Ou seja, não há nenhum ponto arquimediano, algum ponto em que possamos nos escorar e nos colocar a salvo, se a Terra/Gaia houver sido destruída.
Enfim, a temática ambiental coloca em causa os nossos deveres para com as pessoas ainda não nascidas e compromissos para com os animais não-humanos, seres que conosco compartilham, repito, a dádiva de se viver, a tanto convergindo o art. 225 da Constituição Republicana.
2.25. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:
Ao final do século XVIII, o clérigo anglicano e economista Thomas Malthus fez a sua conhecida professia de que a população mundial haveria de crescer em progressão geométrica, enquanto que o crescimento dos alimentos se daria em progressão aritmética. Isso implicaria que, passadas algumas décadas, a humanidade não mais teria o que comer, ensejando colapso da sociedade.
Sem dúvida que ele não contou com o desenvolvimento tecnológico, incrementado nos anos que lhe seguiram. De todo modo, o prognóstico de Malthus revela-se importante por destacar a tomada de consciência da questão ambiental, a impactar não apenas os membros de uma dada civilização, mas, também, seus descendentes. Como já disse alguém, não deixamos a Terra em herança para os que virão; nós a tomamos em empréstimo, dado que pertence à gerações futuras.
O fato é que, ao tempo em que o desenvolvimento tecnológico aprimorou a capacidade de se produzir alimentos, transpor fronteiras e se comunicar quase que instantaneamente, também ensejou um aumento significativo na poluição urbana e rural. Para além disso, novos riscos foram descortinados, a exemplo do conhecido caso Contergan (Talidomida), e dos rompimentos de barragens de mineradoras, como ocorrido em solo brasileiro (casos Mariana e Brumadinho). Deve-se conjugar, enfim, a sociedade de consumo, de um lado, com a necessidade de zelo para com a questão ambiental, de outro.
Isso se traduziu na formação, em 1968, do chamado Clube de Roma, constituído por líderes políticos, empresariais, financeiros e intelectuais, com o fim de discutir a temática ambiental. Em 1971, aludido grupo divulgou seu relatório "limites para o crescimento", destacando ser premente a limitação do consumo. A isso seguiu-se, em 1972, a Conferência da ONU para o ambiente, congregando 113 países, dentre os quais o Brasil. Com isso, ganhava desenvolvimento a ideia de "desenvolvimento sustentável", termo cunhado por Maurício Strong, denotando a necessidade de se conjugar crescimento econômico com a tutela ambiental.
Essa concepção busca a conjugação da busca por crescimento econômico, desenvolvimento de novas tecnologias, incremento do nível de empregos etc. - de um lado -, com a imposição de limites à atividade econômica, exigindo-se prévia franquia estatal para atividades de risco e constante fiscalização a respeito dos impactos ambientais disso decorrentes. Durante a Conferência de Estocolmo, de 1972, sustentou-se que, ao contrário do que supunha o Clube de Roma, a solução não seria produzir menos; antes, seria produzir mais, só que com com mais cautela. O problema estaria na racionalização das etapas produtivas.
Em 1983, as Nações Unidas criaram a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, orientada ao exame das questões mais urgentes da temática ambiental. Isso eclodiu, 09 anos depois, na conhecida Conferência da ONU para o meio ambiente, realizada no Rio de Janeiro (Rio - 92). Ao final daquele ato, os países subscreverem uma declaração com 27 princípios, dentre os quais se encontrava o reconhecimento da importância do desenvolvimento sustentável.
Em 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, reafirmou esses compromissos internacionais. No que toca à legislação nacional, convém ter em conta que as Ordenações Filipinas, de 1603, já cominavam penas para quem cortasse árvores frutíferas, como se vê do Livro 5, Título 75. Conquanto tenham havido outras normas, indicando alguma preocupação ambiental, é fato que isso não se traduziu, infelizmente, em uma consciência coletiva sobre a importância da questão ambiental.
O sistema de proteção ambiental ganhou maior fôlego, no solo brasileiro, com a publicação da lei n. 6.938, de 1981, responsável pela instituição do sistema nacional do meio ambiente. Conforme dispôs o seu art. 2º, seu objetivo seria "a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana."
Vale a pena tomar em conta o seu art. 9º da lei n. 6.938/81, com a redação veiculada pela lei n. 7.804, de 1989:
Art 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; II - o zoneamento ambiental; III - a avaliação de impactos ambientais; IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental; VI - a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas; VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental. X - a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA; XI - a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzí-las, quando inexistentes; XII - o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais. XIII - instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros.
A isso seguiu-se, no que releva, a Constituição de 1988, cujo art. 225 estipulou as principais diretrizes para a temática, alvo de considerações adiante.
2.26. TUTELA DA FAUNA E DA FLORA:
Como registrei acima, a modernidade ainda está impregnada da suposição antropocêntrica, verbalizada por Protágoras (490 a 415 a. C.) e no mencionado capítulo do Gênesis, 24:26, de que o homem seria a medida de todas as coisas. Com isso, não raro, imagina-se o ser humano como centro do universo, como ponto arquimediano para se avaliar o telos da natureza, como se tudo fosse uma espécie de presente divino, entregue para seu deleite e destruição.
Em período mais recente, não obstante, confrontado com a sua imensa capacidade de extermínio, evidenciada com a explosão de bombas atômicas ao final da II Guerra Mundial, muitas pessoas têm buscado a construção de uma nova visão de mundo, a impor uma ética holística, que o desloque do pretenso centro do mundo - como se fosse uma espécie de alma, de um ser sui generis dotado do logos -, para se reconhecer como um animal em meio a outros tantos, que com ele compartilham a mesma casa (Oikos - casa, origem das palavras ecologia e economia, por exemplo). Pensadores como Hans Jonas (The imperative of responsibility: in search of an ethics for the technological age. Chicago, IL: The University of Chicago Press. 1984), Edgar Morin (Homeland earth. Cresskill: Hampton Press), Umberto Galimbertti (Psiche e technè: o homem na idade da técnica.São Paulo: Paulus. 2006) têm apontado novos caminhos, em prol de uma efetiva ética ambiental.
E isso exige o respeito, óbvio dizê-lo, às demais formas de vida que compartilham a 'nave Terra', conforme expressão do físico Carl Sagan. No âmbito normativo, isso se projetou com a publicação, em abril de 1979, da Diretiva 79/409/CEE, no âmbito da então Comunidade Europeia, quanto à proteção e conservação de pássaros selvagens (Directive Oiseaux), e Diretiva 92/43 CE, adotada em maio de 1992, sobre a conservação de habitats naturais e sobre fauna e flora selvagens, preconizando-se o zoneamento ecológico de espaços protegidos da União Europeia, para além da Convenção Internacional para Proteção dos Pássaros, aprovada em Paris em 18 de outubro/1950. Acrescente-se ainda a referênca à Convenção Internacional da Pesca da Baleia (Washington, 02 de outubro de 1946, promulgada no Brasil pelo Decreto 28.524/1961); convenção internacional para proteção dos vegetais (Roma, 06 de dezembro de 1951), ratificada pelo Brasil em 14 de junho de 1961, Convenção Internacional para conservação do atum no Atlântico (Rio de Janeiro, 14 de maio de 1966, Decreto-lei 412, de 09 de janeiro de 1969), Convenção sobre a Conservação das espécies Migratórias pertencentes à fauna selvagem (Bonn, 23 de junho de 1979 - ratificada mediante Decreto 93.935, de 15 de janeiro de 1987), dentre outros.
Em solo brasileiro, o tema foi verbalizado pelo art. 225, §1º, VII, Constituição/1988, cujo conteúdo preconizou incumbir ao Poder Público "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade." Para além disso, o tema é alvo de um conjunto de preceitos infraconstitucionais, como a lei n. 9.605/1998, lei n. 5.197/1967, lei n. 6.938/1981, para além de um conjunto de Resoluções do CONAMA.
Deveras, superando-se o antropocentrismo, também há "ideais de vida boa" relacionados ao sensocentrismo, biocentrismo e ecocentrismo: "O sensocentrismo (a ética centrada nos animais), também denominado de pathocentrismo, reafirma a consideração de valor aos animais não humanos. Assim, todos, também os animais não humanos com estado de consciência subjetivos, ou seja, aqueles que são capazes de experimentar sofrimento, sentir dor ou bem-estar, sendo seres sencientes, devem ser considerados. Geralmente, estão incluídos nesse grupo de consideração todos os vertebrados (mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes), seres sencientes dotados de sistema nervoso sofisticado o suficiente para possibilitar a experiência dolorosa." (MEDEIROS, Fernanda Luíza Fontoura de. Direitos dos animais. Porto Alegre, 2013, p. 36).
Por seu turno, o biocentrismo amplia o rol de preocupação, de modo a englobar - para além dos seres sencientes - também as plantas e até mesmo os organismos unicelulares. Já o ecocentrismo busca uma espécie de holismo, preocupando-se com a preservação do próprio ecossistema terrestre. Não se pode, por certo, imaginar alguma espécie de estado bucólico, destituído de conflitos. A natureza não se preocupa com o indivíduo (sua meta é a preservação da espécie mais adaptável). O leão come a ovelha, os vírus infectam humanos e, não raras vezes, populações inteiras de animais são dizimadas por força das forças inerentes à própria natureza, sem a intervenção do ser humano, responsável por converter o natural em artificial. Assim, não raro, vulcões lançam lavas e aniquilam a vida do entorno.
Deve-se ter em conta, todavia, esse vetor primordial: o ser humano não pode simplesmente aniquilar toda uma espécie animal, por seu puro deleite. Práticas como a caça, as touradas, rinhas de galo são intoleráveis, prestando-se apenas à manifestação de pulsões violentas (que a consciência moderna há de reprimir). Isso não significa - óbvio dizê-lo - que o homem não deva controlar as bactérias e vírus que contaminam humanos. Nem mesmo uma ética biocentrista pode exigir que crianças sejam sacrificadas em prol da simples preservação de organismos infecciosos e parasitários.
Todo cuidado é pouco nesse âmbito. Corre-se sempre o risco de se interferir na homeostase ambiental, causando efeitos reflexos indesejados. Ora, se não é dado falar em direitos dos animais não-humanos - por não deterem personalidade, ao menos segundo os institutos jurídicos atualmente vigentes -, pode-se muito bem falar em deveres fundamentais para com os animais, algo um tanto quanto distinto. Transcrevo, adeais, os arts. 2º e 3º da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de 15 de outubro de 1978 (UNESCO):
Artigo 2º - 1. Todo o animal tem o direito de ser respeitado. 2. O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais ou de os explorar, violando esse direito. Tem a obrigação de empregar os seus conhecimentos ao serviço dos animais. 3. Todos os animais têm direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.
Sei bem que muitas dessas cláusulas podem suscitar complexos debates filosóficos, sobremodo em nações como a nossa, em que muitas pessoas ainda vivem em condições degradantes, sem saneamento básico, sem acesso a serviços de saúde mínimos e que até mesmo passam fome. Esses axiomas valorativos retratam, todavia, uma nova consciência ética que tem sido desenvolvida e que cobra a responsabilidade do presente, a fim de que se preserve algum mundo para os nossos filhos e netos. É o que se infere da interessante obra de Peter Singer (Libertação animal. Trad. de Marly Winckler e Marcelo Cipolla. SP: Martins Fontes, 2013). A respeito do tema, recomenda-se também a leitura do importante acórdão do STF, ao julgar a ADI 4.983/CE, reconhecendo a invalidade de norma publicada pelo Estado do Ceará que regulamentava a chamada Vaquejada, uma manifestação de selvageria e crueldade contra animais sencientes.
A respeito do tema, leia-se a obra do Juiz Federal Vicente de Paula Ataíde Jr. Capacidade processual dos animais. São Paulo: RT. 2022, em que se promove um detido estudo sobre a questão. Além disso, tomo como base os textos KYMLICKA, Will; DONALDSON, Sue. Zoopolis: a political theory of animal rights. New York: Oxford University Press. 2011. NUSSBAUM, Martha Craven. Justice for animals: our collective responsibility. Nova Iorque: Simon & Schuster. 2023. SINGER, Peter. Libertação animal. Trad. de Marly Winckler e Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2010. FRANCIONE, Gary Lawrence. Animal rights: the abolitionist approach. Logan: Exempla Press. 2015. DWORKIN, Ronald. Life's dominion: an argument about abortion, euthanasia, and individual freedom. New York: Knopf, 1993, dentre outros.
2.27. DIREITOS DEFENSIVOS E PRESTACIONAIS:
Deve-se atentar para a classificação dos direitos fundamentais, propugnada por Robert Alexy, entre direitos defensivos e prestacionais. Direitos defensivos são efetivados, no geral, pela simples abstenção do Estado ou da comunidade política. Basta que a Administração Pública e os particulares não violem as liberdades e patrimônio individuais. Tais direitos custam, eis que demandam uma estrutura mínima para apreciação de habeas corpus, pedidos de indenização etc.
Os pedidos de cada interessado, individualmente considerado, não incrementam significativamente, porém, os custos já existentes. A impetração de um habeas corpus ou mandado de segurança não exalta consideravelmente o custo da prestação do serviço público jurisdicional. Mesmo que aquele pedido não houvesse sido formulado, os gastos com a remuneração dos servidores públicos e estrutura física correspondente continuariam praticamente inalterados.
Situação um tanto distinta ocorre com os chamados direitos prestacionais. Nesse âmbito, a prerrogativa individual não se contenta com simples contenção estatal: exige uma atuação pró-ativa de alteração do status quo, ou seja, a melhoria das condições de vida, o efetivo aprimoramento do contexto empírico. Referida categoria demanda custos mais elevados, tornando mais perceptíveis - e portanto, mais debatidos - os encargos econômicos necessários para a efetivação de quaisquer direitos (HOLMES, Stephen. The cost of rights: why liberty depends on taxes. Paperback).
Robert Alexy explica o que segue: "A polêmica sobre os direitos a prestações está caracterizada por diferenças de opinião a respeito do caráter das tarefas do Estado, do direito e da Constituição, inclusive quanto aos direitos fundamentais, assim como também sobre a evolução da situação atual da sociedade. Como nela, entre outras coisas, se trata do problema da redistribuição, sua carga política é óbvia. Em nenhum outro âmbito é tão clara a conexão entre o resultado jurídica e as valorações gerais práticas ou políticas. Em nenhum outro âmbito se discute tão tenazmente. É sintomático que nesta situação se fale - com intenção crítica ou positiva - da alteração da compreensão do direito fundamental, e se peça para desdemonizar, desideologizar o conceito dos direitos fundamentais sociais." (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Centro de estúdios políticos y constitucionales, Madrid, p. 427).
Essa questão retoma, bem se percebe, o tema da justiça distributiva (RAWLS, John. Justice as fairness. USA: Harvard Press, 2.003, p. 50) e concepções morais que estão no seu âmago: liberalismo, comunitarismo etc. Ao que interessa, cumpre salientar que a República Federativa do Brasil obrigou-se à implementação progressiva de aludidos direitos prestacionais, observado o limite dos recursos existentes. É o que se infere, por exemplo, do art. 26 do Pacto de San José da Costa Rica (Decreto Legislativo n. 27/92, e promulgada pelo decreto nº 678/92).
Deve-se assegurar, portanto, a efetividade às normas prestacionais fundamentais; é incompatível com o atual estágio do Direito Constitucional supô-las como meros programas de ação (STF, ADPF 45, voto Min. Celso de Melo. Ver também RE 393.175-AgR/RS). Não obstante, é inexorável a conclusão de que esse tema não é singelo, pois envolve outros vetores dignos de nota: autonomia orçamentária, isonomia entre os dependentes da atuação pública, limites para a intervenção do Poder Judiciário na atuação do Poder Executivo e critérios para distribuição de recursos escassos.
2.28. PRINCÍPIO ORÇAMENTÁRIO:
Como dizia Lobo Torres, "O orçamento tem três funções precípuas: a política, a econômica e a reguladora. Devem elas ser examinadas em suas conotações com o Direito e a Constituição, eis que o corte entre os aspectos normativos e os aspectos políticos e econômicos implica posição nitidamente positivista e formalista. Neumark indica 4 funções para o orçamento: político-financeira (racionalidade na gestão orçamentária), política (equilíbrio entre grupos políticos), de controle financeiro (do Executivo) e econômica (racionalidade da política econômica). Musgrave aponta 3 objetivos da política orçamentária: assegurar ajustamentos na alocação de recursos; conseguir ajustamerntos na distribuição da renda e riqueza e garantir a estabilização econômica; e acrescenta que a preferência pelo tamanho do orçamento é problema de política e de processo legislativo." (TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Volume V. O orçamento na Constituição. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2000).
A ideia de orçamento implica a noção de planejamento e previsão. Na espécie, para além das questões atinentes à democratização da elaboração do orçamento; do princípio da justiça orçamentária e da tutela do mínimo existencial, mereece destaque o princípio da legalidade orçamentária: "O princípio da legalidade orçamentária se afirma no início do Estado de Direito, amalgando-se à ideia de liberdade. Legalidade é princípio de limitação do poder do Estado e, ao mesmo tempo, de direcionamento das atividades administrativas. Há, com a criação do Estado de Direito, a bifurcação entre a legalidade tributária e a orçamentária. Antes o orçamento servia para a criação e a renovação da autorização anual para a cobrança de tributos. No liberalismo tanto o tributo quanto o orçamento devem ser aprovados por diferentes leis formais e o orçamento não cria o tributo, senã que apenas prevê sua cobrança. A legalidade orçamentária não se confunde, tampouco, com a administrativa. O orçamento autoriza a despesa pública, que se realiza de acordo com as leis administrativas. O princípio da legalidade perdeu muito do seu rigor com o positivismo do início do século, que o desvinculou da legitimidade democrática, e lhe esvaziou o conteúdo com a teoria da reflè de droit (Rechtsatz), bem como com a ideologia do Estado de Bem-estar social, que privilegiou as ações administrativas. Mas, hoje, a lei recupera sua força simbólica e o princípio da legalidade volta a constituir um dos pilares da segurança jurídica, salvo para os pós-modernistas, que defendem a auto-segurança e a deslegalizaão. O princípio da legalidade se expressa através de 3 subprincípios: o da superlegalidade, o da reserva de lei e o do primado de lei." (TORRES, R. Lobo. Obra citada. p. 245).
Ao que releva, o princípio da reserva de lei implica que apenas a lei formal stricto senso pode aprovar os orçamentos e os créditos especiais e suplementares. Tem por objetivo a segurança dos direitos fundamentais e garantir o controle político da Administração Pública. Nos termos do art. 167, §1º, CF/1988: "Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade." Logo, não é cabível nenhuma despesa sem prévia dotação orçamentária (art. 165, §5º, CF e art. 60, lei n. 4.380/1964). Caso o orçamento não seja votado a tempo, já se cogitou da prorrogação da lei orçamentária anterior (solução dispensada pelo art. 72, 'd', da Constitução de 1937 e plo art. 66 da Constituição de 1967 com a emenda de 1969). Pode-se também empregar o mandado de injunção, para solução de questões mais imediatas, diante da demora legislativa, um tema que restou discutido, por exemplo, no âmbito do MI 232-I/STF.
Convém enfatizar, pois, que cabe ao Congresso Nacional a aprovação da lei do orçamento anual, com a afetação de recursos para o cumprimento das incumbências públicas. Em princípio, aludida atribuição não pode ser assumida pelo Poder Judiciário, dada a ausência de legitimação representativa para tanto. Isso não impede, por óbvio, a inclusão de despesas no orçamento, por meio da requisição de pagamento de precatórios e RPVs, na forma do art. 100, CF/88.
Por sinal, até mesmo quando se cuida de reservas prospectivas, para realização de obras, há precedentes reputando cabível a condenação do Estado a incluir determinadas despesas na lei orçamentária anual:
"(...) 4 - Manutenção da conclusão do juízo de origem que condenou os réus à realização de obras e serviços necessários à restauração dos trechos das rodovias indicadas a fls. 536/538, bem como a instalação dos postos de pesagem, em conformidade com as diretrizes definidas pelo Plano Diretor de Pesagem de Veículos em Rodovias Federais (fls. 540/574), com prazo de conclusão em vinte e quatro meses; determinar à União que inclua no orçamento dos exercícios financeiros seguintes montantes necessários à realização das obras e instalação dos equipamentos." (Ap 0005094-66.2002.4.01.3500, DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, TRF1, 31/01/2018.)
Atente-se ainda para o seguinte julgado, do STJ:
"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CADEIA PÚBLICA. SUPERLOTAÇÃO. CONDIÇÕES PRECÁRIAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA OBRIGAR O ESTADO A ADOTAR PROVIDÊNCIAS ADMINISTRATIVAS E APRESENTAR PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA PARA REFORMAR OU CONSTRUIR NOVA UNIDADE PRISIONAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES E DE NECESSIDADE DE PRÉVIA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA (ARTS. 4º, 6º E 60 DA LEI 4.320/64). CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS EM CASOS EXCEPCIONAIS. POSSIBILIDADE. CASO CONCRETO CUJA MOLDURA FÁTICA EVIDENCIA OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DO RESPEITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DOS PRESOS E AOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO MÍNIMO EXISTENCIAL, CONTRA O QUAL NÃO SE PODE OPOR A RESERVA DO POSSÍVEL. 1. Na origem, a Defensoria Pública e o Ministério Público do Estado do Mato Grosso ajuizaram Ação Civil Pública visando obrigar o Estado a adotar providências administrativas e apresentar previsão orçamentária para reformar a cadeia pública de Mirassol D'Oeste ou construir nova unidade, entre outras medidas pleiteadas, em atenção à situação de risco a que estavam expostas as pessoas encarceradas no local. Destaca-se, entre as inúmeras irregularidades estruturais e sanitárias, a gravidade do fato de - conforme relatado - as visitas íntimas serem realizadas dentro das próprias celas e em grupos. 2. A moldura fática delineada pelo Tribunal de origem - e intangível no âmbito do Recurso Especial por óbice da Súmula 7/STJ - evidencia clara situação de violação à garantia constitucional de respeito da integridade física e moral do preso e aos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial. 3. Nessas circunstâncias - em que o exercício de pretensa discricionariedade administrativa acarreta, pelo não desenvolvimento e implementação de determinadas políticas públicas, seriíssima vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição - a intervenção do Poder Judiciário se justifica como forma de pôr em prática, concreta e eficazmente, os valores que o constituinte elegeu como "supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social", como apregoa o preâmbulo da nossa Carta Republicana. 4. O entendimento trilhado pela Corte de origem não destoou dos precedentes do STF - RE 795749 AgR, Relator: Min. Celso de Mello, Segunda Turma, Julgado em 29/04/2014, Processo Eletrônico DJe-095 Divulg 19-05-2014 Public 20-05-2014, ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 15.9.2011 - e do STJ, conforme AgRg no REsp 1107511/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 06/12/2013. Aplicação da Súmula 83/STJ. 5. Com efeito, na hipótese sub examine, está em jogo a garantia de respeito à integridade física e moral dos presos, cuja tutela, como direito fundamental, possui assento direto no art. 5º, XLIX, da Constituição Republicana. 6. Contra a efetivação dessa garantia constitucional, o Estado de Mato Grosso alega o princípio da separação dos poderes e a impossibilidade de realizar a obra pública pretendida sem prévia e correspondente dotação orçamentária, sob pena de violação dos arts. 4º, 6º e 40 da Lei 4.320/1964. 7. A concretização dos direitos individuais fundamentais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue, nesses casos, como órgão controlador da atividade administrativa. Trata-se de inadmissível equívoco defender que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantir os direitos fundamentais, possa ser utilizado como óbice à realização desses mesmos direitos fundamentais. 8. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública vital nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, como na hipótese dos autos. 9. In casu, o pedido formulado na Ação Civil Pública é para, exatamente, obrigar o Estado a "adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária e realizar ampla reforma física e estrutural no prédio que abriga a cadeia pública de Mirassol D'Oeste/MT, ou construir nova unidade, de modo a atender a todas as condições legais previstas na Lei nº 7.210/84 (Lei de Execuções Penais), bem como a solucionar os problemas indicados pelas equipes de inspeção sanitária, Corpo de Bombeiros Militar e CREA na documentação que instrui os presentes autos, sob pena de cominação de multa". 10. Como se vê, o pleito para a adoção de medida material de reforma ou construção não desconsiderou a necessidade de previsão orçamentária dessas obras, de modo que não há falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei 4.320/64. 11. Recurso Especial não provido. ..EMEN:Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques (Presidente), Assusete Magalhães e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.
(RESP - RECURSO ESPECIAL - 1389952 2013.01.92671-0, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:07/11/2016 ..DTPB:.)
Extrai-se, da fundamentação daquele julgado, o seguinte:
"Contra a efetivação dessa garantia constitucional, o Estado de Mato Grosso alega a impossibilidade de realizar a obra pública pretendida sem prévia e correspondente dotação orçamentária, sob pena de violação dos arts. 4º, 6º e 40 da Lei 4.320/1964.
Recorrentemente, tem-se visto a invocação da teoria da reserva do possívelcomo escudo para o Estado se escusar do cumprimento de suas obrigações prioritárias. Não deixo de reconhecer que as limitações orçamentárias são, realmente, entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada, sobretudo quando estiver em jogo direitos associados à própria vida e à integridade física.
Não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar para o Estado brasileiro. Na Alemanha, p. ex., onde o tema da reserva do possível se coloca de maneira proeminente, os cidadãos já dispõem do mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência digna.
Situação completamente diversa é a que se observa nos países pobres ou em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Aqui, ainda não foram asseguradas, à maioria dos cidadãos, condições básicas para uma vida digna. Neste caso, qualquer pleito que vise a fomentar existência minimamente decente não pode ser encarado como sem-razão, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado brasileiro. É por isso que o princípio da reserva do possível não pode, mecanicamente, ser oposto ao princípio do mínimo existencial.
Desse modo, somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá pensar, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir. Claro, se não se pode cumprir tudo o que assegurado pela Constituição, deve-se, ao menos, garantir aos cidadãos esse piso basilar de direitos essenciais à vida, entre os quais, sem a menor dúvida, há de se incluir padrão mínimo de dignidade às pessoas encarceradas em estabelecimentos prisionais.
Por esse motivo, inexistindo comprovação objetiva e cabal da incapacidade econômico-financeira do Estado, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político. No caso concreto, é exatamente esse o pedido formulado na Ação Civil Pública, conforme se vê à fl. 28 dos autos: 'adotar providências administrativas e respectiva previsãoorçamentária e realizar ampla reforma física e estrutural no prédio que abriga a cadeia pública de Mirassol D'Oeste/MT, ou construir nova unidade, de modo a atender a todas as condições legais previstas na Lei nº 7.210/84 (Lei de Execuções Penais), bem como a solucionar os problemas indicados pelas equipes de inspeção sanitária, Corpo de Bombeiros Militar e CREA na documentação que instrui os presentes autos, sob pena de cominação de multa.'
Como claramente se observa, o pleito para a adoção de medidas materiais de reforma ou construção não desconsiderou a necessidade de previsão orçamentária dessas obras, de modo que não há falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei 4.320/64." (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1389952 2013.01.92671-0, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:07/11/2016 ..DTPB:.)
Assim, segundo a jurisprudência do STJ, é cabível - em situações excepcionais - que o Poder Judiciário determine ao Poder Legislativo a inclusão de uma dada despesa na lei de orçamento anual, questão que possui, como relatei, alguns aspectos melindrosos."
Quando se cuida de eventual condenação da Fazenda Pública ao pagamento de quantia certa, isso implica a imposição de que despesas determinadas sejam registradas na lei orçamentária anual, por força do art. 100, CF e art. 67 da lei n. 4.320, de 1964. De modo semelhante, quanto o Poder Judiciário condena a União Federal ou autarquias federais ao cumprimento de obrigação de fazer, em princípio, é incumbência de tais entes adotarem as medidas pertinentes à afetação de recursos para adimplemento das obrigações ou efetivação dos devedores respectivos.
A tanto converge a análise da prof. Odete Medauer, quando sustenta: “O controle jurisdicional não incide sobre um programa governamental num setor determinado, nem sobre diretrizes gerais em certa matéria. A manifestação judicial se realiza, de regra, sobre atuações ou omissões específicas, pontuais. Assim, por exemplo, faltaria competência ao Judiciário para apreciar a diretriz política de prever, na peça orçamentária, mais recursos para obras públicas do que para o atendimento hospitalar da população carente; ou a diretriz de prever mais recursos para um avião presidencial do que para o fornecimento de remédios contra a Aids; ou a diretriz de reduzir impostos em determinado setor produtivo, para fomentá-lo, e aumentar em outros setores. No caso de percentuais de alocação de recursos, previstos na Constituição ou demais normas, cabe sim ao Poder Judiciário apreciar seu cumprimento, inclusive no tocante à inclusão, nestes percentuais, de itens impróprios. Mesmo neste último caso, não se trataria exatamente de uma política pública, mas de cumprimento de uma regra impositiva de previsão e alocação de recursos em certa matéria (educação, saúde etc.) ou da interpretação de itens que comporiam recursos para a educação, por exemplo” (MEDAUAR, Odete. Políticas públicas ambientais: estudos em homenagem ao Professor Michel Prieur. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009. p. 222-223).
2.29. VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL:
Sabe-se que a Lei Maior veda, de modo implícito, o retrocesso social. Uma vez instituído um determinado Estado Constitucional, ele não poderia regredir em termos de direitos fundamentais. Segundo Gomes Canotilho, qualquer ação que vise revogar direitos fundamentais já regulamentados, sem a criação de meios compensatórios, é inconstitucional. (CANOTILHO, J.J Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 336)
Ainda segundo Canotilho, “os direitos sociais e económicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A “proibição de retrocesso social” nada pode fazer contra as recessões e crises económicas (reversibilidade fáctica), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestação de saúde), em clara violação do princípio da proteção e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjectivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação do núcleo essencial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada justiça social.” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 Ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 338-339).
Atente-se ainda para a avaliação de Ingo Sarlet: "verifica-se que a proibição de retrocesso, mesmo na acepção mais estrita aqui enfocada, também resulta diretamente do princípio da maximização da eficácia de (todas) as normas de direitos fundamentais. Por via de consequência, o artigo 5º, § 1º, da nossa Constituição, impõe a proteção efetiva dos direitos fundamentais não apenas contra a atuação do poder de reforma constitucional (em combinação com o artigo 60, que dispõe a respeito dos limites formais e materiais às emendas constitucionais), mas também contra o legislador ordinário e os demais órgãos estatais (já jurídica e a proteção da confiança), que, portanto, além de estarem incumbidos de um dever permanente de desenvolvimento e concretização eficiente dos direitos fundamentais (inclusive e, no âmbito da temática versada, de modo particular os direitos sociais) não pode – em qualquer hipótese – suprimir pura e simplesmente ou restringir de modo a invadir o núcleo essencial do direito fundamental ou atentar, de outro modo, contra as exigências da proporcionalidade." (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11 ed. Porto Alegre; Livraria do Advogado, 2012. p. 405).
Ainda segundo Ingo Wolfgang Sarlet, segue:
“(...) cada vez mais constata-se a existência de medidas inequivocamente retrocessivas que não chegam a ter caráter propriamente retroativo, pelo fato de não alcançarem posições jurídicas já consolidadas no patrimônio de seu titular, ou que, de modo geral, não atingem situações anteriores. Assim, por paradoxal que possa parecer à primeira vista, retrocesso também pode ocorrer mediante atos com efeitos prospectivos. Basta lembrar aqui da hipótese – talvez a mais comum em se considerando as referências feitas na doutrina e jurisprudência – da concretização pelo legislador infraconstitucional do conteúdo e da proteção dos direitos sociais, especialmente (mas não exclusivamente) na sua dimensão positiva, o que nos remete diretamente à noção de que o conteúdo essencial dos direitos sociais deverá ser interpretado (também!) no sentido dos elementos nucleares do nível prestacional legislativamente definido, o que, por sua vez, desemboca inevitavelmente no já anunciado problema da proibição de um retrocesso social. (...)
Nesse contexto, poder-se-ia indagar a respeito da possibilidade de desmontar-se, parcial ou totalmente (ainda com efeitos prospectivos), (...) a flexibilização dos direitos e garantias dos trabalhadores, entre tantas outras hipóteses que aqui poderiam ser referidas a título ilustrativo e que bem demonstra o quanto tal problemática nos é próxima e está constantemente na ordem do dia. Desde logo, à vista do que foi colocado, nos parece dispensar maiores considerações o quanto medidas tomadas com efeitos prospectivos podem representar um grave retrocesso, não apenas (embora também) sob a a ótica dos direitos de cada pessoa considerada em sua individualidade, quanto para a ordem jurídica como um todo.” (SARLET, Ingo Wolfgang. Obra citada. p. 398)
Destaco, de partida, não ser dado a magistrados não eleitos pelo povo promover uma análise fundada em critérios de conveniência e oportunidade, substituindo-se aos legisladores. Isso seria agressivo ao postulado da maioria, consagrado pelo art. 1º, parágrafo único, Constituição e ao postulado da Separação de Poderes. A análise deve ser promovida com lastro em argumentos analítico-conceituais, confrontando a EC 103 com normas verbalizadas pela própria Lei Fundamental, e hauridas por meio de hermenêutica fundamentada do seu texto.
Tanto por isso, aludidas opções políticas devem ser debatidas na arena própria - o Congresso Nacional -, exceto quando sejam manifestamente inconstitucionais, por violação a cláusulas pétreas ou por vícios procedimentais, quando se cuida de emenda constitucional, como é o caso discutido neste processo. Convém repisar que não há direito adquirido a regime jurídico, razão pela qual o Congresso Nacional pode modificar as regras para a aposentação por invalidez, atingindo quem já figura como servidor e também aqueles que venham a ser contratados dali por diante.
Sem dúvida que, conforme o grau de alterações envolvidas, há necessidade de regras de transitação, enquanto projeção do próprio princípio da proporcionalidade, inerente à restrição de direitos fundamentais. Todavia, aludidas regras de transição - fundadas em juízos de eficiência, relevância, utilidade - devem ser deliberadas pelo próprio Congresso Nacional, não sendo dado ao Poder Judiciário elaborar leis substitutivas, salvo eventual reconhecimento de inconstitucionalidade.
Tenho em devida conta, é fato, o alcance do art. 26 do Pacto de San Jose da Costa Rica: "Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica etécnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos quedecorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura,constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo deBuenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meiosapropriados."
Aludida norma impõe que o Estado avance na tutela de direitos fundamentais do seu povo e das demais pessoas que se encontrem em seu território. A vedação de retrocesso social não pode ser confundida com retrocesso individual. Isso significa que o Estado deve assegurar direitos fundamentais a todos, no limite dos recursos existentes, mas sem prejuízo da sua aptidão para modificar regras de aposentadorias, adequando despesas a receitas, como é exigido de qualquer administrador precavido.
"Em verdade, como já sinalizado, o que está em causa são intervenções restritivas de direitos fundamentais sociais e dos trabalhadores, que devem ser submetidas a rigoroso controle de sua legitimidade constitucional mediante recurso aos diversos instrumentos que o sistema jurídico-constitucional disponibiliza, desde a necessidade de criteriosa justificação de sua necessidade e finalidade, a observância das reservas de lei incidentes na espécie, das exigências da proporcionalidade e da segurança jurídica, incluindo a proteção da confiança legítima (esta, por sua vez, também aplicada com a devida proporcionalidade), bem como, por derradeiro, da salvaguarda do núcleo essencial, o que, por sua vez, igualmente há de ser aferido em cada caso, com particular atenção, na esfera dos direitos sociais dos trabalhadores, para a preservação de todas as exigências de um direito fundamental ao trabalho digno , que, sendo um direito fundamental em sentido amplo, decodifica-se em um conjunto de direitos defensivos e prestacionais dos trabalhadores.” (SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos dos trabalhadores como direitos fundamentais e a sua proteção na constituição federal brasileira de 1988. In: VIANA, Márcio Túlio; ROCHA, Cláudio Jannoti da. Como aplicar a CLT à luz da constituição: alternativas para os que militam no foro trabalhista. São Paulo: LTr, 2016, p. 35)
Note que a "a Nichtumkehrbarkeitstheorie ou teoria da irreversibilidade, desenvolvida por Konrad partiria da afirmação de que não se pode induzir o conteúdo substantivo da vinculação social do Estado diretamente da Constituição, mas uma vez produzidas as regulações, uma vez realizada a conformação legal ou regulamentar deste princípio, as medidas regressivas afetadoras destas regulações seriam inconstitucionais, ou seja, haveria uma irreversibilidade das conquiestas sociais alcançadas." (NETTO, Luísa Cristina Pinto. O princípio de proibição de retrocesso social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 101-102).
Isso significa que nem toda redução de proventos de aposentadoria - respeitados os direitos adquiridos - poderá ser tomada de uma expressão de retrocesso social. Isso depende da demonstração de que, de fato, com a medida o mínimo existencial estaria sendo agredido. Tenha-se em conta que quase toda alocação de recursos enseja direitos para alguns, deveres para outros. A vedação do retrocesso social não é uma espécie de "Ótimo de Pareto", pela qual o Estado apenas poderia promover reformas sem alterar as vantagens já conquistadas por alguns. A questão parece gravitar mais em torno do postulado do "Kaldor–Hicks improvement" (um mecanismo que trata de compensações possíveis), impondo-se um exame a respeito da garantia de direitos fundamentais da comunidade política como um todo.
Deve-se apurar se a reforma sacrifica parcela da população, a ponto de suprimir-lhes condições mínimas de efetivação dos seus direitos fundamentais:
"Além disso, nunca é demais recordar que a proporcionalidade haverá de incidir na sua dupla dimensão como proibição do excesso e de insuficiência, além de, nesta dupla acepção, atuar sempre como parâmetro necessário de controle dos atos do poder público, inclusive dos órgãos jurisdicionais, igualmente vinculados pelo dever de proteção e efetivação dos direitos fundamentais. Isto significa, em apertadíssima síntese, que os responsáveis pela efetivação de direitos fundamentais, inclusive e especialmente no caso dos direitos sociais, onde a insuficiência de proteção e promoção (em virtude da omissão plena ou parcial do legislador e administrador) causa impacto mais direto e expressivo, deverão observar os critérios parciais da adequação (aptidão do meio no que diz com a consecução da finalidade almejada), necessidade (menor sacrifício do direito restringido) e da proporcionalidade em sentido estrito (avaliação da equação custo-benefício – para alguns, da razoabilidade no que diz com a relação entre os meios e os fins), respeitando sempre o núcleo essencial do (s) direito (s) restringido (s), mas também não poderão, a pretexto de promover algum direito, desguarnecer a proteção de outro (s) no sentido de ficar aquém de um patamar minimamente eficiente de realização e de garantia do direito.” (SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais como direitos fundamentais: contributos para um balanço aos vinte anos de Constituição Federal de 1988. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, 20 Anos de Constitucionalismo Democrático – E Agora? Porto Alegre-Belo Horizonte, 2008)
O ponto é que a vedação do retrocesso social não interdita reformas, dado que - não raro - são necessárias justamente para que a implementação dos direitos fundamentais se dê de modo mais efetiva. A questão está sempre em saber se, com a medida, o conjunto de direitos fundamentais teria se ganhado maior concretude, no contexto dos fatos. O STF tem enfatizado que a vedação de retrocesso social não interditaria modirações no sistema normativo:
ADICIONAL DE PERICULOSIDADE – BASE DE CÁLCULO – ALTERAÇÃO. Ausente parâmetro de controle a estabelecer patamar mínimo alusivo ao adicional de periculosidade, surge constitucional ato normativo mediante o qual alterada base de cálculo. NORMA INFRACONSTITUCIONAL – PARÂMETRO DE CONTROLE ESTRITO – VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL – IMPROPRIEDADE. Tendo em conta avanço na tutela de direitos mediante norma infraconstitucional, é impróprio, considerado tratamento estrito dado à matéria pela Constituição Federal, potencializar o princípio da vedação ao retrocesso social, a ponto de, invertendo a ordem natural, transformar em cláusula pétrea legislação ordinária ou complementar. (STF - ADI: 5013 DF, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 24/08/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 16/11/2020)
Com efeito, segundo enfatizou o STF, o postulado da vedação do retrocesso não teria o condão de converter em cláusulas pétreas normas veiculadas em legislação infraconstitucional, sob pena de se sacrificar o próprio processo legislativo, com a indispensável necessidade de adequação da estrutura às crises de conjuntura, para além da modificação da percepção dos fatos ou mesmo modificação dos valores coletivos. Enfim, a vedação do retrocesso social - conquanto seja relevante - não pode se degradar em uma espécie de mantra retórico que assegure ao Poder Judiciário simplesmente desconsiderar opções promovidas pelo Congresso.
Tampouco se coloca em causa, na espécie, a irredutibilidade de vencimentos. Como é sabido, "A garantia da irredutibilidade de vencimentos tradicionalmente constituiu prerrogativa dos magistrados e membros dos Tribunais de contas, e até hoje a garantia subsiste, ao lado da vitaliciedade e na inamovibildiade (art. 93, I a III e art. 73, §3º, CF). A Constituição de 1988, no art. 37, XV, dando uma guinada de cento e oitenta graus em relação ao entendimento então dominante no Direito Administrativo, que consistia em admitir-se a redução de vencimentos de servidores sujeitos ao regime estatutário, estendeu a mesma garantia aos servidores públicos em geral, sejam eles sujeitos ao regime estatutário (cargos públicos), sejam regulados pela legislação trabalhista (emprego público). A garantia estende-se também a cargos em comissão e funções gratficadas, como acertamente já decidiu o STF." (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual e de direito administrativo. 24. ed. amp. atual. RJ: Lumen Juris, 2011, p. 681).
Contudo, note-se que "O sentido da irredutibilidade não é absoluto. Protege-se o servidor apenas contra a redução direta dos seus vencimentos, i.e., contra a lei ou qualquer outros ato que pretenda atribuir ao cargo ou à função decorrente de emprego público importância inferior à que já estava fixada ou fora contratada anteriormente. Contudo, os Tribunais já pacificaram no sentido de que não há proteção contra redução indireta, assim considerada aquela em que: a) o vencimento não acompanha pari passu a inflação; b) o vencimento nominal sofre redução em virtude da incidência de impostos. Nessa linha, aliás, o art. 37, XV, CF, ressalva expressamente os arts. 150, II, 153, III e 153, §2º, I, que retratam respectivamente o princípio da igualdade dos contribuintes, a incidência do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e os critérios de generalidade e progressividade, inerentes ao referido tributo." (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Obra cit. p. 682).
"A garantia constitucional da irredutibilidade do estipêndio funcional traduz conquista jurídico-social outorgada, pela Constituição da República, a todos os servidores públicos (CF, art. 37, XV), em ordem a dispensar-lhes especial proteção de caráter financeiro contra eventuais ações arbitrárias do Estado. Essa qualificada tutela de ordem jurídica impede que o Poder Público adote medidas que importem, especialmente quando implementadas no plano infraconstitucional, em diminuição do valor nominal concernente ao estipêndio devido aos agentes públicos. A cláusula constitucional da irredutibilidade de vencimentos e proventos – que proíbe a diminuição daquilo que já se tem em função do que prevê o ordenamento positivo (RTJ 104/808) – incide sobre o que o servidor público, a título de estipêndio funcional, já vinha legitimamente percebendo (RTJ 112/768) no momento em que sobrevém, por determinação emanada de órgão estatal competente, nova disciplina legislativa pertinente aos valores pecuniários correspondentes à retribuição legalmente devida." (ADI 2.075 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 7-2-2001, P, DJ de 27-6-2003)
2.30. POSTULADO DA LEGALIDADE:
Atualmente, tem havido uma profusão de normas veiculadas em portarias, circulares e quejandos. Isso se explica pela necessidade de freqüentes adaptações da estrutura estatal às perturbações conjunturais. Exige-se um quadro flexível o suficiente, que permita adequações de rota, frente a eventuais crises internacionais, por exemplo.
Não raras vezes, isso suscita debates a respeito da legitimidade de tais dispositivos; afinal de contas, como sabido, ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF). O poder emana do povo por meio dos seus representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único, CF) e a Administração Pública apenas pode fazer aquilo que lhe tenha sido expressa e detalhadamente franqueado em lei.
Paulo Affonso Leme Machado sustenta, por exemplo, não haver grandes embaraços a que a Administração Pública regulamente, por meio do Poder Executivo, quais seriam as condutas rotuladas como infração administrativa: "Infração administrativa ambiental é toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente (art. 70, caput). As regras jurídicas deve estar expressas em algum texto, devidamente publicado. O autor de infração ambiental deverá apontar a regra jurídica violada. 'Ao contrário do Direito Penal, em que a tipicidade é um dos princípios fundamentais, decorrente do postulado segundo o qual não há crime sem lei que o preveja, no Direito Administrativo prevalece a atipicidade; são muito poucas as infrações descritas na lei, como ocorre com o abandono do cargo' - ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro." (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21. ed. SP: Malheiros, 2013, p. 372)
Essa observação deve ser examinada com temperamentos, eis que o postulado da legalidade autorizativa, previsto no art. 37 da Lei Fundamental/88, também vigora nesse âmbito, reitere-se. A Administração Pública pode fazer o que está autorizada em lei. Paulo de Bessa Antunes argumenta, em sentido contrário, que "existe uma clara natureza bifronte no que diz respeito às infrações administrativas de índole ambiental: (i) expressão previsão legal e (ii) remissão às normas administrativas, em fórmula geral, como é o caso do art. 70 da lei 9605/1998. A matéria será tratada mais adiante, especialmente no que diz respeito ao duplo sistema, o qual, em meu modo de ver, carece de sustentação constitucional." (ANTUNES, Paulo. Direito ambiental. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 268).
Ainda segundo aquele autor, "As normas que estabelecem os ilícitos administrativos praticados contra o meio ambiente são, a toda evidência, normas restritivas da ação privada, haja vista que definem condutas puníveis, cerceando a liberdade de terceiros. Não se discute da necessidade de estabelecer limites à atividade particular com vistas a garantir a salubridade ambiental. O ponto de discussão está no método utilizado para a definição das restrições. O decreto n. 6514/2008, a partir de uma suposta autorização genérica contida no art. 70 e ss. da lei 9605/1998 simplesmente repetiu, em grande parte, os tipos penais existentes na lei e atribuiu-lhes a condição de tipos administrativos." (ANTUNES, Paulo de Bessa. Obra citada, p. 272).
Ainda que tais obras versem sobre a temática ambiental, a lógica é em tudo aplicável no âmbito da intervenção econômica como um todo. Vê-se que o tema envolve alguma polêmica. Convém atentar também para a lição de Eduardo Salomão Neto e de Marçal Justen Filho a respeito desse tema:
"Qualquer disposição que autorizasse o exercício de competência regulamentar pelo CMN ou pelo BC, principalmente se tal exercício envolvesse a atribuição de direitos e obrigações a particulares, implicaria portanto delegação vedada de competência constitucional para legislar.
Devemos, no entanto, reagir a esse entendimento, como faz Eros Roberto Grau, argumentando, em resumo, que a função legislativa do Estado deve ser separada de sua função normativa. Norma jurídica seria, para ele, o preceito abstrato, genérico e inovador - tendente a regulamentar o comportamento social de sujeitos associados - que se integra no ordenamento jurídico.
A função normativa está distribuída pelo Estado como um todo, sendo necessário apenas que a Lei, em obediência ao preceito contido no art. 5º, II, da Constituição Federal, dê a autorização necessária para que essa função se exerça. Sendo a função normativa uma das funções originárias do poder Executivo, a autorização legislativa para exercê-la não implicaria delegação, mas mera condição para esse exercício.
De fato, embora o sentido do artigo 5º, II, da Constituição Federal não seja que todas e quaisquer obrigações devam estar em normas legais, implica esse dispositivo, todavia, que toda e qualquer obrigação tenha um fundamento legal. Em outras palavras: para que seja válida, toda e qualquer obrigação deve poder encontrar numa norma legal (e não regulamentar) o seu fundamento de validade. Assim nos parece deva ser entendida a expressão em virtude de lei contida no dispositivo constitucional em questão." (SALOMÃO NETO, Eduardo. Direito Bancário. Atlas, p. 104-105)
"Em síntese, o exercício da competência legislativa pode traduzir-se em duas modalidades de disciplina normativa, relativamente à margem de autonomia reconhecida à autoridade pública encarregada da atividade de aplicação da norma. A Lei poderá optar por disciplinar completa e exaustiva, em que todos os pressupostos de incidência e todos os ângulos do comando normativo estão previamente determinados, de modo abstrato, através de lei. Quando assim se formaliza a disciplina legislativa, alude-se à configuração de uma competência vinculada do aplicador à lei.
Mas também se admite que a Lei adote disciplina que deixa margem para maior autonomia do seu aplicador. Nesses casos, um ou mais dos pressupostos de incidência da norma ou uma ou mais das determinações mandamentais não estão disciplinadas de modo exaustivo através da Lei. Atribui-se ao aplicador a competência para identificar os pressupostos ou determinar os comandos normativos para o caso concreto. Nesse caso, surge para o aplicador da Lei uma competência discricionária. A delegação normativa secundária, a que ora se refere, identifica-se com a atribuição de competência discricionária." (JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, p. 513)
Transcrevo, ademais, a conclusão da obra de Fabrício Motta, conquanto o excerto seja extenso:
"a) Existem bases para o reconhecimento da função normativa da Administração Pública no ordenamento jurídico brasileiro?
O ordenamento jurídico brasileiro admite o exercício de função normativa pelos órgãos e entidades que compõem a Administração Pública. Deve-se relembrar que a função normativa pode ser compreendida como gênero que abrange as espécies função legislativa e função normativa em sentido estrito.
Nesse sentido, o ordenamento contempla a possibilidade de edição de normas distintas da lei editada pelo Poder Legislativo. Essa possibilidade não afronta o princípio constitucional da legalidade, desde que considerado na acepção ampliada, adequada ao estágio do Estado Constitucional. Na acepção proposta, o princípio deve ser encarado em sintonia com os demais princípios constitucionais, de forma a reconhecer-lhes normatividade. A consideração da legalidade em acepções restritas a transformaria em mero sinônimo de reserva legal, a qual é apenas uma das suas dimensões.
Desta maneira, a Administração encontra-se vinculada a todo o ordenamento, sobretudo à Constituição da República, em diferentes intensidades e formas. O fundamento imediato de qualquer ato ou ação da Administração nesse sentido pode se encontrar na própria Constituição, não só na lei.
Os atos normativos editados pela Administração Pública possuem generalidade e abstração em variadas intensidades, não sendo possível identificar à moda tudo ou nada. Da mesma maneira, a integração destes atos ao ordenamento e a extensão e aplicabilidade de seus efeitos são variáveis, muito embora seja sempre possível e necessário aferr a incorporação da fonte responsável pela sua edição.
b) Como a resposta foi afirmativa: b.1.) qual seu fundamento, sua relevância, suas possibilidades e seus limites?
O fundamento da função normativa da Administração não é unívoco. Com efeito, existem competências normativas previstas explicitamente pela Constituição: regulamento, decreto autônomo, competência derivada a autonomia, competência atribuída a órgãos despidos de autonomia, mas com função normativa, atos normativos derivados de segundo grau. Outras competências são previstas explicitamente pela lei, que incumbe a Administração de elaborar ato normativo secundário, subordinado à mesma lei, para tratar de determinado assunto. Nesta situação, esses atos deverão obedecer aos parâmetros legalmente estabelecidos. A obediência aos princípios constitucionais também é imperativa, inclusive na ausência de parâmetros legais claros.
Em outras situações, o ordenamento admite o exercício implícito da função normativa. A existência de competências implícitas é creditada, sobretudo, à força normativa da Constituição e à vinculação direta da Administração aos seus preceitos, acenando, inclusive, para a possibilidade de aplicação direta da mesma, sem intermediação legislativa, em algumas hipóteses.
Em determinadas situações específicas, é possível reconhecer com maior nitidez a irrupção da competência normativa implícita:
a) o princípio da segurança jurídica exige que seja previamente fixada, quando possível - e levada ao conhecimento do público - a acepção conferida pela Administração a um conceito de menor densidade, a priori indeterminado. Esta fixação deve ser feita por meio de atos normativos, que não somente terão a função informativa para o particular como, sobretudo, direcionarão e vincularão a atividade dos órgãos e agentes subordinados, evitando aplicações diferenciadas do ordenamento;
b) como a Administração pode estar obrigada a agir em razão de imposições extraídas diretamente dos princípios constitucionais, a edição de ato normativo pode ser necessária para que o cidadão tenha, antecipadamente, ciência das posições da Administração e possa, com isso, programar suas condutas.
c) o procedimento, gênero que compreende a espécie processo, funciona como garantia constitucional, assegurando a regularidade e a racionalidade do poder estatal. É interessante, em particular, a função do procedimento de sistematizar as atuações administrativas, mediante o estabelecimento de diretrizes-padrão para a condução das atividades. Em diversos casos, pode ser necessária a edição de ato normativo para disciplinar o procedimento. ESsa necessidade pode ou não ser observada em virtude do risco de normatização excessiva, que afrontaria os princípios da segurança jurídica e da eficiência administrativa. O exercício da função normativa será obrigatório, conduto, quando existir risco de afronta ao princípio constitucional de isonomia, e quando for necessário à eficácia de algum direito fundamental.
d) no exercício os poderes conferidos em razão de relações hierárquicas, existe a possibilidade jurídica de emanar comandos vinculados a todos os órgãos subordinados, específicos para uma situação concreta ou de aplicação generalizada e abstrata, mediante a expedição de atos normativos. A existência de relação hierárquica deve ser verificada em cada caso, mediante observação do ordenamento. A necessidade de organização, conduto, não se restringe às hipóteses em que existe relação de hierarquia. Em outras situações, é possível identificar a necessidade de organizar as atividades administrativas, mediante a edição de atos normativos, para que seja possível alcançar as finalidades estabelecidas pelo ordenamento.
Os limites impostos aos atos normativos existem, sobretudo, em razão da organização escalonada do ordenamento. Com efeito, deve-se verificar em qual degrau hierárquico se posiciona o ato editado, para, então, observar quais atos lhe serão superiores. Na maioria das situações, com exceção das situações em que o ato fundar-se explicitamente na Constituição, será aplicada a preferência da lei. Em qualquer caso, por imposição do conteúdo material do princípio da legalidade, não se admite que o teor da norma afronte regras e princípios constitucionais." (MOTA, Fabrício. Função normativa da Administração Pública. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 256-260)
O Poder Executivo possui, destarte, certa atribuição normativa, como bem explicita Fabrício Mota. Não obstante, é igualmente certo que, segundo a Constituição, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, II, CF), de modo que aludidos decretos não podem ganhar foros inovadores (decretos autônomos), sob pena de deturpação do art. 37, CF.
2.31. PODER DE POLÍCIA - exercício concorrente:
Convém ter em conta, ademais, que "O fato de um empreendimento ou atividade estar em processo de licenciamento num determinado órgão ambiental não afasta o poder de polícia dos demais. Assim, caso se configure que um órgão licenciador é inepto ou permanece inerte ou omisso, a qualquer tempo, outro pode exercer a fiscalização sobre a atividade ou obra (não sobre o órgão em questão), autuando e promovendo a apuração da infração por meio do processo administrativo próprio." (TRENNEPOHL, Curt; TRENNEPOHL, T. Obra citada. ed. eletrônica. RB - 2.2.). Com efeito, “o fato de o pedido de licenciamento ambiental estar em trâmite junto à Secretaria do Meio Ambiente do Distrito Federal – SEMARH, não retira a competência do Ibama para exercer o seu poder de polícia sobre atividades potencialmente poluidoras." (TRF1, Processo 200334000003628, 5ª T., j. 13.12.2004, rel. Selene Maria de Almeida).
Conquanto também haja entendimento contrário - por exemplo, BEZERRA, Luiz Gustavo Escorcio; GOMES, Gedham Medeiros. Lei complementar no 140/11 e fiscalização ambiental: o delineamento do princípio do licenciador sancionador primário. Revista de Direito da Cidade. Rio de Janeiro: UERJ, v. 09, n. 4, p. 1753 -, os Tribunais assentaram o entendimento de que "A competência do IBAMA para atuar em casos de atividade com potencialidade de causar significativa degradação ambiental, em face de omissão do Município, decorre da atuação supletiva prevista no art. 10, parágrafo 3º, da Lei nº 6.938/81, bem como dopróprio art. 23 da Constituição Federal, que atribui competência material concorrente de todos os entes da Federação para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas." (AC 00022208120104058200, Desembargador Federal Geraldo Apoliano, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::06/02/2013 - p. 222.)
Atente-se ainda para o seguinte julgado do STJ:
PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - AMBIENTAL - MULTA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES COMUNS - OMISSÃO DE ÓRGÃO ESTADUAL - POTENCIALIDADE DE DANO AMBIENTAL A BEM DA UNIÃO - FISCALIZAÇÃO DO IBAMA - POSSIBILIDADE. 1. Havendo omissão do órgão estadual na fiscalização, mesmo que outorgante da licença ambiental, pode o IBAMA exercer o seu poder de polícia administrativa, pois não há confundir competência para licenciar com competência para fiscalizar. 2. A contrariedade à norma pode ser anterior ou superveniente à outorga da licença, portanto a aplicação da sanção não está necessariamente vinculada à esfera do ente federal que a outorgou. 3. O pacto federativo atribuiu competência aos quatro entes da federação para proteger o meio ambiente através da fiscalização. 4. A competência constitucional para fiscalizar é comum aos órgãos do meio ambiente das diversas esferas da federação, inclusive o art. 76 da Lei Federal n. 9.605/98 prevê a possibilidade de atuação concomitante dos integrantes do SISNAMA. 5. Atividade desenvolvida com risco de dano ambiental a bem da União pode ser fiscalizada pelo IBAMA, ainda que a competência para licenciar seja de outro ente federado. Agravo regimental provido. (STJ - AgRg no REsp: 711405 PR 2004/0179014-0, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 28/04/2009, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: 20090515 --> DJe 15/05/2009)
2.32. LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA:
Discute-se se a chamada lei da liberdade econômica - lei 13.874, de 20 de setembro de 2019 - seria aplicável à temática ambiental. A vingar resposta positiva, isso pode implicar inúmeras consequências sobre o licenciamento, com destaque para o alegado deferimento de licença por decurso de prazo (art. 3º, IX).
O fato é que o art. 1º da referida lei não menciona o Direito Ambiental; enquanto que o seu §3º não o veicula como exceções. Isso pode ensejar dúvidas quanto ao tema. De todo modo, a solução mais adequada à Constituição é a de reputar inaplicáveis tais diretrizes nesse âmbito. O art. 3º, II, "a", da lei 13.874 dispõe expressamente que as normas de direito ambiental devem ser respeitadas - como não poderia deixar de ser - para o exercício de atividades econômicas.
O fato é que a figura do "silêncio administrativo" - caso convertido em aceitação tácita - implicaria violação aos postulados da precaução e da prevenção ambiental. Na dúvida quanto ao seu potencial lesivo, o empreendimento não pode ser levado a efeito, por imposição constitucional (art. 225, Constituição/88). E lei 13.984 não dispõe de autoridade suficiente para suplantar tal opção.
Como explicita Paulo Affonso Leme Machado, “A inação de funcionários ou de servidores públicos não pode instaurar o regime de libertinagem na sociedade. Seria muito fácil provocar essa inércia administrativa, onde ninguém diria seu posicionamento, para que quaisquer empreendimentos se sentissem licenciados ou autorizados. Acentue-se que a impossibilidade da licença, por decurso de prazo, não torna os servidores públicos isentos de crime, pois poderão ser incriminados como incursos no art. 139 do Código Penal – crime de prevaricação." (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 27. ed. SP: Malheiros, 2020. p. 340).
Conquanto o empreendedor faça jus à duração razoável do processo (art. 5, LXXVIII, CF), o eventual decurso dos prazos estipulados na legislação ambiental não implica aprovação automática de projetos, de modo que a norma do art. 3º, IX, da lei n. 13.874/2019 não pode ser aplicada nesse âmbito. Note-se que mesmo no âmbito do Projeto de Lei n° 2159, de 2021 - orientado a regrar o licenciamento ambiental - rechaça a aprovação tácita de pedidos (art. 43, §3º). Destaque-se que, a vingar aludido projeto de lei, eventual demora na apreciação do pedido de licenciamento pode dar ensejo, conforme o caso, à competência supletiva, aludida no art. 14 da lei complementar 140, de 2011.
Por outro lado, vale a pena atentar para a Resolução n. 51, de 12 de junho de 2019, do Comitê para Gestão da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – CGSIM, ao buscar identificar as atividades de baixo risco ambiental, para dispensá-las de prévia franquia estatal, na forma do art. 3º da Medida Provisória n. 881, de 2019, convertida na mencionada lei n. 13.874, de 2019. Essa Res. 51 acabou por relacionar, porém, atividades que se encontrariam submetidas ao licenciamento ou obrigadas à inscrição no cadastro técnico federal, a exemplo do comércio varejista de materiais de construção. Essa simplificação revela-se inválida, quando em causa atividade com significativo potencial lesivo para o ambiente.
Essa resolução 51 acabou por dispensar, quanto às atividades relacionadas no seu anexo, a empresa de obter o licenciamento como requisito para seu funcionamento (art. 2º, XII). Em alguns casos, faz isso de modo indevido. Já o Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental PLS 2.159/21 - Senado foi criticado por não ter previsto uma avaliação ambiental estratégica (AAE), de modo que isso acabaria por enfraquecer a proteção da natureza.
Note-se que a AAE vinha prevista na Resolução n. 01, de 23 de janeiro de 1986, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, estabelecendo balizas para a elaboração dos estudos de impacto ambiental. Exige-se, assim, uma avaliação conglobante - tendo tudo em conta - dos riscos ambientais envolvidos em um determinado empreendimento.
2.33. ATIVIDADES POLUIDORAS:
O fato é que todos os estabelecimentos, obras ou atividades que empreguem recursos naturais - ou aqueles que sejam efetiva ou potencialmente lesivos ao ambiente - somente podem operar mediante prévia licença ambiental, conforme art. 225, Constituição. Não apenas isso, tais atividades também devem ser inscritadas no Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental, conforme art. 9º, VIII, da lei n. 6.938, de 1981. A prática de tais atividades pode dar ensejo, ademais, à incidência da taxa de controle e fiscalização ambiental - TCFA (lei 10.165/2000).
Com a redação dada pela MP 687/15, o anexo VIII da lei 6.938/81 relaciona as atividades potencialmente poluidoras para fins de ensejar o pagamento da TCFA, com classificação do grau de utilização e do potencial poluidor. "É importante atentar que a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA não está vinculada à competência para o licenciamento ambiental, Independentemente de o licenciamento da atividade ser procedido pelo IBAMA, pelo órgão estadual ou mesmo municipal." (TRENNEPOHL, C; TRENNEPOHL, T. Obra citada. RB - 5.2). Na forma do art. 17-Q da lei n. 6.938/1981, os Estados-membros podem celebrar convênios com o IBAMA, a fim de exercerem fiscalização ambiental em determinadas atividades , a fim de receberem parcela de valores recolhidos a título de TCFA, exigível trimestralmente, conforme valores previstos na Portaria Interministerial no 812, de 29 de setembro de 2015.
Para os fins indicados no art. 17 da lei n. 6.938/1981, o IBAMA publicou a Instrução Normativa no 10, de 27 de maio de 20133, listando as atividades submetidas ao cadastro técnico federal.
Por meio da Instrução Normativa n. 26, 09 de dezembro de 2019, o IBAMA instituiu o Sistema de Gestão do Licenciamento Ambiental Federal – SisG-LAF, prevendo que deverão ser processados, no seu âmbito, os pedidos de licenças, emissão de termos de referência, apresentação de documentos, em atendimento às requisições administrativas. Os pareceres técnicos hão de ser lançados no referido sistema, de forma a serem disponibilizados aos interessados.
2.34. PRECAUÇÃO E POLUIDOR-PAGADOR:
Note-se, ademais, que a reparação de danos ambientais se dá com certas peculiaridades, impondo-se um exame mais detido sobre a questão. Sabe-se que os modelos tradicionais de responsabilização civil têm se revelado insuficientes para a efetiva tutela do ambiente, diante de uma sociedade industrializada e consumista, com imensa capacidade de degradação do meio.
Impõe-se, tanto por isso, que se busque a construção de um efetivo Estado de Direito Ambiental, versado por Vicente Bellver Capella, quando sustenta que "Neste marco surge o que temos chamado de Estado Ambiental, que poderíamos definir como a forma de Estado que se propõe a aplicar o princípio da solidariedade econômica e social para alcançar um desenvolvimento sustentável, orientado a buscar a igualdade substancial entre os cidadãos, mediante o controle jurídico do uso racional do patrimônio natural." (CAPELLA, Vicente Bellver. Ecologia: de las razones a los derechos. Granada: Ecorama. 1994. p. 248). Isso exige, por certo, uma redefinição das prioridades da comunidade política.
Não se pode perder de vista, ademais, o conhecido princípio da precaução, a orientar o exame dos temas na seara ambiental, consoante art. 15 da Decalração do Rio/1992 e art. 225, §1º, V, CF/1988. Segundo Marcelo Abelha Rodrigues, citado por Bessa Antunes, "Tem-se utilizado o postulado da precaução quando pretende-se evitar o risco mínimo ao ambiente, nos casos de incerteza científica acerca da sua degradação. Assim, quando houver dúvida científica da potencialidade do dano ao meio ambiente acerca de qualquer conduta que pretenda ser tomada (ex., liberação e descarte de organismo geneticamente modificado no meio ambiental, utilização de fertilizantes ou defensivos agrícolas, instalação de atividades ou obras etc.), incide o princípio da precaução para prevenir o ambiente de um risco futuro." (RODRIGUES citado por ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 32).
Enquanto o princípio da prevenção toca de perto à inibição de riscos já conhecidos - isto é, nexos de causalidade já percebidos em situações semelhantes -, o postulado da precaução cuida da evitação de riscos potenciais, ainda não confirmados e tampouco descartados, segundo a lógica de que é melhor evitar do que remediar. Aludido postulado exige, enfim, que certas condutas sejam evitadas, até que seus efeitos sejam devidamente aquilatados e dimensionados.
Dizem José Rubens Morato Leite e Patryck Ayala:
"Com efeito, não é possível conviver em nome da mínima segurança da coletividade, com catástrofes, a exemplo de Chernobil e outras, oriundas da sociedade de risco. Por isso, impõe-se a adoção do princípio da precaução na política ambiental e todos os outros setores interligados, como meio de comater prematuramente o perigo e a incerteza científica. Mais do que isto, o princípio da precaução, como estrutura indispensável ao Estado de Justiça Ambiental, busca verificar a necessidade de uma atividade de desenvolvimento e os potenciais riscos ou perigos desta. Parte-se dos pressupostos que os recursos ambientais são finitos e os desejos e a criatividade humana infinitos, exigindo uma relação através da precaução, se a atividade pretendida ou em execução, tem como escopo a manutenção dos processos ecológicos e de qualidade de vida. Os caminhos para uma efetiva implementação deste princípio passam por conflituosos dilemas que exigem respostas adequadas e atitudes decididamente mais direcionadas à proteção ambiental, como sinal de equidade ambiental com relação ao futuro. Talvez, a maior crítica que se possa fazer a esse princípio seja a dificuldade em se precisar o seu exato conteúdo, tendo, na verdade, sido mais invocado do que realmente colocado em prática." (LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. 6. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 59)
Ao postulado da precaução deve-se associar também o dever de reparação, eis que "de nada adiantariam ações preventivas se eventuais responsáveis por possíveis danos não fossem compelidos a executar seus deveres ou responder por suas ações. Assim, sob pena de falta de responsabilização, há necessidade de o Estado articular um sistema que traga segurança à coletividade. Sendim observa que o sistema de segurança é quebrado pelo dano ambiental e pela atual sociedade de risco, visto que se verifica a ausência de um sistema eficaz de compensação. A sociedade atual exige, portanto, que o poluidor seja responsável pelos seus atos, ao contrário que prevalecia no passado, quanto ao uso ilimitado dos recursos naturais e culturais." (LEITE, José; AYALA, Patryck de Araújo. Obra citada, p. 64).
Daí o relevo do chamado 'princípio do poluidor pagador' (polluter pays principle), a ensejar que as externalidades negativas sejam devidamente internalizadas nos custos do empreendedor. Cuida-se de postulado incorporado, já em 1987, no âmbito do direito comunitário europeu, conforme art. 130-R., aditado ao Tratado de Roma, encontrando, atualmente, amplo reconhecimento teórico. Trata-se de princípio orientado a desestimular a poluição, devendo ser interpretado como "não polua, senão pagarás!", ao invés do "pague e poderás poluir!" Isso significa que aludido postulado deve ser concebido como uma medida dissuasória da criação de riscos ambientais indevidos, com a internalização dos custos na atividade dos poluidores, mesmo quando atuem sem dolo ou imprudência (responsabilidade objetiva). A respeito do tema, leia-se ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa. O princípio do poluidor pagador: pedra angular dap olítica comunitária do ambiente. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. p. 136 e ss.
2.35. CONCEITO DE DANO AMBIENTAL:
Não se pode perder de vista que o ambiente se dá mediante um complexo conjunto de relações, cambiantes, imbricadas e contingentes. Importa dizer: o ambiente não é imutável, de modo que está submetido a contínuas alterações promovidas por fenômenos físicos, com projeção na estrutura química da matéria e nas relações entre seres vivos. Daí que é a própria noção de ecologia que indica a constante presença de impactos ambientais, com as mais distintas origens.
Ora, "Dano ambiental é uma expressão ambivalente, que designa, certas vezes, alterações nocivas ao meio ambiente e outras, ainda, os efeitos de tal alteração. Dano ambiental significa, em uma primeira acepçã, uma alteração indesejável ao conjunto dos elementos chamados meio ambiente, como, por exemplo, a poluição atmosférica; seria, assim, a lesão ao direto fundamental que todos têm de gozar e aproveitar do meio ambiente apropriado. Contudo, em uma segunda conceituação, dano ambiental engloba os efeitos que esta modificação geral na saúde das pessoas e em seus interesses." (LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Obra citada, p. 98).
No que toca às especificidades do dano ambiental, atente-se novamente para a lição de Morato Leite e Araújo Ayala, como transcrevo abaixo:
"1. O dano tradicional, conforme já dito, está ligado à pessoa e aos seus bens individuais, enquanto o ambiental é basicamente difuso, mas também pode gerar um dano ambiental reflexo, isso é, quando a lesão, além de atingir os componentes ambientais, incide nos indivíduos.
2. A lesão tradicional atinge a pessoa e sua personalidade, já o dano ambiental lesa primordialmente um interesse difuso e não exclusivo, mas sim um bem de uso comum pertencente a toda coletividade e que diz respeito à qualidade de vida.
3. A certeza é uma das características do dano tradicional, pois não há duvida de que a lesão ocorreu, sendo esta clara, definida e quase sempre visível. Por seu lado, a lesão ambiental pode ser incerta, pois muitas vezes é de difícil constatação. Como exemplo, tem-se a poluição atmosférica, que pode atingir o componente ambiental e as pessoas, mas denota uma incerteza quanto à sua concretude.
4. A lesão individual é sempre atual. Já a ambiental pode ser transtemporal e cumulativa, como exemplo tem-se o efeito estufa, a chuva ácida e muitos outros.
5. A lesão tradicional é subsistente, isto é, ela é permanente e clara. De outro lado, a lesão ambiental tem como característica ser gradativa, levando em consideração a causas e efeitos.
6. A anormalidade é característica da lesão interindividual. Já o dano ambiental pode decorrer de uma anormalidade, mas existe ou pode existir uma tolerância social do dano. O exemplo claro desta hipótese de tolerância social é o avião, que, como se sabe, polui bastante, mas não incide uma sanção de direito sobre essa atividade, pois a sociedade aceita ou tolera esta lesão.
7. A causalidade do dano tradicional é bem mais fácil de comprovação, pois existe facilidade de se apurar o liame de causalidade existente entre o autor e réu, basicamente por serem certos os envolvidos. No que tange à lesão ambiental, a imputação da causalidade é bem mais tormentosa, como se verá posteriormente nesta obra. Este fato se deve principalmente, porque muitas vezes a poluição é causada por vários agentes, sem que se possa determinar a parcela de lesão de cada um.
8. A prescrição da lesão individual tradicional e reflexa dos componentes ambientais tem prazo determinado para ser questionada em juízo, conforme estipula o Código Civil. Por seu turno, a lesão ao bem difuso tem com característica a imprescritibilidade, conforme será tratado mais especificamente posteriormente.
9. Não há discussão jurídica sobre a possibilidade do dano moral individual e este está ligado à dor da pessoa em seu sentido mais lato e físico. De outro lado, a lesão aos danos morais e extrapatrimoniais de caráter difuso, conforme será visto, está relacionada à qualidade de vida, valores coletivos ou em relação a valores intrínsecos da natureza, que refletem na coletividade.
10. A prova a ser levada a juízo é mais fácil em relação aos danos tradicionais. Já no que tange à lesão difusa, considerando sua complexidade, há necessidade do afrouxamento desta, considerando as dificuldades. Por esse motivo, incide a verossimilhança, a probabilidade e outros mecanismos.
11. A lesão tradicional está conectada aos bens e direitos da personalidade e dignidade do individuo. Por seu turno, o dano ambiental está ligado à qualidade de vida e outros valores, que não são exclusivos de ninguém, pois pertencem a todos.
12. No direito tradicional, o direito adquirido e a estabilidade do ato jurídico são aceitos normalmente. Em oposição, para a proteção dos valores ambientais difusos, faz-se necessária a intervenção de novos princípios, tais como o da precaução, prevenção, poluidor-pagador e reparação integral do dano. Desta forma, na lesão ambiental tem-se a incidência do cuidado e da prudência modificando juridicidade do direito adquirido, levando em conta a solidariedade intergeracional e a relação com o futuro e uma responsabilidade compartilhada em face do bem comum." (LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Obra citada, p. 103-104)
No caso brasileiro, o Congresso Nacional expressamente preconizou que o poluidor é obrigado a reparar os danos por ele causados ou não evitados (art. 14º, §1º, lei n. 6.938/1981 e art, 927, parágrafo único, Código Civil/2002), o que se infere também do referido art. 225, CF/1988. Ademais, segundo o art. 3º, da aludida lei n. 6.938/1981:
Art 3º. II - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
Sem dúvida, porém, que "não é possível asseverar que qualquer ato de degradação provoque obrigação de reparar, considerando que quase toda ação humana pode, em tese, provocar deterioração ao meio. Não há, no texto legal, explicitação completa para esta questão, posto que somente indicou alguns elementos esclarecedores: a degração resulta da alteração desfavorável das características do meio ambiente (art. 3º, II) e a deterioração é provocada por atividades, entre outras, que lancem matéria ou energia em desacordo com os padrões estabelecidos" (LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Obra citada, p. 107).
Tampouco se pode esquecer que a responsabilidade civil não se confunde com o direito administrativo sacionador e tampouco se confunde com o direito penal. Importa dizer: a responsabilidade civil está fundada na obrigação de reparação de danos, não se tratando de efetivas sanções, com consequências jurídicas cominadas a título de censura de condutas ilícitas. Tanto por isso, em determinados casos, mesmo quem atua licitamente pode ser obrigado a reparar danos que decorram de tais condutas, desde que tenha incrementado o risco coletivo. "Com efeito, o estabelecimento da responsabilidade objetiva é, de fato, uma tentativa de resposta da sociedade ou de adequação a certos danos ligados a interesses coletivos e difusos, que não seriam ressarcíveis, tendo em vista a concepção clássica de dano, ligado a interesses próprios, certos etc. (...) Nesta fórmula da responsabilidade objetiva, todo aquele que desenvolve atividade lícita, que possa gerar perigo a outrem, deverá responder pelo risco, não havendo necessidade de a vítima provar a culpa do agente. Verifica-se que o agente responde pela indenização em virtude de haver realizado uma atividade apta a produzir o risco. O lesado só terá que provar nexo de causalidade entre a ação e o fato danoso, para exigir seu direito reparatório. O pressuposto da culpa, causador do dano, é apenas o risco causado pelo agente em sua atividade." (LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Obra citada, p. 136 e 137).
Ainda segundo Leite e Ayala, "A substituição progressiva da responsabilidade tradicional para a responsabilidade objetiva traz consigo um evidente resultado de facilitar a proteção dos prejudicados. A objetivação da responsabilidade representa certamente um avanço, exige o prejudicado da prova da culpa, mas não é suficiente para deixar este em situação totalmente satisfatória, considerando que o mesmo, com vista à imputação da responsabilidade, deverá evidenciar o penoso liame decausalidade entre fato e lesão. Contudo, a doutrina mais recente tem feito uma divisão: de um lado, a responsabilidade objetiva comum e, de outro, a agravada. Noronha entende que a última hipótsee acplica-se a casos excepcionalíssimos, como no caso do dano ambiental, e enfatiza: Agora estamos entrando num segundo momento, em que se verifica haver hipóteses especiais, em que se prescinde também do nexo de causalidade, para se passar a exigir unicamente que o dano acontecido possa ser considerado risco próprio da atividade em causa." (LEITE, José Rubens; AYALA, Patryck de Araújo. Obra citada, p. 138).
Referida tese deve ser examinada com algumas reservas, dado que não se pode responsabilizar alguém sem a demonstração de que a sua atividade causou o dano ou, quando menos, não o impediu, desde que estivesse a tanto obrigado por lei (responsabilidade por conduta omissiva). Não se pode simplesmente atribuir a alguém o dever de reparar prejuízos a que não tenha dado causa ou não tenha deixado de impedir, estando a tanto obrigado. Também é fato, de toda sorte, que, nesse âmbito, gradualmente, a noção de causalidade linear ("dado A, segue-se B") tem sido substituída por uma concepção probabilística dos nexos etiológicos, sobremodo em regimes de cocausalidade ("dado A, há significativa probabilidade da ocorrência de B"), sobremodo por força dos já mencionados postulados da prevenção e precaução. A respeito do tema, leia-se BUNGE, Mario. Causality and modern science. 4. ed. New Brunswick: London: Transaction Publishers. 1979).
"A simples probabilidade de uma atividade ter ocasionado determinado dano ambiental deve ser suficiente para a responsabilização do empreendedor desde que esta probabilidade seja determinante. O nascimetno da teoria das probabilidades se deve aos textos produzidos internacionalmente. (a) A proposta diretiva sobre responsabilidade civil em matéria de resíduos estabelece, em seu art. 4.6., que o demandante deverá provar o dano ou os prejuízos causados ao meio ambiente e estabelecer a existência de uma considerável probabilidade de presença de nexo causal entre os resíduos do produtor e o dano sofrido ou, em seu caso, os prejuízos causados ao meio ambiental. Da mesma forma, (b) o convênio do Conselho Europeu sobre responsabilidade civil por danos que resultem de atividades perigosas para o meio ambiente (Convenção de Lugano), que menciona, em seu art. 10, que o juiz deverá tomar em conta o risco elevado de provocar o dano inerente à atividade perigosa para atribuição da responsabilidade civil. Desta maneira, o referido convênio incentiva aos magistrados a mostrarem-se meno exigentes em matéria de causalidade quando a atividade suspeita seja potencialmente perigosa, deslocando a interpretação do juiz de juízos de certeza para juízos de probabilidade.
No mesmo sentido, a doutrina espanhola fala da Teoria das Probabilidades para a qual as incertezas científicas não devem conduzir à incerteza jurídica. A teoria das probabilidades não se trata de nenhuma presunção de causalidade, como acima enfrentado, mas de um instrumento hermenêutico destinado a facilitar a prova do nexo causal à vítima. Assim, não é suficiente a existência do dano e de uma atividade perigosa, devendo haver uma relação de probabilidade entre elas.
A partir da tensão entre os enfoques jurídico e científico, a causalidade deve estar comprovada quando os elementos apresentados levam a um grau suficiente de probabilidade, a uma alta probabilidade, ou, ainda, quando levam a uma probabilidade próxima da certeza. Sensível à complexidade e às incertezas científicas, esta teoria estabelece que o legitimado ativo não estará obrigado a demonstrar essa relação de causa e consequência com exatidão científica. A configuração do nexo causal se dará sempre que o juiz obter a convicção de que existe uma probabilidade determinante ou considerável." (LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Obra citada, p. 189-190)
2.36. REPARAÇÃO DE DANOS AMBIENTAIS:
Sempre que restam preenchidos os requisitos próprios da responsabilização civil ambiental, surgem embates a respeito da forma mais adequada de reparação dos danos havidos. Pode-se cogitar, então, de formas de indenização, ressarcimento ou compensação dos prejuízos causados ou não evitados pela atividade do poluidor. Em princípio, a reparação efetiva - o retorno ao status quo ante - tem prevalência, conforme se infere do art. 225, §2º, Constituição/1988 e art. 4º, VI, lei n. 6.938/1981.
Há hipóteses, não obstante, em que a restauração efetiva não se mostra viável, a exemplo da reconstrução de um prédio histórico destruído ou com os casos de extinção de uma determinada espécie animal. Em situações tais, deve-se impor, então, o dever de compensação ou indenização da degradação ambiental (art. 3º da lei 7.347/1985). Assim, "a indenização pecuniária traz como ponto positivo a certeza da sanção civil e uma função compensatória do dano ambiental. Pelo sistema reparatório do dano ambiental, via ação civil pública, os valores pecuniários arrecadados em função da lesão ao meio ambiente ficam depositados em um fundo denominado 'fundo para reconstituição dos bens lesados', e são destinados, em última análise, à compensação ecológica. Assim, a ideia que paira neste fundo reparatório do dano é sempre buscar a reintegração do bem ambiental, pois os valores arrecadados em indenização, via de regra, servem para a execução de obras de reintegração do bem ambiental, objetivando substituir este bem por outro equivalente." (LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. 6. ed. São Paulo: RT, 2014, p. 217).
Em determinados casos, a compensação ambiental já vem prevista no próprio âmbito administrativo, com a fixação de condições para a concessão de licenças ambientais (EIA/RIMA), a exemplo do que preconiza o art. 36 da lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000, ao estabelecer o regime das unidades de conservação, no Brasil (sistema de compensação ambietal por significativo impacto).
Sem dúvida que uma das maiores dificuldades, nesse âmbito, é a tradução precisa, em pecúnia, dos prejuízos ambientais. Qual o preço do ar puro? Como verbalizar, em unidades monetárias, o direito ao ambiente equilibrado, propício à geração e manutenção da vida? Segundo os já citados Leite e Ayala, "Em relação à aplicação do instituto da compensação ecológica, quatro parâmetros devem ser observados, visando a eficácia deste mecanismo: (1) Em primeiro lugar, deve-se fazer uma valoração econômica do bem ambiental. Trata-se de um processo que deve levar em consideração as gerações futuras e fundamentar-se em uma visão ecocêntrica, abandonando o clássico antropocentrismo utilitarista. (2) Em seguida, considera-se que as medidas utilizadas no sistema de compensação devem observar os princípios de equivalência, razoabilidade e proporcionalidade. (3) Outro parâmetro a considerar é o estabelecido pela União Europeia pela Diretiva n. 2004/35/CE e transposta para o direito português pelo Dec.-lei 147/2008, que preceitua, no seu anexo V, medidas de reparação primária, complementar, reparação compensatória e perdas transitórias. (4) Por fim, convém observar que o valor obtido com a compensação deve ser destinado primordialmente ao local afetado, pois é neste onde ocorreram os impactos negativos à natureza. As medidas compensatórias aplicadas no local afetado beneficiam tanto om eio ambiente como toda a comunidade afetada." (LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Obra citada, p. 219-220).
Invoca-se, com frequência, a diferenciação entre valor de uso, o valor de opção e o valor de existência (algo que se aproxima da diferenciação entre valor de uso e valor de troca, para a economia clássica). O valor de uso é aquele atribuído pelos usuários dos recursos ambientais que tenham sido degradados; valor de opção aproxima-se da noção de preço marginal, na economia, devendo ter em conta o risco de perda dos benefícios que o recurso proporciona à presente e futuras gerações. O valor de existência trata da dimensão ética - uma ética holística -, diante da singularidade dos próprios bens ambientais. Exige-se, de todo modo, que a reparação se dê de forma integral.
Em muitos contextos, valores devem ser depositados, pelo poluidor, por ordem judicial, em fundos públicos, em prol da futura utilização para a recomposição dos danos ambientais. É cediço que os Fundos Públicos (latim - fund-us) têm origem, no Brasil, com a lei 4.320/1964 (art. 2º, §2º, I). Segundo José Petter, "Os fundos públicos são constituídos por um conjunto de recursos vinculados ou alocados a uma área específica (...) São reservas de receitas para aplicação determinada, necessariamente instituídos por lei (...) São instrumentos de gestão financeira que o Estado cria para a realização de determinados objetivos (...) Trata-se, enfim, de ter uma gestão especializada." (PETTER, Lafayete José. Direito financeiro. 5. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p. 214).
Por seu turno, Heraldo da Costa Reis e José Teixeira Machado enfatizam o que segue: "Assim, chega-se a um conceito que deve estar presente: o fundo especial não é detentor de patrimônio, porque é o próprio patrimônio; não é entidade jurídica, não é órgão ou unidade orçamentária, ou, ainda, não é apenas uma conta mantida na contabilidade, mas tão somente um tipo de gestão de recursos ou conjunto de recursos financeiros destinados aos pagamentos de obrigações por assunção de encargos de várias naturezas, bem como por aquisições de bens e serviços a ser aplicados em projetos ou atividades vinculados a um programa de trabalhado para o cumprimento de objetivos específicos em uma área de responsabilidade que a Contabilidade tem por função evidenciar, com é do seu próprio objetivo, através de contas próprias, segregadas para tal fim." (REIS, Heraldo da Costa; MACHADO JR., José Teixeira. A lei 4.320 comentada e a lei de responsabilidade fiscal. 33. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010, p. 150).
Isso significa, como sabido, que Fundos não possuem personalidade jurídicas; mas, são patrimônio afetado/administrado a uma específica entidade, em prol de algum escopo previamente estipulado em lei. No caso da ação civil pública, a lei n. 7.347 preconiza, no seu art. 13, a criação do fundo de direitos difusos, regulamentado pelo Decreto n. 1.306, de 09 de novembro de 1994.
2.37. ÉTICA, DIREITO E MORAL:
Sabe-se que, de certo modo, a realidade pode ser distinguida em 03 conjuntos, conforme concepção de Karl Popper - "epistemologia sem sujeito conhecedor (POPPER, K. Objective knowledge: an evolutionary approach. Nova Iorque: Oxford University press. 1979). A esfera dos fatos cuida dos acontecimentos, daquilo que pode ser observado pelos sentidos. Cuida-se de eventos, processos e estados. Os eventos são sucessos, episódios, a exemplo da queda do copo no chão. Os estados são persistências, a exemplo da permanência de um copo com água sobre a mesa. Logo, os estados consistem na ausência de mudanças relevantes em uma situação, quando observada ao longo de determinado período. Os processos são mudanças em um determinado estado de coisas. O envilecimento, a combustão, a quebra etc são processos, pois importam em alterações em um determinado estado.
Os fatos podem ser provados mediante exames periciais, mediante testemunhos, mediante observação direta. Ou seja, são aferíveis, em princípio, por meio dos sentidos, constituindo-se em questões fenomênicas, com os problemas concernentes a isso, como sabido desde Kant. Dado que filtramos o mundo pela nossa pisque, lidamos com um mundo colorido, conquanto a cor não exista na realidade empírica. É apenas a sensação que o fóton provoca no nosso aparelho psíquico, depois de atingir o nervo ótico, com uma determinada amplitude de onda. Há uma conhecida diferença entre ondas sonoras e som. Quando uma árvore cai sem que haja nas proximidades nenhum ser com capacidade de ouvir, há onda sonora sem que haja som. A som é a forma como o aparelho psíquico reage às ondas sonoras.
A esfera dos fatos é a predileta dos positivistas, porquanto apresentam reduzidos problemas de paralaxe. Em princípio, observadores distintos podem divisar o mesmo objeto, a despeito de encontrarem-se em pontos distintos de observação. Por certo que haverá problemas de adumbração. Ainda assim, a objetividade é razoavelmente maior, permitindo asserções com conteúdo verdadeiro/falso. Caso o sujeito diga "o sódio metálico explode ao travar contado com água", isso pode ser constatado mediante experimento, constatando-se sua veracidade. Uma perícia pode assseverar que o cianureto mata quando ingerido e assim por diante. Claro que sempre remanescem problemas inerentes aos meios de prova, graus de confiabilidade, teorias dos erros, credibilidade das testemunhas e assim por diante. De todo modo, os fatos estão na base da Ciência, e os celulares funcionam e aviões levantamento voo.
Além dos fatos, há o conjunto das enteléquias, compreendidas como conceitos, como idealidades, como lógica e matemáticas. Ou seja, esse espaço cuida de abstrações. Elementos que existem na psique e não necessariamente são encontrados no mundo: a raiz quadrada de dois; o triângulo perfeito, o círculo perfeito; o tipo penal; conceitos; perfeição; a consistência lógica; sistemas numéricos; o número complexo e assim por diante. Nesse caso, não se prova. A consistência do sistema é aferida pela demonstração, a partir de inferências lógicas, contanto que as premissas sejam tidas como válidas. Por muito tempo, supôs-se que duas retas paralelas jamais se encontram, como constou no quinto postulado de Euclides - 300 a.C., o que apenas pode ser aceito no espaço plano. Quando se cuida do espaço curvo, essas retas paralelas se encontram, a exemplo de quando estão lançadas sob uma boa de basquete e se encontram nos polos, como foi destacado por Riemann e Lobachevski, cada qual a seu tempo e seu modo. A lógica não prova a premissa, como enfatizou o magistrado Jerzy Wróblewski. Assim, não raro, a argumentação tida como lógica deve pressupor a existência de uma premissa indemostrada, insuscetível de ser demonstrada no próprio sistema em questão, como demonstrou Kurt Gödel, com seu conhecido teorema da incompletude.
Ao que releva, há o espaço dos valores. Valores envolvem uma tomada de posição diante do mundo, envolvendo certa irracionalidade. Enquanto fatos podem ser provados, sistemas lógicos podem ser demonstrados, os valores devem ser justificados. Ou seja, demandam argumentos consistentes, a partir de valores consensuais - indiscutíveis no sistema -, a fim que sejam tidos como legítimos. Habermas e Rainer Forst advogam uma distinção entre ética, direito e Moral, no sentido forte (não confundir com moralismos). A ética cuida da relação do sujeito consigo, questões existenciais. Na ilha, sozinho, Robinson Crusoe - romance de Daniel Defoe - decide se matar, decide matar um ser senciente para comer-lhe a carne, decide dedicar sua vida a uma divindade e assim por diante. São opções éticas, porquanto tratam da condição existencial do sujeito: é legítimo que alguém se suicide? É legítimo que mate outro animal para se alimentar? É correto que dedique sua existência a um totem, a uma divindade, a um culto? Essas perguntas admitem distintas respostas e não é o caso ofertar soluções para elas aqui.
O direito se dá quanto pretensões éticas são lançadas contra terceiros. Na ilha, Robinson Crusoe descobre não estar sozinho e trava contato com Sexta-Feira. A partir de então, passa a lançar pretensões éticas contra ele, proibindo-o ou obrigando-o a se matar; proibindo-o ou obrigando-o a consumir carne; proibindo-o ou obrigando-o a seguir um culto metafísico. O direito apenas pode ser tomado como minimamente legítimo caso seja universalizável e recíproco, como já sabia Kant. Se Robinson Crusoe deseja instalar um culto oficial, deve aceitar que Sexta-Feira tenha o mesmo intento. Ou seja, deve aceitr que a religião oficial não seja a sua.
Ao que releva, a Moral - em sentido forte - implica uma relação do sujeito com toda a humanidade. É o que se dá com questões ambientais, com crimes de guerra, genocídios, com a necessidade de se preservar monumentos históricos, a fim de que sejam conhecidos pelas gerações futuras. Assim, a destruição das pirâmides - não ocorra! - implicaria uma ofensa aos interesses das gerações que virão. O mesmo se dá essencialmente com a questão ambiental. Note-se que, depois de intenso uso, a Finlândia desinstalou muitas das suas usinas nucleares, passando a depositar o lixo atômico - césio, estrôncio, iodo, criptônio, urânio e plutônio - em cavernas, a exemplo das existentes em Eurajoki. E isso enseja um problema grave: como comunicar às gerações futuras a presença de material perigoso, radioativo, com meia-vida de milhares de anos? Não há como ter certeza que falarão idioma semelhante ao nosso. Enfim, percebe-se que há uma questão delicada, sensível, que coloca em causa a relação entre o presente e os sujeitos do futuro, se houver futuro.
Acrescento que é essa concepção sobre a Moral que justificou a aplicação retroativa de normas penas no Tribunal de Nuremberg e no julgamento de Eichmann em Jerusalém em 1962. Dado que a questão transcenderia a juridicidade, os limites inerentes ao direito penal não se colocariam em causa. Também é o que tende a justificar o direito de intervenção - bastante polêmico. Se um país vizinho começar a escravizar parte do seu povo, o Estado brasileiro deveria permanecer omisso? Ou lhe seria dado interferir? Esse caso parece meio óbvio. Mas, há situações mais sensíveis que colocam em causa essa categoria, a exemplo do infanticídio em nações nativas, a exemplo dos Kamayurá, envolvendo um complicado debate a respeito do universalismo ou relativismo ético.
Repiso que os valores devem ser justificados. E costumam sê-lo a partir de consensos, a exemplo do que ocorre com Justiça, ordem, "vida boa", beleza etc. São atos instituticionais, porquanto dependem substancialmente de algum acordo de base. O dinheiro apenas possui eficácia liberatória, de pagamento, por ser pressuposto desta forma. Truísmo, mas, se alguém vender tudo quanto tem e levar em reais a quantia aos Estados Unidos - abstraindo aqui eventual evasão de divisas -, é fato que não conseguirá comprar nada, sem que antes a converta em dólares. Lá, no cotidiano mercantil, nosso dinheiro nada vale. De modo semelhante, por muito tempo as chinesas foram obrigadas a calçar tamancos de madeira, de dimensão reduzida - nossos 30, 31 -, a fim de que os pés ficassem pequenos, reduzidos, o que acabava por gerar fraturas. Mulheres passavam a vida toda com o pé quebrado, por conta da pressão por usarem sapatos de crianças. Há exemplos das mulheres com argolas no pescoço (tribos Kayan, Tailândia); casos de adolescentes na China fazendo cirurgias desnecessárias, seccionando a perna com o fim de implantar pinos e alongar a tíbia, para ganhar alguns centímetros na altura. Há o caso dos homens-peruca (Huli Wigmen, Papua Nova Guiné), que costuram coroas com o próprio cabelo. Há algumas décadas, quem comprasse roupas para cachorros e os levasse a passear no colo, talvez fosse imaginado como alguém necessitado de tratamento. Hoje, há até mesmo dentistas-caninos; há festas para cachorros e assim por diante. Ou seja, o consenso muda, ainda que isso se dê pouco a pouco.
E isso impõe-se que o consenso de base seja discutido, já que a socidade veicula, no seu âmago, culturas e contraculturas. A comunidade possui vetores racistas e de combate ao racismo; possui vetores orientados à destruição das Florestas e gente lutando contra isso. Há vetores em distintos sentidos, sendo relevante estudá-los, confrontando com os princípios mais civilizatórios, mais racionais, com maior empatia com distintas formas de vida. Dizia que - ao contrário das assserções sobre fatos, dos enunciados sobre a lógica -, os valores cobram justificação. Demanda-se a apresentação de argumentos densos, consistentes, a partir de uma base comum, que leve a uma tomada de posição diante do munto.
Até porque, como dizia Karl Marx, "Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo." Claro que, para transformá-lo, as pessoas primeiro precisam refletir sobre o estado do mundo. E, depois, precisam saber em que realidade há de ser convertido. A reflexão sozinha pode pouco. Sem ela, porém, o risco é de se repetir o passado truculento, e patinar sem saber sequer se, em algum momento, se saiu do lugar. Ao que releva, a questão ambiental coloca em questão a íntima relação entre o presente e o futuro, dado que tomamos a terra em empréstimo aos que virão.
2.38. RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL:
Com cognição não exaustiva, anoto que o tema da responsabilidade civil pode ser distribuído em dois grandes blocos: a responsabilidade por condutas ilícitas, em sentido amplo, e responsabilidade por comportamentos lícitos.
No primeiro caso - ou seja, a responsabilização por condutas ilícitas - tem-se o que se costuma impropriamente chamar de responsabilização subjetiva ou de responsabilização fundada na culpa (responsabilização civil aquiliana e a responsabilização civil por violação do contrato).
Todo aquele que cause dano a terceiros, mediante violação de cláusula contratual ou violação da lei, tem o dever de indenizar. Esse é o conteúdo dos arts. 186-187, Código Civil.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Nesse âmbito, a responsabilização demanda os seguintes requisitos: "A caracterização genérica do ato ilícito absoluto (ato ilícito stricto sensu), segundo a definição legal do art. 186, exige a conjugação de elementos objetivos e subjetivos: I - os requisitos objetivos são - a) a conduta humana antijurídica; b) o dano; c) o nexo de causalidade entre a conduta humana e o dano. II - os requisitos subjetivos são - a) a imputabilidade e b) a culpa em sentido estrito (dolo ou culpa em sentido estrito)." (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao código civil. Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 31)
Já o art. 187, CC/2002, trata da figura do abuso de direito. Ainda segundo a lição de Humberto Teodoro Jr., "O titular de qualquer direito para conservar-se no campo da normalidade não basta legitimar sua conduta dentro das faculdades reconhecidas pelas normas legais em face de sua individual situação jurídica. Haverá de cuidar para que o uso das prerrogativas legais não se desvie para objetivos ilícitos e indesejáveis, dentro do contexto social. O abuso de direito acontecerá justamente por infringência desse dever e se dará sempre que o agente invocar uma faculdade prevista em lei, aparentemente de forma adequada, mas para alcançar objetivo ilegítimo ou não tolerado pelo consenso social." (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Obra citada, p. 113).
Por conseguinte, o art. 187, CC/2002, impõe certos temperamentos à ideia de 'direito subjetivo', compreendido formalmente (i.e., como uma absoluta faculdade de agir, franqueada pela lei). Não basta apenas a adequação à norma legal, exigindo-se também certa proporcionalidade, um uso comedido e adequado das prerrogativas asseguradas pelo ordenamento jurídico.
O STJ já reconheceu como abuso de direito, por exemplo, a conduta do agente bancário que, invocando cláusula contratual, satisfaz seu crédito utilizando recursos mantidos pelo correntista e destinados ao pagamento dos seus empregados (STJ, REsp. 250.523, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar p. DJ 18/12/2000). Ou seja, a despeito de haver cláusula contratual prevendo-a, a conduta seria viciada por destoar de um uso comedido, razoável, do direito.
Os requisitos para o reconhecimento do abuso de direito são os seguintes: "Partindo da definição legal do exercício abusivo de um direito como ato ilícito (art. 187), teremos os seguintes requisitos como necessários à sua configuração: a) conduta humana, b) exercício de um direito subjetivo, c) exercício desse direito de forma emulativa (ou, pelo menos, culposa), d) dano para outrem, e) ofensa aos bons costumes e à boa fé; ou f) prática em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo." (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Obra citada, p. 120-121).
Esses são os contornos, grosso modo, da responsabilização por comportamentos inválidos (ilícitos ou que violem regras contratuais). Por outro lado, a responsabilidade por condutas lícitas corresponde, em síntese, à responsabilidade fundada no incremento do risco (p.ex., art. 14 da lei 6938 e também à responsabilidade objetiva estatal).
Ora, a responsabilidade pelo incremento do risco diz respeito àquelas atividades que - conquanto sejam lícitas - ensejam um grau maior de contingências para a vida em comum. Nesse âmbito, portanto, busca-se simplesmente uma internalização das externalidades provocadas pela atividade econômica, a fim de que o poluidor arque com os resultados do seu extrativismo ou industrialização. Essa responsabilização pelo risco está prevista, por exemplo, no art. 14, §1º, lei 6.938/1981; no art. 927, parágrafo único, Código Civil/2002 e - destaque-se - também art. 225, §§2º e 3º, Constituição/1988.
Por outro lado, também há a responsabilização objetiva do Estado, prevista no art. 37, §6º, Constituição. Cuida-se de simples decorrência do postulado da isonomia (igual distribuição do custeio público). "A atividade administrativa exerce-se no interesse de todos; se os danos que daí resultam para alguns não fossem reparados, eles seriam sacrificados à coletividade, sem que nada pudesse justificar semelhante discriminação. A indenização restabelece o equilíbrio afetado em seu detrimento.'' (RIVERO, Jean. Direito administrativo. Coimbra: Almedina, 1981. p. 305).
Celso Antônio Bandeira de Mello enfatiza: "No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público - mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -, entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito." (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 17. ed. SP: Malheiros, 2004, p. 890)
2.38.1. Responsabilização estatal por condutas omissivas:
Com cognição NÃO exaustiva, o Estado não pode ser imaginado como uma espécie de resseguro universal. Ainda que, na atualidade, a noção de Estado de Bem Estar Social deva ser privilegiada e haja quem imagine que a Administração Pública deva garantir até mesmo a felicidade individual (p.ex., projeto de emenda à Constituição n. 10, proposto pelo Senador Cristóvam Buarque), não há como obrigá-la a reparar toda sorte de infortúnios a que todos estamos sujeitos.
Daí que é salutar atentar, em um primeiro exame, para a diferença de tratamento a ser dispensada entre condutas omissas e comissivas da Administração Pública. Cuidando-se de atuação ativa que cause prejuízos aos administrados, aplica-se, em regra, o art. 37, §6º, CF (responsabilidade objetiva), o que comporta pontuais exceções, mesmo nesse âmbito, a exemplo da conduta ativa da Administração que, no afã de salvar alguém que se encontra em um veículo trancado, se vê obrigada a destruir a porta do automóvel, caso em que, por óbvio, a reparação dos danos será incabível. Tratando-se de conduta omissiva, por parte da Administração, a responsabilidade apenas será cabível se provado, pelo interessado, que a omissão teria se dado de modo ilícito.
Do contrário, todos quanto tenham algum bem subtraído, mediante furto ou roubo, nas rodovias e logradouros públicos, poderiam processar o Estado, dado que lhe cabe garantir a segurança. Todos quanto sejam lesados, de algum modo, seriam então declarados credores de quantias junto aos cofres públicos. No afã de impedir tais lesões, o Estado teria que se converter em um mecanismo absolutamente autoritário, com controles totais sobre a vida dos indivíduos. A ocorrência de danos infelizmente é uma inexorável consequência do convívio de pessoas com certo grau de liberdade. Com isso não se faz pouco caso dos prejuízos suportados pelo demandante. Não! Mas, ao mesmo tempo, enfatiza-se que os responsáveis pelo furto é que hão de reparar os danos, tão logo sejam identificados.
O prof. Celso Bandeira de Mello, já aludido acima, argumenta que "Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberando propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva." (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Obra citada. p. 981).
Não se pode perder de vista, porém, o confronto entre a omissão genérica e a omissão específica do Estado; tratando-se em omissão específica quando “o Estado, por omissão sua, cria a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo.” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 231). Desse modo, "Se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que está na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado." (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Obra citada. p. 231).
Em caso de eventual omissão estatal, impõe-se ao interessado o ônus de comprovar uma atuação dolosa ou negligente da Administração Pública, conforme art. 373, I, CPC, exceção feita aos casos de omissão específica, em que a responsabilidade objetiva soa cabível. Com efeito, "A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos"(STJ, AgRg no AREsp 501.507/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, DJe de 02/06/2014). Em igual sentido: STJ, REsp 1.230.155/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJe de 17/09/2013 e AGRESP 201202023900, ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 02/12/2015.
Atente-se também para os julgados abaixo transcritos:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos. 3. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático probatório dos autos, expressamente consignou que "restou evidente o nexo de causalidade entre a omissão do ente municipal e o evento danoso". 4. Dessa forma, não há como modificar a premissa fática, pois para tal é indispensável o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. ..EMEN: (AGARESP 201400845416, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:02/06/2014 ..DTPB:.)
"(...) 7. É fato que a doutrina atual orienta-se no sentido de que a responsabilidade civil do Estado somente é objetiva quanto a atos comissivos praticados por seus agentes ou prepostos. Quando, todavia, se trata de conduta omissiva, para que se caracterize a responsabilidade estatal, é mister que se demonstre, além do dano causado à vítima e o respectivo nexo causal, o dolo ou culpa do representante do Estado que tinha o dever de agir de modo a impedir a ocorrência do evento danoso (falta do serviço). Precedentes jurisprudenciais. 8. A responsabilidade civil por omissão de atos da Administração Pública é subjetiva, hipótese em que a culpa passa a se constituir em pressuposto da responsabilidade, não se aplicando, assim, a regra do art. 37, § 6º, da CF. 9. Ou seja, admitindo-se a responsabilidade objetiva em hipóteses que tais, o Estado seria um segurador universal, o que não se entremostra razoável. 10. A doutrina e a jurisprudência mais recente, todavia, vem gradativamente adotando, quando se trata de danos da Administração Pública por omissão, o entendimento de que existe uma clara distinção entre omissão específica e omissão genérica. 11. A omissão é específica quando o Estado tem a obrigação de evitar o dano. Um exemplo desse tipo de omissão são os bueiros destampados, que ocasionam a queda de uma pessoa, provocando-lhe danos físicos. Quando há responsabilidade civil por omissão específica, o Estado responde objetivamente, conforme o art. 37, § 6º, da CF. 12. Há situações outras, todavia, que é impossível ao Estado impedir, através de seus agentes, eventuais danos aos seus administrados. Por exemplo, o de lesões sofridas por atos de vandalismo de terceiros, em estádios de futebol. Nesses casos, se diz que a omissão é genérica e a responsabilidade do Poder Público é subjetiva, havendo a necessidade de se aferir a culpa. 13. Além disso, quando não for possível identificar o agente que causou o dano, caberá à vítima comprovar que não houve serviço, que o serviço funcionou mal ou que foi ineficiente. É o que se denomina responsabilidade civil por culpa anônima do serviço, outra modalidade de responsabilidade subjetiva da Administração Pública. 14. Destarte, em se tratando de omissão genérica do serviço ou quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil do Estado será sempre subjetiva, não se aplicando a essas hipóteses a teoria objetiva do risco administrativo. Precedentes desta Corte. 15. O caso dos autos é a típica responsabilidade do Estado por omissão. (...)" (APELREEX 00174935819874036100, JUIZ CONVOCADO ALEXANDRE SORMANI, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/10/2009 PÁGINA: 200 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti parte da ementa)
RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - ANIMAIS NA PISTA - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - CULPA - RODOVIA COMUM. Nas rodovias comuns - ao contrário do que se dá nas auto-estradas, destinadas ao trânsito de alta velocidade, onde as exigências de segurança são naturalmente mais acentuadas e, por isso, a vigilância deve ser mais rigorosa - é virtualmente impossível impedir o ingresso de animais na pista, durante as vinte e quatro horas de dia. A responsabilidade do Estado quando o dano resulta de suposta omissão - falta de serviço - obedece a teoria subjetiva e só se concretiza mediante prova da culpa, isto é, do descumprimento do dever legal de impedir o evento lesivo. O Estado não é segurador universal: sem a prova da conduta omissiva censurável, tendo em conta o tipo de atuação que seria razoável exigir, não há como responsabilizar o poder público.
(AC 9704012225, AMIR JOSÉ FINOCCHIARO SARTI, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 17/09/1997 PÁGINA: 75102.)
2.39. EVENTUAIS DANOS MATERIAIS:
O dano material compreende o desfalque do patrimônio do ofendido, a ser traduzido em pecúnia. Ele pode ser reconduzido ao dano emergente (montante que a vítima efetivamente perdeu) e o lucro cessante (aquilo que ela deixou de lucrar). Colho a lição de Humberto Theodoro Júnior:
"O dano emergente é mais facilmente quantificável. Resume-se a uma avaliação do patrimônio lesado, antes e depois do ato ilícito. Já no caso de lucros cessantes, a situação é mais delicada, pois é preciso determinar que vantagens esperadas efetivamente o ilícito impediu a vítima de perceber. Não se pode levar o ressarcimento a cobrir expectativas remotas de lucros e vantagens que poderiam ou não acontecer, no futuro.
O lucro cessante tem de ser visto como lucro certo, em função do quadro afetado pelo ato ilícito. Deve corresponder a consequência imediata da paralisação de um negócio lucrativo que a vítima explorava, ou a frustração do rendimento que era razoavelmente esperado do bem lesado.
Para evitar pretensões quiméricas, o art. 403 do novo Código, na tradição do art. 1059 do Código anterior, determina que a reparação dos lucros cessantes só compreenda o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Com isso se impede a vítima do ato ilícito de afastar-se dos critérios objetivos e navegar nas águas do meramente hipotético ou imaginário.
A indenização terá de ser fixada à luz do bom senso e do razoável, sempre a partir de dados concretos e não de simples suposições. É por isso que o art. 403 completa o enunciado do art. 402, que fala em reparação para o que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, acrescentando que os lucros indenizáveis são apenas os que cessaram por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação (i.e., do ato ilícito).
Em suma, nem o dano material, nem os lucros cessantes, podem ser deferidos sob condição de apuração futura em liquidação. A parte que pleiteia reparação tem de prová-los adequadamente, antes da condenação, mesmo que essa seja genérica." (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao código civil. Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 36-37)
Por sinal, a lei processual civil veda a prolação de sentenças condicionadas (art. 460, parágrafo único, CPC); ao mesmo tempo em que também veda ao demandante a formulação de pedidos genéricos, com as exceções verbalizadas no art. 286, CPC.
Convém apenas destacar que a lei não vaticina a pretensão à percepção de lucros cessantes de caráter hipotético:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ACIDENTE SOFRIDO NO INTERIOR DE HOSPITAL PÚBLICO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE - INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1- A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação ou omissão e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º, da CF/88). 2 - Ante o conjunto probatório trazido aos autos, ausente, na hipótese, nexo de causalidade entre o acidente que provocou o ferimento na Autora e qualquer ato omissivo ou comissivo por parte da Administração. 3 - Não restando nos autos qualquer despesa ou ônus de origem material, deve ser afastada a indenização por dano material, pois, para ser indenizável, o dano deve ser certo, não sendo passíveis de indenização os danos hipotéticos. 4 - Ante a ausência do nexo de causalidade, incabível também a indenização por danos morais. 5 - Apelação improvida. Sentença confirmada. (AC 200751010001080, Desembargador Federal WILSON JOSE WITZEL, TRF2 - SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::24/03/2010 - Página::307/308.)
D'outro tanto, a teoria da perda de uma chance tem origem na França (perte d’une chance), nos idos de 1950, conquanto já houvesse sido reconhecida no caso inglês Chaplin versus Hicks, de 1911. Segundo Sérgio Cavalieri, "caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futura para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda" (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 71).
Trata-se, pois, de um exame estocástico, estatístico.
Em princípio, não há como se obrigar alguém a responder poder eventos futuros e incertos. Exagerando, para melhor compreender: alguém subtrai, da vítima, o valor de R$ 2,00. Ele ingressa em Juízo, dizendo que iria utilizar aquele recurso para jogar na mega-sena, com a chance de se tornar milionário, exigindo a reparação do dano na sua totalidade.
Por óbvio que não se pode imputar ao causador do dano o dever de responder por consequências incertas e improváveis. Situação obviamente diversa ocorre quando o único candidato de um concurso público, selecionado para a última etapa, já tendo demonstrado expertise nas fases anteriores, é impedido de realizar a última prova por conta de um acidente de trânsito.
A respeito do tema, o STJ tem enfatizado o seguinte:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE COLETA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS DO CORDÃO UMBILICAL DO RECÉM NASCIDO. NÃO COMPARECIMENTO AO HOSPITAL. LEGITIMIDADE DA CRIANÇA PREJUDICADA. DANO EXTRAPATRIMONIAL CARACTERIZADO. 1. Demanda indenizatória movida contra empresa especializada em coleta e armazenagem de células tronco embrionárias, em face da falha na prestação de serviço caracterizada pela ausência de prepostos no momento do parto. 2. Legitimidade do recém nascido, pois "as crianças, mesmo da mais tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui o direito à integralidade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação" (REsp. 1.037.759/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 05/03/2010). 3. A teoria da perda de uma chance aplica-se quando o evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. 4. Não se exige a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação. 5. Caracterização de dano extrapatrimonial para criança que tem frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas para, se for preciso, no futuro, fazer uso em tratamento de saúde. 6. Arbitramento de indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido pela criança prejudicda. 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ..EMEN: (RESP 201102672798, PAULO DE TARSO SANSEVERINO, STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:01/10/2014 ..DTPB:.)
(...) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, "desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória" (REsp 614.266/MG, DJe de 2/8/2013). 2. Impossível rever a premissa fática fixada pelas instâncias ordinárias por demandar o reexame do acervo fático-probatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo em recurso especial não provido. ..EMEN: (RESP 201202432776, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, REPDJE DATA:06/03/2014 DJE DATA:24/10/2013)
2.40. DANOS MORAIS - considerações gerais:
O art. 5º, V, CF/1988, preconiza que "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem." Por seu turno, o art. 5º, X, dispõe que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
Segundo Ramon Daniel Pizarro, "dano moral é uma modificação desvaliosa do espírito, no desenvolvimento da sua capacidade de entender, querer ou sentir, conseqüência de uma lesão a um interesse não patrimonial, que haverá de traduzir-se em um modo de estar diferente daquele ao que se encontrava antes do fato, como conseqüência deste e animicamente prejudicial." (PIZARRO citado por SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4. ed. SP: RT, 2003, p. 97).
Como explica o juiz Jeová Santos, "Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de acréscimo ou novas incorporações, como diz Jorge Mosse Iturraspe." (SANTOS, Antônio Jeová. Obra citada. p. 74).
Anote-se, pois, que nem todo dissabor é suscetível de indenização. O convívio humano é marcado por maiores ou menores conflitos; há situações que, conquanto desconfortáveis, não ensejam, só por isso, reparação (p.ex., a permanência por vários minutos em uma fila de banco, o tom ríspido com que perguntas são respondidas, sarcasmos ou irritações variadas etc.).
Melhor dizendo, ''o dano moral não deve ser confundido com os acontecimentos indesejáveis próprios da existência em sociedade, ou seja, não são quaisquer sensações desagradáveis do cotidiano, como também não são os simples aborrecimentos do dia-a-dia, que ensejam a indenização.'' (ARAÚJO, Mariana de Cássia. A reparabilidade do dano moral transindividual in Revista Jurídica nº 378. abril/2009, p. 85).
Assim, "conquanto existam pessoas cuja suscetibilidade aflore na epiderme, não se pode considerar que qualquer mal-estar seja apto para afetar o âmago, causando dor espiritual. Quando alguém diz ter sofrido prejuízo espiritual, mas este é conseqüência de uma sensibilidade exagerada ou de uma suscetibilidade extrema, não existe reparação. Para que exista dano moral é necessário que a ofensa tenha alguma grandeza e esteja revestida de certa importância e gravidade." (SANTOS, Antônio Jeová. Obra citada. p. 111).
Destaco, ademais, o seguinte excerto da obra de Jeová Santos:
'Simples desconforto não justifica a indenização (....) asseveram GABRIEL STIGLITZ e CARLOS ECHEVESTI (responsabilidad civil, p. 24 3), diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa o bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurarão (....) O mero incômodo, o desconforto, o enfado decorrentes de alguma circunstância, como exemplificados aqui, e que o homem médio tem de suportar em razão mesmo do viver em sociedade, não servem para que sejam concedidas indenizações.
O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu dano moral passível de ressarcimento. Para evitar a abundância de ações que tratam de danos morais presentes no foro, havendo uma autêntica confusão do que seja lesão que atinge a pessoa e do que é mero desconforto, convém repetir que não é qualquer sensação de desagrado, de molestamento ou de contrariedade que merecerá a indenização. O reconhecimento do dano moral exige certa envergadura.' (SANTOS, Antônio Jeová. Obra citada. p. 112 e 113)
Semelhante é a análise de Humberto Theodoro Júnior, quando afirma que "Se o incômodo é pequeno (irrelevância) e se, mesmo sendo grave, não corresponde a um comportamento indevido (licitude), obviamente não se manifestará o dever de indenizar (ausência da responsabilidade civil cogitada no art. 186 do CC)." (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao código civil. Vol. III. Arts. 185 a 232. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 44)
Com efeito, não se pode prodigalizar a condenação para pagamento de alegados danos morais. Solução diversa teria o condão apenas de diminuir a própria importância do instituto, banalizando a sua invocação.
Em casos verdadeiramente graves fixam-se valores módicos de indenização, insuscetíveis, concessa venia, de realmente ressarcir o dano extrapatrimonial (p.ex., o sofrimento da mãe que perdeu um filho em acidente). Justamente por isto, deve-se empregar grande prudência do Judiciário na fixação do dever de indenizar, de modo que não se transforme em uma verdadeira responsabilização objetiva, sem previsão legal.
Reporto-me aos seguintes julgados:
'I - Como anotado em precedente(REsp 202.504-SP, DJ 1.10.2001), o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indenização por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz - trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade.' (STJ, REsp 338162, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 18/02/2002, p. 459).
'Para viabilizar a procedência da ação de ressarcimento de prejuízos, a prova da existência do dano efetivamente configurado e pressuposto essencial e indispensável. ainda mesmo que se comprove a violação de um dever jurídico, e que tenha existido culpa ou dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, desde que, dela, não tenha decorrido prejuízo.' (STJ, REsp 20.386, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU de 27/06/94, p. 16.894)
EM PRINCÍPIO, sempre que preenchidos os requisitos para a reparação de danos morais, a indenização deve ser arbitrada com lastro nos seguintes critérios: a) as circunstâncias e peculiaridades do caso; b) a repercussão do ato ilícito; c) a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso; d) o caráter pedagógico da indenização, a ponto de desestimular a prática de novas condutas ilícitas; e, por fim, e) a moderação/proporcionalidade, de modo a se evitar enriquecimento sem causa.
2.41. EVENTUAIS DANOS MORAIS COLETIVOS:
Não raro, a afronta a bens difusos dá ensejo também a danos morais a serem alvo de reparação, como bem ilustra a questão ambiental. "Não seria justo supor que uma lesão à honra de determinado grupo fique sem reparação, ao passo que, se a honra de cada um dos indivíduos deste grupo for afetada isoladamente, os danos serão passíveis de indenização. Redundaria em contrassenso inadmissível. Constata-se que a necessidade de imposição do dano extrapatrimonial é imperiosa, pois, em muitos casos, será impossível o ressarcimento patrimonial, e a imposição do dano extrapatrimonial ambiental funcionária como alternativa válida da certeza da sanção civil do agente, em face da lesão ao patrimônio ambiental coletivo." (LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Obra citada, p. 267).
Contanto que sejam preenchidos determinados requisitos legais, revela-se cabível a caracterização de determinados prejuízos como sendo "danos morais coletivos", a exemplo do que já decidiu o STJ ao apreciar o REsp n. 1.057.274/RS, rel. Min. Eliana Calmon: "
"Não aceito a conclusão da 1ª Turma, por entender não ser essencial à caracterização do dano extrapatrimonial coletivo prova de que houve dor, sentimento, lesão psíquica, afetando "a parte sensitiva do ser humano, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas" (Clayton Reis, Os Novos Rumos da Indenização do Dano Moral, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 236), "tudo aquilo que molesta a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado" (Yussef Said Cahali, Dano Moral, 2ª ed., São Paulo: RT, 1998, p. 20, apud Clayton Reis, op. cit., p. 237), pois como preconiza Leonardo Roscoe Bessa: (...) a indefinição doutrinária e jurisprudencial concernente à matéria decorre da absoluta impropriedade da denominação dano moral coleitvo, a qual traz consigo - indevidamente - discussões realtivas à própria concepção do dano moral no seu aspecto individual.(apud Dano Moral Coletivo, p. 124) (...)
E não poderia ser diferente porque as relações jurídicas caminham para uma massificação e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do Direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais. A reparação civil segue em seu processo de evolução iniciado com a negação do direito à reparação do dano moral puro para a previsão de reparação de dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ao lado do já consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica (cf. Súmula 227 STJ).
Com efeito, os direitos de personalidade manifestam-se como uma categoria histórica, por serem mutáveis no tempo e no espaço. O direito de personalidade é uma categoria que foi idealizada para satisfazer exigências da tutela da pessoa, que são determinadas pelas contínuas mutações das relações sociais, o que implica a sua conceituação como categoria apta a receber novas instâncias sociais. (cf. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental. do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 287).
(...) O dano moral extrapatrimonial deve ser averiguado de acordo com as características próprias aos interesses difusos e coletivos, distanciando-se quanto aos caracteres próprios das pessoas físicas que compõem determinada coletividade ou grupo determinado ou indeterminado de pessoas, sem olvidar que é a confluência dos valores individuais que dão singularidade ao valor coletivo.
O dano moral extrapatrimonial atinge direitos de personalidade do grupo ou coletividade enquanto realidade massificada, que a cada dia mais reclama soluções jurídicas para sua proteção. É evidente que uma coletividade de índios pode sofrer ofensa à honra, à sua dignidade, à sua boa reputação, à sua história, costumes e tradições. Isso não importa exigir que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação tal qual fosse um indivíduo isolado. Estas decorrem do sentimento coletivo de participar de determinado grupo ou coletividade, relacionando a própria individualidade à idéia do coletivo.
Assim sendo, considero que a existência de dano extrapatrimonial coletivo pode ser examinado e mensurado, tendo-se em consideração os requisitos de configuração do dano moral individual."
Claro que "Não há dúvidas quanto às dificuldades inerentes à comprovação e valoração de qualquer dano extrapatrimonial. Todavia, não mais se discute a sua reparabilidade. O mesmo deve valer para os danos extrapatrimoniais ambientais: é imperiosa a busca de caminhos que permitam a verificação da sua ocorrência. Neste sentido, há que se considerar como suficiente para a comprovação do dano extrapatrimonial a prova do fato lesivo - e intolerável - ao meio ambiente.Assim, diante das próprias evidências fáticas da degradação ambiental intolerável e, logo, o desrespeito ao direito humano fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. (...) Nesse sentido, para que haja a adequada identificação deste limiar de tolerabilidade, não basta que seja verificado se houve descumprimento de padrões de qualidade ambiental estabelecidos em regulamentos, sendo indispensável levar em consideração as pecularidades do dano ambiental produzido pela sociedade de risco, dentre as quais se destacam: a falta de certeza qaunto à prova e a dimensão do dano e sua manifestação futura e dissociada de interesses pessoais; a dispersão do nexo causal, considerada tanto a distância temporal entre o fato danoso e a manifestação do dano, como as ações múltiplas, cumulativas e sinérgicas que o ocasionam." (LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Obra citada, p. 297).
A respeito do tema, atente-se para o REsp n. 1.367.923/RJ, rel. Min. Humberto Martins e para o REsp 1269494, rel. Min. Eliana Calmon:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO INEXISTENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. CONDENAÇÃO A DANO EXTRAPATRIMONIAL OU DANO MORAL COLETIVO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO NATURA. 1. Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso. 2. A Segunda Turma recentemente pronunciou-se no sentido de que, ainda que de forma reflexa, a degradação ao meio ambiente dá ensejo ao dano moral coletivo. 3. Haveria contra sensu jurídico na admissão de ressarcimento por lesão a dano moral individual sem que se pudesse dar à coletividade o mesmo tratamento, afinal, se a honra de cada um dos indivíduos deste mesmo grupo é afetada, os danos são passíveis de indenização. 4. As normas ambientais devem atender aos fins sociais a que se destinam, ou seja, necessária a interpretação e a integração de acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro natura. Recurso especial improvido. ..EMEN:
(RESP 201100864536, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:06/09/2013 RDDP VOL.:00129 PG:00105 RET VOL.:00939 PG:00428 RSTJ VOL.:00239 PG:00095 ..DTPB:.)
AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. COMPLEXO PARQUE DO SABIÁ. OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC NÃO CONFIGURADA. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE FAZER COM INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. ART. 3º DA LEI 7.347/1985. POSSIBILIDADE. DANOS MORAIS COLETIVOS. CABIMENTO. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. Segundo a jurisprudência do STJ, a logicidade hermenêutica do art. 3º da Lei 7.347/1985 permite a cumulação das condenações em obrigações de fazer ou não fazer e indenização pecuniária em sede de ação civil pública, a fim de possibilitar a concreta e cabal reparação do dano ambiental pretérito, já consumado. Microssistema de tutela coletiva. 3. O dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. 4. O dano moral coletivo ambiental atinge direitos de personalidade do grupo massificado, sendo desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado. 5. Recurso especial provido, para reconhecer, em tese, a possibilidade de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer, bem como a condenação em danos morais coletivos, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, no caso, há dano indenizável e fixação do eventual quantum debeatur. ..EMEN:
(RESP 201101240119, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:01/10/2013 RSTJ VOL.:00239 PG:00074 ..DTPB:.)
2.42. PLÁSTICOS OXIDEGRADÁVEIS:
Como notório (art. 374, I, CPC/15), os polímeros são formados por monômeros unidos por reações de polimerização, formando macromoléculas caracterizadas pela repetição múltipla de uma ou de mais unidades químicas. Os plásticos termorrígidos mantém propriedades que praticamente não se alteram com a variação da temperatura. Sua estrutura é mais rígida por conta das ligações cruzadas que as unidades do polímeros. Estes polímeros, por não serem moldáveis a temperatura, são difíceis de serem reciclados, a exemplo do que ocorre com o silicone, poliuretano, resina, borracha vulcanizada e baquelite.
Atente-se para a reação que dá origem ao cloreto de vinila - um plástico resistente, apontado como carcinogênico:

Sabe-se ainda que as matérias plásticas sintéticas passaram a ser produzidas a partir da segunda metade do século XIX. Até então, pentes, botões, fivelas, eram fabricados com cascos e chifres de animais - contribuindo para a matança de elefantes. O americano John Wesley Hyatt conseguiu produzir, então, o nitrato de celulose, material fácil de ser moldado e com propriedades interessantes. Chamado de celulóide, esse material foi largamente utilizado na fabricação de brinquedos, tintas, vernizes e na fabricação de películas fotográficas, dentre outros. O problema é que era inflamável. A indústria de filmes perdeu boa parte do seu histórico, eis que documentado em filmes de celulóide. Descobriu-se, depois, o acetato de celulose, mais resistente às chamas. Empregou-se ainda a galalite, resina obtida a partir da caseína do leite e do aldeído fórmico, muito utilizada na fabricação de pentes, guarda-chuvas etc.
Em 1909, o químico belga Baekland descobriu as resinas formol-fenólicas, que passaram a ser exploradas a partir de 1920, com o nome de baquelite, dando início à “era dos plásticos”. Com nisso, novos plásticos foram descobertos. A partir de 1940, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial, a indústria dos plásticos cresceu na Europa com a fabricação em grande escala do PVC, que veio substituir a borracha natural - de difícil exportação, àquele tempo -, passando a empregá-lo em algumas aplicações. Na Alemanha, esforços de cientistas foram realizados na preparação da borracha sintética. Nesta mesma época, surge na América a primeira poliamida, chamada nylon, que veio substituir em parte as fibras têxteis naturais, particularmente a seda, que era rara e cara. As pesquisas realizadas pelo cientista Carrothers almejaram produzir um material que se assemelhasse com a seda natural, em beleza e resistência, mas que fosse mais barato. As meias para mulheres fabricadas com o novo material foram um estrondoso sucesso de vendas: não amassavam, secavam rápido e eram baratas. Em um ano, cerca de 64 milhões de pares de meias foram vendidos nos Estados Unidos. O nylon foi também usado na fabricação de páraquedas durante a segunda guerra mundial. Até hoje é um material muito utilizado. A partir de 1950 cresce a exploração do petróleo e surge a indústria petroquímica. A utilização de derivados obtidos a partir do craque do petróleo, tais como o etileno, o propileno, o acetileno, o benzeno, o fenol etc., na síntese de polímeros permitiu o aparecimento de numerosas matérias plásticas. (PIATTI, Tania Maria. Plásticos: características e usos. Maceió. p. 46).
Desse modo, os polímeros são compostos por macromoléculas. Cuida-se de cadeias compostas pela repetição de uma unidade básica, chamada mero. Os meros estão dispostos um após o outro, como pérolas num colar. Uma macromolécula assume formato muito semelhante ao de um cordão. De certa forma, as moléculas de um polímero estão dispostas de uma maneira muito semelhantes a um novelo de lã. É difícil extrair um fio de um modelo de lã. Também é difícil remover uma molécula de uma porção de plástico, pois as cadeias ficam muito unidas entre si. Por exemplo, o polietileno - plástico extremamente comum usado, por exemplo, em saquinhos de leite - é composto pela repetição de milhares de unidades da molécula básica do etileno.
"(...) Muitas propriedades físicas são dependentes do comprimento da molécula, isto é, sua massa molar. Como poiímeros normalmente envolvem um larga faixa de valo- res de massa molar, é de se esperar grande variação em suas propriedades. Alterações no tamanho da molécula, quando esta é pequena, provocam grandes mudanças nas suas propriedades físicas. Estas alterações tendem a ser menores com o aumento do tama- nho da molécula, sendo que para poiímeros as diferenças ainda existem, mas são peque- nas. Isso é vantajosamente usado, produzindo-se comercialmente vários tipos (grades) de poiímeros, para atender às necessidades particulares de uma dada aplicação ou técni- ca de processamento. A Figura 1.3 apresenta de forma esquemática a variação de uma propriedade Eísica geral (por exemplo Tg) com o aumento da massa molar. A variação é assintótica (crescente, como apresentado, ou decrescente) tendendo para um valor que normalmente é o usado para referenciamento." (CANEVAROLO, Sebastião V. Ciência dos polímeros: um texto para engenheiros. 2. ed. Artliber. p. 21)
Ademais, "Nem todos os compostos de baixa massa molar geram polímeros. Para sua síntese, é necessário que pequenas moléculas (monômeros) se liguem entre si para for- mar a cadeia polimérica. Assim, cada monômero deve ser capaz de se combinar com outros dois monômeros, no mínimo, para ocorrer a reação de polimerização. O número de pontos reativos por molécula é chamado de funcionalidade. Portanto, o mono- mero deve ter pelo menos funcionalidade 2. A bifuncionalidade pode ser obtida com a presença de grupos funcionais reativos e/ou duplas ligações reativas." (CANEVAROLO, Sebastião V. Obra citada. p. 21)
Reação simplificada de produção do poliéster:

Os plásticos oxidegradáveis estão submetidos a uma degradação uma alteração significativa na sua estrutura, levando a uma perda irreversível das propriedades inerentes ao seu uso. Em princípio, difere da biodegradação - em que os microorganismos fazem com que os materiais se transformem em CO2, água e humos. Na oxidegradação, os materiais se degradam por meio de um aditivo aplicado em sua composição, dando ensejo à oxidação e fragmentação.
Sustenta-se, por vezes, que tais plásticos não seriam submetidos a efetivos processos de desconstituição no ambiente (degradação):
"(...) Os consumidores mais atentos já devem ter notado que certas sacolas plásticas, dessas utilizadas para embalar produtos comprados em supermercados, drogarias e lojas as mais diversas, trazem a informação de que são confeccionadas com plástico oxibiodegradável. Esse tipo de plástico começou a ser produzido no final dos anos 1980 e, segundo seus fabricantes, são ambientalmente corretos porque se decompõem rapidamente na natureza. Com isso minimizariam uma série de riscos ambientais decorrentes do descarte desses produtos, como a impermeabilização do solo e a contaminação de lençóis freáticos. Agora uma pesquisa concluída recentemente por um pesquisador brasileiro mostra que não é bem assim.
O engenheiro de materiais Guilherme José MacedoFechine, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, realizou uma bateria de testes com um tipo de plástico oxibiodegradável vendido no mercado nacional e constatou que, apesar de ele se fragmentar e virar pó, não é consumido por fungos, bactérias, protozoários e outros microorganismos – condição necessária para ser considerado biodegradável e desaparecer do solo ou da água. De acordo com o pesquisador, que não quer falar os nomes comerciais dos produtos porque as empresas não foram consultadas, não é de hoje que a biodegradabilidade dos polímeros oxibiodegráveis é considerada um assunto polêmico na comunidade científica internacional. Uma corrente de estudiosos duvida se eles são, de fato, biodegradáveis. No início do ano, o governador José Serra vetou um projeto de lei da Assembléia Legislativa paulista que tornava obrigatório o uso de sacolas plásticas com o aditivo oxibiodegradável porque havia dúvidas sobre o real benefício ao ambiente. “Meu estudo comprovou que não são biodegradáveis”, afirma Fechine, que acaba de retornar da Bélgica, onde participou de um congresso internacional sobre modificação e degradação de polímeros, o Modest 2008 na sigla em inglês. Para entender a controvérsia sobre os polímeros oxibiodegradáveis, é importante, primeiro, compreender como ocorre o processo de biodegradação desses plásticos e, em seguida, saber como eles são produzidos. A oxibiodegradação acontece em dois estágios. No início o plástico é convertido, pela ação de oxigênio, temperatura ou radiação ultravioleta em fragmentos moleculares menores.
Em seguida esses fragmentos se biodegradam, o que significa que são convertidos em dióxido de carbono, água e biomassa por microorganismos decompositores. Para fomentar tal característica, os fabricantes misturam um aditivo pró-oxidante a polímeros convencionais, como polipropileno, polietileno ou outros. Esses polímeros são os mais usados para confecção de sacos e outros produtos plásticos. O aditivo pró-oxidante acaba por tornar o polímero supostamente biodegradável. Quando descartado em aterros ou lixões, o aditivo quebraria as longas cadeias moleculares que formam os polímeros, conferindo-lhe as características necessárias para ser consumido pelos microorganismos presentes no solo. “Segundo meu estudo, a única diferença dos polímeros oxibiodegradáveis é que o tempo de fragmentação é muito mais rápido do que o dos polímeros convencionais”, afirma Fechine. “As empresas que comercializam esse tipo de aditivo pró-oxidante deveriam alertar que apenas sua presença não tornará o plástico biodegradável.
Para que isso ocorra, o polímero precisaria passar por uma forte degradação prévia, causada por radiação ultravioleta ou temperatura, por exemplo, e ser descartado em solo apropriado, com pH, umidade, temperatura e presença de microorganismos que permitissem a ocorrência da biodegradação.” Nem todos concordam com as limitações do aditivo. “Não conheço o trabalho, não sei se foi feito com o aditivo que represento, nem sei que metodologia o pesquisador utilizou. Mas posso garantir que testes conduzidos pela Ecosigma, empresa com sede em Campinas especializada em compostagem e gestão de resíduos, e com participação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Instituto Agronômico de Campinas (IAC), demonstraram que os plásticos oxibiodegradáveis fabricados com o aditivo d2w, que representamos no Brasil, são, de fato, biodegradáveis, compostáveis e não ecotóxicos para plantas superiores, minhocas e microorganismos metanogênicos [que produzem metano]”, afirma Eduardo van Roost, diretor-superintendente da Res Brasil, que comercializa o aditivo d2w para mais de 160 fabricantes brasileiros de embalagens plásticas."
(http://www.plastivida.org.br/index.php/conhecimento/60-plasticos-oxidegrada veis?lang=pt - degradação difícil).
No mencionado site - www.plastivida.org - há transcrição de email supostamente encaminhado pelo Ministério do Meio Ambiente, em 22 de julho de 2009:
"O Ministério do Meio Ambiente está promovendo a campanha "Saco é um saco", estimulando o consumo consciente de sacolas plásticas, independente do material de que são produzidas. Colocamo-nos contrários ao estabelecimento de legislações que estabeleçam a obrigatoriedade de uso de um material específico, o que engessaria o desenvolvimento tecnológico que poderá um dia oferecer melhores opções.
Sobre a questão dos oxi-degradáveis e, especificamente, sobre o parece técnico oferecido pela Defensoria Social, gostaríamos de deixar claro que o fato de termos recebido os referidos laudos através do representante da RES Brasil não implica a chancela do MMA a estes laudos, ou qualquer alegação de concordância em relação a seu conteúdo e o produto analisado.
Sugerimos aos representantes da RES Brasil e da Defensoria Social que disponibilizem os laudos em seus websites, para que a comunidade científica e toda a sociedade brasileira possam ter acesso aos mesmos e chegar a suas próprias conclusões. A tecnologia oxi-degradável não é a solução para o impacto ambiental do plástico, assim como também não o é o bioplástico ou mesmo a substituição do plástico pelo papel no caso das sacolas de supermercado. Não há solução possível sem que antes haja o consumo consciente de qualquer que seja o produto - todos envolvem consumo de recursos naturais, emissão de gases poluentes e efluentes, e todos exigirão descarte adequado e reciclagem.
O que precisamos é reduzir a quantidade de lixo que geramos e modificar nossos padrões de consumo, de modo a respeitar a capacidade de suporte do planeta. A questão do lixo plástico gerado recai sobre o mesmo princípio: reduzir é o primordial, pois não podemos contar que a reciclagem dê conta de nosso consumo crescente deste material. "
Em princípio, os plásticos oxidegradáveis estão destinados a acelerar seu processo de destruição. Discute-se se eles poderiam ser considerados biodegradáveis, por conta da fragmentação no curso da sua degradação, formando microplásticos e alegadamente contribuindo para a contaminação dos ecossistemas por metais pesados e toxinas. Essa é a discussão travado no presente processo. Saber se essa asserção é verdadeira depende da apresentação de suficientes elementos probatórios para tanto. Atente-se para o seguinte gráfico, disponível no site https://propeq.com/tipos-de-plasticos-e-suas-aplicacoes:

O plástico oxidegradável toma por base o polietileno (PE), o polipropileno (PP), o poliestireno (PS) e o politereftalato de etileno (PET), termoplásticos já mencionados. Mas o que determinaria sua oxidegradabilidade - degradação pelo oxigênio - seria o emprego de aditivos pró-degradantes, com a propriedade de fragmentar o plástico. Discute-se, enfim, se tais plásticos viabilizariam a reciclagem, ou se apenas produziriam partículas menores, de demorada degradação, podendo comprometer a homeostase ambiental. Com exame precário, esse é um primeiro equacionamento do tema.
2.43. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA:
Ademais, ao que releva, a inversão do ônus da prova está prevista no art. 373, §1º, CPC, sendo projeção da lógica do art. 6º, VIII, CDC, com mitigação da máxima actor incumbit probatio et rei in excipiendo fit auctor, com uma distribuição dinâmica das cargas probatórias, ope iudicis. Como notório, há casos de inversão legal direta do ônus da prova, a exemplo do que ocorre com o art. 1.965, Código Civil, ao dispor que "Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador"; há hipóteses de inversão legal indireta, fundada em presunções legais relativas, a exemplo da previsão do art. 322, CC ("Quando o pagamento for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção de estarem solvidas as anteriores.")
O processualista Araken de Assis promove uma avaliação crítica da ampliação das hipóteses de inversão do ônus da prova, promovida com o CPC/2015:
"À base da regra do art. 373, I e II, incrementada pela decisão do art. 357, III, situa-se a previsibilidade do julgamento. A distribuição do ônus das partes institui regra de conduta para as partes e, no caso de instrução infrutífera, regra de julgamento para o juiz. Uma das partes, independentemente da sua vontade e contribuição para o resultado, assumirá o risco do insucesso probatório (retro, 1.338). Essa previsibilidade decorre da rigidez da distribuição dos riscos da instrução. Ao ensejo, assinalou-se: a distribuição proporcional e invariável do ônus da prova é um postulado da segurança jurídica, sustentado pelos práticos e defendido pelos partidários das teorias divergentes.
Examinando-se com maior atenção a sistemática legal da distribuição, verifica-se que a decantada rigidez é mais aparente que genuína. O poder de iniciativa oficial interfere, quiçá decisivamente, em tal seara, diminuindo o risco da parte onerada. E o princípio da livre apreciação (art. 371) contrabalança a prova fraca. Por fim, os temperamentos oriundos de regras especiais (retro, 1.339.2) funcionam como elementos de equilíbrio e isonomia.
O processo civil social sugeriu outro critério mais abrangente: a atribuição do ônus da prova ope judicis, conforme o caso, independentemente da posição processual ocupada pela parte, e visando à facilitação da prova. Para essa finalidade, atribuiu-se o ônus casuisticamente à parte que (aparentemente) dispõe de maiores recursos, informações e proximidade com a fonte da prova. À tal orientação, que não é recente – a distribuição do ônus entre autor e réu inspirava-se, no direito comum, em razões de equidade –, a doutrina argentina contemporânea chamou de distribuição dinâmica do ônus da prova. Existem outras denominações em uso.
Não se exige esforço inaudito para identificar a fonte inspiradora da proposta de derrogação da distribuição stática. É a mesma que defende o superlativo aumento dos poderes do órgão judiciário, transformado no führer do processo, e deposita irrestrita confiança no homem e na mulher investidos na função judicante, na respectiva inteligência, prudência, tempo disponível para delicadas ponderações e flexibilidade em desincumbir-se da magna tarefa de guardião dos direitos fundamentais.
A adesão à tese autoritária descansa em dado psicológico. O fascínio, a irrefreável atração pela novidade, haja ou não maior merecimento, a busca de soluções para a numerosidade dos feitos, assumiram papel decisivo na rápida e irrefletida adesão à teoria dinâmica. As justificativas apresentadas são esquivas ou vazias, mera retórica – a “facilitação” do acesso à Justiça Pública é uma delas.
A teoria da distribuição dinâmica baseia-se em premissa claramente irreal: o juiz e a juíza brasileira, encarregados de processar e julgar milhares de processos, não têm vagares e os instrumentos necessários à ponderação dos interesses em jogo. Não é por outra razão que só se dão conta da conveniência da mudança das regras do ônus na oportunidade do julgamento. Em realidade, a distribuição dinâmica constitui um enorme perigo ao processo garantista. Apressadamente demais, salvo engano, rejeitou-se a quebra da parcialidade em favor dos vulneráveis, invarialmente beneficiados dessa maneira. Não é outro motivo da inexistência de critérios legais e da sua irrelevância. Esquece-se o melhor princípio: O arbítrio do juiz em liberdade total e não condicionado a determinados parâmetros legais que balizem a sua atuação não é um bom princípio.
O objetivo dessa extravagante “técnica” de julgamento é transparente, embora raramente enunciado. Favorece uma das partes que, segundo o critério fixo e prévio, não lograria êxito, por razões nem sempre – permita-se a metáfora – próprias do ofício de fazer justiça. Notou-se o problema, paradoxalmente, no processo trabalhista: pretendendo o autor horas extras, incumbe-lhe, segundo o art. 818 da CLT o ônus de provar a jornada excedente. Ora, a atribuição do ônus ao réu de provar a jornada de trabalho significaria, na prática, descarregar os riscos da demanda unicamente sobre o réu: ou ele contesta, assumindo o ônus; ou não contesta, e suporta os efeitos da falta de controvérsia, ensejando o acolhimento do pedido. O resultado é eloquente e desnuda, ao nosso ver, a inconstitucionalidade da regra.
Inovando o processo civil, o art. 379, caput, introduziu importante limite aos deveres das partes – comparecer em juízo e responder ao que for perguntado; colaborar com a inspeção judicial, incluindo a inspectio corporis; praticar o ato que lhe for ordenado –, porque, em qualquer hipótese, há de ser preservado “o direito de não produzir prova contra si própria”. Ora, a distribuição dinâmica do ônus da prova implica, na prática, justamente o que art. 379, caput, proíbe terminantemente. Se o veto de self incrimination descansa em bases constitucionais, o art. 373, § 1.º, é inconstitucional.
Essas considerações, e o risco latente de transformar o réu em vilão, a priori, e que já suporta riscos financeiros desiguais quando litiga com autor beneficiário da gratuidade, na melhor das hipóteses recomendam aplicação estrita da doutrina da carga dinâmica, segundo pressupostos legais previamente delimitados. Tarefa particularmente difícil, pois a técnica legislativa só pode consagrar conceitos juridicamente indeterminados e, para esse efeito, trocar “peculiaridades do fato a ser provado” por “excessiva onerosidade” é, apesar da boa intenção, trocar seis por meia dúzia. E, de qualquer modo, convém explicitar tanto o fundamento, quanto a finalidade da doutrina, a fim de evitar um dos maiores males do discurso jurídico, que é a ocultação das premissas ideológicas.
A objeção de fundo à distribuição dinâmica radica em outro aspecto. Existem fatos difíceis de provar, porque – eis o ponto – as fontes de prova e os meios de prova ostentam limites naturais. Ora, atribuir o ônus à contraparte não elimina a dificuldade, porque intrínseca à alegação de fato. A atribuição do ônus à parte contrária da originariamente agravada aumentaria a injustiça da decisão em desacordo com os valores constitucionais. A única solução consiste em fundar a decisão em juízo de verossimilhança. Assim, se A alega que contraiu infecção no hospital B, onde esteve internado, embora não seja possível apurar cientificamente a origem da bactéria (há as que se produzem unicamente no ambiante hospitalar) não cabe atribuir ao réu B a prova que o autor A, porque supostamente encontrar-se-ia em melhores condições de provar a inexistência de fatores de contaminação no estabelecimento. Não é a regra geral da distribuição do ônus da prova a causa da injustiça, mas sua alteração.
Na vigência do CPC de 1973, buscou-se arrimo no poder de instrução oficial para sustentar a admissibilidade da distribuição casuística, ope iudicis, do ônus da prova. O STJ, no procedimento monitório, admitiu semelhante regime, repartição do ônus da prova subjetivo nas “peculiaridades do caso concreto”, dando-lhe o nome que lhe é próprio: distribuição dinâmica. De lege lata, somente o art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, autorizava, expressis verbis, a distribuição ope judicis do ônus da prova no direito.
A construção de uma possibilidade mais geral de distribuição do ônus da prova, ope judicis, assenta em outras bases. O art. 373, § 1.º, prevê semelhante medida em três hipóteses: (a) impossibilidade de a parte desincumbir-se do ônus da prova nos termos do art. 373, I e II; (b) excessiva dificuldade em cumprir o encargo nesses termos; (c) maior facilidade em obter prova do fato contrário. Em qualquer hipótese, acrescenta o art. 373, § 2.º, a distribuição, ope judicis, não pode tornar o encargo da parte onerada impossível ou excessivamente difícil.
A iniciativa oficial em matéria de prova nada tem a ver com o risco final suportado pela parte onerada e cristalizado na falta ou insuficiência de prova. A atuação do juiz só atenua o risco desse resultado frustrante, mas não o pré-exclui em termos categóricos e definitivos, pois não é a iniciativa que preside o resultado da prova, mas a limitação do conhecimento humano.
O fundamento mais plausível para justificar a distribuição ope judicis no sistema processual é o sistemático. Ao vedar a distribuição convencional do ônus da prova (retro, 1.339.3.2) em casos que se criem dificuldades ao exercício da pretensão ou da defesa, o art. 373, § 1.º, institui requisito mais geral. Existindo motivo concreto, prévio e perfeitamente delimitado no processo – e, não, a automática inversão em proveito do vulnerável, do cliente bancário, do trabalhador, e assim por diante –, perante o qual a aplicação da distribuição estática do art. 373, I e II, atribuiria prova de produção difícil ou impossível a uma das partes (probatio diabolica), mas a contraparte se encontraria posição mais vantajosa, cabe a distribuição ope judicis no direito brasileiro. Por exemplo: na ação em que o paciente A alega que os prepostos do nosocômio B, desatendendo às prescrições do médico C, ministraram-lhe o fármaco errado ou na dose proibida, provocando gravíssimo dano, o réu dispõe de acesso fácil aos meios de prova – ao prontuário hospitalar, no qual a equipe de enfermagem lançou os dados, e às testemunhas que, afinal, cometeram ou não o erro fatal na medicação. Em contrapartida, ao paciente A é impossível ou excessivamente difícil conhecer o prontuário e identificar as testemunhas. Essa é uma hipótese que não atrai a incidência da reserva do art. 373, § 2.º.
Somente nessas condições estritas – motivo concreto, prévio e delimitado – revela-se aceitável a distribuição ope judicis do ônus da prova perante os direitos fundamentais processuais que, operando no processo, conformam a atividade processual das partes e do órgão judiciário. Não pode se adotada como regra, mas como exceção, interpretada restritivamente. Assim, a distribuição “dinâmica” atua subsidiariamente.
A distribuição dinâmica do ônus da prova ocorre em outros ordenamentos. O art. 217.6 da Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola institui dois meios para corrigir a inadequação formal do critério geral (onus probandi incumbit qui ei dicit): (a) a disponibilidade da prova (v.g., na investigação de paternidade, o suposto pai tem condições de esclarecer o fato biológico, através de exame de DNA); e (b) a facilidade probatória (v.g., a empresa encontra-se melhor situada para arrolar as testemunhas de eventos que ocorreram em suas dependências que o visitante ocasional). E, no direito norte-americano, o juiz alocará o ônus da prova segundo numerosas e complicadas regras.
Essa teoria tem cunho autoritário, porque concentra poderes no órgão judiciário, e, desse modo, traz consigo alto risco de subjetivismo. Duas objeções principais, relevando o risco de prevaricação e o dever de fidelidade do juiz ao direito, opõem-se à doutrina: (a) o já mencionado risco de subjetividade e, ademais, de relatividade: o que é fácil para certo juiz pode não o ser para outro; e (b) a violação positiva ao direito fundamental processual do contraditório. Contra o risco de subjetividade, inexiste remédio; para a violação do contraditório, a medida cabível é a exigência de que haja motivo concreto, prévio e delimitado para a distribuição ope judicis. A distribuição do ônus da prova na decisão de saneamento e de organização do processo (art. 357, III) contrabalança os riscos, norteando a atividade das partes na instrução das causas. Seja como for, as objeções evidenciam que, entre nós, inexiste ainda densidade do direito fundamental à prova. O contraditório argumentantivo (dizer e contradizer) não mais satisfaz.
As repercussões positivas ou negativas da repartição casuística podem ser aquilatadas e medidas nas relações de consumo. Em tal matriz, considerando o disposto no art. 6.º, VIII, da Lei 8.078/1990, passa-se à análise do tema, sublinhando que não se limita a tais espécies de litígio, em tese, a distribuição dinâmica." (ASSIS, Araken. Processo civil brasileiro. Volume II - Tomo II: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 203-209)
Por conta de tais objeções, a inversão do ônus probatório prevista no art. 373, §1º, CPC, não pode ser aplicada sem maiores comedimentos. Exige-se a presença de uma situação de efetiva dificuldade da parte cumprir o encargo decorrente do art. 373, I e II, ou uma manifesta maior facilidade de obtenção da prova, com a alteração do ônus. Em qualquer caso, deve-se assegurar às partes cumprir os encargos probatórios pertinentes e a medida não pode implicar hipóteses de verdadeira probatio diabolica, carreando à parte um ônus de impossível ou de excessivamente custosa demonstração (art. 373, §2º, CPC).
2.44. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - tutela ambiental:
No que toca ao direito ambiental, em muitos casos pode-se atribuir aos empreendedores o ônus de comprovar a higidez do empreendimento, diante do postulado in dubio pro natura. Importa dizer: em tais hipóteses, subsistindo dúvida fundada na existência de vícios no procedimento adotado para a realização da obra, ela haveria de ser suspensa, até que tais desacertos fossem corrigidos. Em determinados contextos, como consequência do princípio in dubio pro natura, "justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento, a partir da interpretação do art. 6º , VIII , da Lei 8.078 /1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347 /1985, conjugado ao Princípio Ambiental da Precaução" (REsp 972.902/RS , Rel. Min. Eliana Calmon, 2. Turma, DJe 14.9.2009).
Ainda nesse sentido, decidiu o STJ: "A inversão do ônus da prova no que se refere ao dano ambiental está de acordo com a jurisprudência desta Corte, que já se manifestou no sentido de que, tratando-se de ação indenizatória por dano ambiental, a responsabilidade pelos danos causados é objetiva, pois fundada na teoria do risco integral. Assim, cabível a inversão do ônus da prova" (AgRg no AREsp 533.786/RJ, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Quarta Turma, julgado em 22/9/2015, DJe de 29/9/2015).
Nesse mesmo sentido, menciono os julgados do STJ: Aglnt no AREsp 721.778/RO, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÕAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe 10/2/2017; REsp 1.060.753/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 14/12/2009; REsp 1.049.822/RS. Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO. PRIMEIRA. TURMA, DJe 18/5/2009; REsp: 1720576 RO 2018/0018078-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 05/06/2018, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/09/2020.
Acrescento, porém, que o tema deve ser conjugado com a presunção de boa-fé individual, decorrente da garantia do devido processo (art. 5º, LIV, CF). Em regra, a má-fé se demonstra e a boa-fé é suposta. A compatibilização dos dois temas (inversão do ônus, para adequada tutela ambiental; presunção de boa-fé individual, enquanto consectário do devido processo) nem sempre é singela.
No caso em exame, atentando para o disposto no art. 18 da lei de ação civil pública - que exonera a associação autora da antecipação de honorários periciais -, considerando ainda a densidade da argumentação articulada na peça inicial, REPUTO DEVIDA a inversão do ônus da prova, de modo que caberá às entidades mercantis demandadas o ônus de comprovar a segurança ambiental dos plásticos produzidos/comercializados/utilizados. Em princípio, a medida não viola o devido processo, na espécie, porquanto não se cuida de uma diligência demonstrativa de impossível ou difícil execução, exigindo-se apenas a elaboração, sob bilateralidade de audiência, de perícia química, de resistência dos materiais, ensaios de tração etc., conforme se façam pertinentes e necessários.
2.45. EVENTUAL EMPRÉSTIMO PROBATÓRIO:
No mais das vezes, eventuais elementos de convicção, obtidos em outras demandas, podem ser opostos às partes, contando que haja consenso entre os contendores a respeito da sua admissão na causa, na forma do art. 190, CPC/15. Ou seja, desde que haja acordo entre os litigantes, no âmbito de processos versando sobre pretensões que admitam autocomposição.
Nos demais casos, aludidos elementos probatórios, obtidos em outros processos, poderão ser opostos aos litigantes desde que ambos tenham participado da relação processual em que tais elementos probatórios tenham sido obtidos, sob contraditório (TALAMINI, Eduardo. Prova Emprestada no Processo Civil e Penal. In Revista de Informação Legislativa, v. 140, p. 157-158).
É o que se infere do art. 373, CPC: "O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório."
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PROVA EMPRESTADA REALIZADA EM AÇÃO ANULATÓRIA, PERÍCIA CONTÁBIL. POSSIBILIDADE. IDENTIDADE DE PARTES E CAUSA DE PEDIR.A jurisprudência assentada no C. STJ reconhece a validade da prova emprestada, desde que produzida em processo envolvendo as mesmas partes, com identidade na causa de pedir, sendo inadmissível que a parte suporte os efeitos das provas produzidas sem a sua participação, em observância aos princípios da instrumentalidade das formas, celeridade, economia e efetividade do processo.In casu, ambas as ações têm as mesmas partes e causas com identidade de pedir, visto que discutem os mesmo débitos. Aberto prazo para a União Federal se manifestar sobre o laudo pericial,ausente qualquer violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa.Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AI 00178372420154030000, DESEMBARGADORA FEDERAL MARLI FERREIRA, TRF3 - QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/04/2016.. FONTE_REPUBLICACAO:.)
"As provas emprestadas para estes autos, requeridas tanto pelo autor, quanto pelo réu, foram produzidas em ação penal com as mesmas partes, sem, pois, qualquer prejuízo ao contraditório, renovado quando da respectiva juntada na presente ação, não se revelando pertinente, na espécie, logicamente e nos termos da jurisprudência, a repetição da prova neste processo, sob pena de inutilidade do empréstimo realizado dos outros autos." (Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2242219 0006167-38.2010.4.03.6119, JUIZA CONVOCADA DENISE AVELAR, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/01/2018)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSPETOR DE SEGURANÇA DOS CORREIOS. DEVASSA E SUBTRAÇÃO DAS MERCADORIAS. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA PELOS MESMOS FATOS. PROVA EMPRESTADA NO JUÍZO CÍVEL. POSSIBILIDADE. 1. Apelação cível interposta pelo demandado, em face de sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco que o condenou às sanções insertas no art. 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92, pela prática de ato improbidade administrativa. 2. Preliminares de cerceamento de defesa e de violação ao devido processo legal que se rejeitam. Primeiramente, não há qualquer mácula ao direito de ampla defesa e contraditório da parte, pelo fato de não ter havido interrogatório do investigado, eis que, diferentemente do que ocorre no processo criminal, no rito das ações civis pública por ato de improbidade administrativa, não há previsão legal da realização desse ato. Também não restaram comprovadas as alegações de violação da mobília funcional do apelante, bem como fraude das imagens colacionadas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, em que se revela de forma induvidosa o modus operandi da prática ilícita perpetrada pelo recorrente. 3. O Ministério Público Federal ingressou com ação civil pública por ato de improbidade administrativa em desfavor do apelante, imputando-lhe a prática de atos de improbidade, os quais também foram objeto de persecução penal, deflagrada a partir de sua prisão em flagrante, seguida de denúncia e condenação pelo crime de peculato (art. 312, parágrafo 1º, c/c o art. 71 do Código Penal). 4. O juízo cível utilizou-se de prova emprestada colhida na seara penal, hipótese essa amplamente autorizada pelas Cortes Pátrias, uma vez respeitados os princípios da ampla defesa e do contraditório. Precedentes. 5. Diante do vasto acervo probatório constante dos autos - provas documentais, testemunhais e depoimentos -, é indiscutível a autoria e materialidade dos fatos ímprobos imputados, havendo perfeita subsunção das condutas praticadas pelo apelante à capitulação descrita no art. 11, I, da Lei de Improbidade Administrativa, eis que o demandado, na condição de funcionário público dos Correios, prevalecendo-se da sua condição de Inspetor Regional dos Correios, subtraiu - de forma consciente e reiterada - para si, encomendas destinadas aos clientes da aludida empresa pública. 6. Apelação improvida. (AC - Apelação Civel - 590937 0007186-73.2013.4.05.8300, Desembargador Federal Edílson Nobre, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::14/12/2017 - Página::62)
O tema é especialmente sensível quando se cuida de transposição de termos de testemunhos ou laudos periciais elaborados em outros processos. O mesmo não se dá, em princípio, quanto a documentos anexados em outros feitos, na medida em que a prova documental está submetida, em regra, apenas ao contraditório diferido. Tanto por isso, em princípio, o traslado de cópia de documentos jungidos em outros autos de processo - mesmo que deles não figurem os litigantes - não chega a comprometer a garantia do contraditório, podendo-se questionar, contudo, a tempestividade da juntada, diante do art. 320 e do art. 434, Código de Processo Civil.
Deve-se ter em conta, porém, que "O artigo 372 do CPC/15 previu o uso de prova emprestada, desde que assegurado o contraditório. Na hipótese, não se admite a utilização do conteúdo dos laudos indicados, eis que a prova emprestada só tem valor probante quando tenha sido produzida em processo envolvendo as mesmas partes, face à necessidade de observância estrita da garantia constitucional do contraditório, o que não se verificou, já que o laudo anexado pelo Autor foi produzido em favor de empregados celetistas da EBSERH, não tendo a UFPE participado da ação que produziu a prova pericial." (TRF-5 - Ap: 08245069320194058300, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA, Data de Julgamento: 28/10/2021, 3ª TURMA)
Por outro lado, convém ter em conta o seguinte julgado do TRF4:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. prova emprestada. admissibilidade. nulidade não configurada. prazo prescricional. suspensão. requerimento administrativo de revisão. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. MÉDICO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. GRAU MÁXIMO. CONFIGURAÇÃO. 1. Desnecessária a reabertura da instrução, quando o próprio juiz, destinatário da prova, entende que as questões suscitadas pelas partes já se encontram devidamente esclarecidas. 2. A utilização da prova emprestada atualmente tem amparo no art. 372 do CPC/15: "O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.". O STJ já afastou a necessidade de identidade de partes para a utilização de prova emprestada, desde que assegurado o contraditório como requisito primordial. 3. O requerimento administrativo de revisão do benefício suspende o curso do prazo prescricional, que é retomado a partir da decisão definitiva por parte da Administração, conforme art. 4º do Decreto n. 20.910/32. 4. Faz jus a parte autora, médica anestesiologista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, à percepção do adicional de insalubridade em grau máximo, tendo em vista que o laudo médico pericial concluiu pela exposição habitual a agentes nocivos biológicos, sendo contundente quanto à existência da insalubridade em nível máximo. (TRF-4 - AC: 50556034820154047000 PR 5055603-48.2015.4.04.7000, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 19/05/2020, TERCEIRA TURMA)
Atente-se para a fundamentação do mencionado acórdão do TRF4: "A utilização da prova emprestada atualmente tem amparo no art. 372 do CPC/15: "O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório. Com efeito, sendo o juiz o destinatário da prova, a ele compete ponderar sobre a necessidade ou não da sua realização. A produção probatória deve possibilitar ao magistrado a formação do seu convencimento acerca da questão posta, cabendo-lhe indeferir as diligências que reputar desnecessárias ou protelatórias ao julgamento da lide."
Neste sentido o seguinte julgado do E. STJ: "1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, deve ser afastada a alegada ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil de 1973. 2. Como destinatário final da prova, cabe ao magistrado, respeitando os limites adotados pelo Código de Processo Civil, a interpretação da produção probatória, necessária à formação do seu convencimento. 3. Inviável o recurso especial cuja análise impõe reexame do contexto fático-probatório da lide (Súmula 7 do STJ). 4. Agravo interno a que se nega provimento.' (AgInt no AREsp 829.231/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 13/09/2016, DJe 21/09/2016)
A Corte Especial do STJ já afastou a alegada necessidade de identidade de partes para a utilização de prova emprestada, desde que assegurado o contraditório como requisito primordial. Eis excerto da ementa:
(...) 9. Em vista das reconhecidas vantagens da prova emprestada no processo civil, é recomendável que essa seja utilizada sempre que possível, desde que se mantenha hígida a garantia do contraditório. No entanto, a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto. 10. Independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo. 11. Embargos de divergência interpostos por WILSON RONDÓ JÚNIOR E OUTROS E PONTE BRANCA AGROPECUÁRIA S/A E OUTRO não providos. Julgados prejudicados os embargos de divergência interpostos por DESTILARIA ALCÍDIA S/A. (EREsp 617.428/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/06/2014, DJe 17/06/2014)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO POR DECISÃO MONOCRÁTICA. POSSIBILIDADE. APRECIAÇÃO DE TODAS AS QUESTÕES RELEVANTES DA LIDE PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PROVA EMPRESTADA. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO. (...) 2. Esta Corte entende que "independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo" (EREsp n. 617.428/SP, rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 4/6/2014, DJe 17/6/2014). 3. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ. 4. Somente em hipóteses excepcionais, quando irrisório ou exorbitante o valor da indenização por danos morais arbitrado na origem, a jurisprudência desta Corte permite o afastamento do referido óbice, para possibilitar a revisão. No caso, o valor estabelecido pelo Tribunal de origem não se mostra excessivo, a justificar sua reavaliação em recurso especial. 5. O recurso especial que não impugna fundamento do acórdão recorrido suficiente para mantê-lo não deve ser admitido, a teor da Súmula n. 283/STF. 6. Agravo interno a que se nega provimento. ( AgInt no AREsp 972.929/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 27/05/2019, DJe 30/05/2019) - destacou-se.
Assim, caso seja superada a questão alusiva à litispendência, as partes poderão anexar aos autos, querendo, elementos de convicção porventura anexado ao processo em tramitação perante a Subseção de Manaus, 7.VF - autos 1007104-63.2020.4.01.3200.
2.46. JUÍZOS DE ABDUÇÃO:
A distribuição do ônus da prova cuida de um critério de solução da causa, diante da eventual insuficiência da comprovação da veracidade de determinadas asserções. Na forma do art. 373, I, CPC/15, caso a parte autora tenha promovido a narrativa de um fato, apontado como causa da sua pretensão, e a veracidade dessa narrativa não tenha sido comprovada, a pretensão há de ser julgada improcedente. Caso a parte requerida tenha alegado a ocorrência de um fato obstativo do acolhimento da pretensão da parte autora - por exemplo, causação do dano por um terceiro, desvinculado da sua atividade econômica -, e isso não seja provado, sua impugnação não poderá ser acolhida.
Na hipótese, dada a inversão do ônus da prova, a parte requerida deverá comprovar a falsidade da narrativa dos fatos, promovida na peça inicial. Algo diferente ocorre com os critérios de valoração dos meios de prova. Nesse âmbito, tem-se em conta a forma como o Juízo deve apreciar os elementos probatórios veiculados nos autos, para fins de reconstrução histórica dos fatos narrados pelas partes.
Como sabido, indício "é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-dedutivo" (MOURA, Maria Thereza. A prova por indícios no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 109). Tais sinais, fundamentando juízos de abdução, podem amparar um decreto condenatório; desde que sejam coerentes, harmônicos entre si, e não refutados por contraindícios.
"Indício não é uma prova menor, mas uma prova que deve ser verificada. O indício é idôneo para apurar a existência de um fato histórico delituoso somente quando presentes outras provas que excluam uma diversa reconstrução do acontecimento. O princípio é formulado no art. 192, inc. 2, do CPP [italiano]: a existência de um fato não pode ser deduzida por meio de indícios, a menos que estes sejam graves, precisos e consonantes. Desta regra emerge, em primeiro lugar, que um único indício nunca é suficiente." (TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. SP:RT, p. 58)
"Valor probatório dos indícios: como já afirmamos em nota anterior, os indícios são perfeitos tanto para sustentara a condenação, quanto para a absolvição. Há autorização legal para a sua utilização e não se pode descurar que há muito preconceito contra essa espécie de prova, embora seja absolutamente imprescindível ao juiz utilizá-la. Nem tudo se prova diretamente, pois há crimes camuflados - a grande maioria - que exigem a captação de indícios para a busca da verdade real. Lucchini, mencionado por Espínola Filho, explica que a eficácia do indício não é menor que a data prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à histórica e física. O indício é somente subordinado à prova, porque não pode subsistir sem uma premissa, que é a circunstância indiciante, ou seja, uma circunstância provada; e o valor crítico do indício está em relação direta com o valor intrínseco da circunstância indiciante. Quando esteja bem estabelecida, pode o indício adquirir uma importância predominante e decisiva no juízo (...) Assim também Bento de Faria, apoiado em Malatesta.
Realmente, o indício apóia-se e sustenta-se numa outra prova. No exemplo citado na nota anterior, quando se afirma que a coisa objeto do furto foi encontrada em poder do réu não se está provando o fato principal, que consiste na subtração, mas tem-se efetiva demonstração de que a circunstância ocorreu, através do auto de apreensão e de testemunhas. Em síntese, o indício é um fato provado e secundário (circunstância) que somente se torna útil para a construção do conjunto probatório ao ser usado o processo lógico da indução." (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8ª ed., SP: RT, p. 514)
"Inicialmente, é de ser recordar que todos os meios de prova no processo penal são relativos, não existindo hierarquia entre eles. Fixada essa premissa, é óbvio que os indícios podem servir para sustentar uma condenação, a depender evidentemente da sua qualidade. (...) [Nota de rodapé:] Em passagem pitoresca Denílson Pacheco afirma: É possível se condenar com base em indícios? Desde que sejam veementes e insofismáveis, a resposta é positiva. Para ilustrar, vamos contar uma estória muito difundida no meio forense. Um gato e um passarinho foram colocados no interior de uma sala hermeticamente fechada e completamente vazia. Várias testemunhas idôneas foram colocadas do lado de fora da sala durante todo o evento. A única saída foi fechada e, rapidamente, foi aberta novamente, com todas as testemunhas observando a única saída. No interior da sala, o passarinho tinha sumido. Havia somente penas pelo chão. O gato encontrava-se num canto da sala, lambendo os beiços, com sangue pelos bigodes e, ainda, umas penas pelos dentes. Alguém viu o gato comendo o passarinho? Alguém viu o assassinato do passarinho? Todas as provas são indiciárias: a sala hermeticamente fechada, o gato e passarinho sozinhos na sala, as testemunhas idôneas que observaram todo o evento etc. Mas, de todos esses indícios veementes, podemos tirar nossa firme conclusão: alguém tem dúvida de que foi o gato que comeu o passarinho? (Direito processual penal, Teoria, crítica e práxis, p. 896)." (BEDÊ JÚNIOR, Américo; SENNA, Gustavo. Princípios do processo penal: entre o garantismo e a efetividade da sanção. RT, p. 113.
"A prova indiciária, ou prova por indícios, terá a sua eficiência probatória condicionada à natureza do fato ou da circunstância que por meio dela (prova indiciária) se pretender comprovar. Por exemplo, tratando-se de prova do dolo ou da culpa, ou dos demais elementos subjetivos do tipo, que se situam no mundo das idéias e das intenções, a prova por indícios será de grande valia." Pacelli de Oliveira, Curso de processo penal, 6ª ed. Del Rey, p. 367.
"Se é verdade que na investigação da subjetividade do agente, o fato externo é que indica o elemento interno, isto não quer dizer que o dolo possa ser presumido. O juiz deverá se convencer da ocorrência do dolo, ainda que - para tanto - deva se basear em elementos objetivos. Estes dados objetivos devem estar provados e convencer o julgador, sem margem de dúvida, sobre qual era a intenção do acusado. A inferência do elemento subjetivo a partir de dados objetivos não significa que o dolo seja presumido." (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. SP: RT, 2.003, p. 307, grifei.
Transcrevo também alguns julgados a respeito desse tema: "Uma sucessão de indícios e circunstâncias, coerentes e concatenadas, podem ensejar a certeza fundada que e exigida para a condenação." (STJ, 5ª turma, REsp n. 130.570, rel. Min. Felix Fischer, DJU de 06.10.97, p. 50.035, omiti o restante da ementa). Ademais, "Indícios e circunstâncias quando múltiplos, sucessivos, coerentes concatenados e veementes, como no caso dos autos, têm o mesmo valor das provas diretas e são suficientes para embasar uma decisão condenatória, ainda mais quando excluem quaisquer outras hipóteses favoráveis ao condenado." (TRF da 4ª Rg., 7ª Turma, Apelação criminal de autos 200104010635742/PR, rel. Des. Fed. José Luiz Borges Germano da Silva, DJU 01.09.2004, p. 802, omiti parte da ementa).
Ainda nesse sentido, "Pressuposta a impenetrabilidade de consciência, se o réu não confessa, a prova do elemento subjetivo do delito só pode ser fornecida por meios indiretos, por indícios, vale dizer." (TRF 3ª Rg., ACR 17.877, DJU de 05.08.2005, p. 383, rel. Juiz Peixoto Júnior).
De qualquer sorte, cabe quem alega o ônus da demonstração segura, ou seja, crível e filtrada racionalmente, tanto quanto possível, de que os argüidos teriam praticado, ao tempo reportado pela petição inicial, a conduta imputada, ainda que isso possa ser promovido por meio da conjugação de significativos e consistentes indícios da prática infracional. Sendo isso aplicável na temática processual penal, solução semelhante impõe-se também no âmbito da ação civil pública, com os contornos próprios ao processo civil.
2.46. DELIMITAÇÃO DAS NARRATIVAS DOS FATOS:
Como relatei acima, o instituto autor sustentou que os demandados fabricariam, comercializariam ou, quando menos, utilizariam na sua atividade mercantil plásticos oxidegradáveis. Argumentou que tais polímeros não seriam efetivamente recuperadas pela natureza, ensejando poluição ambiental. Gerariam microplásticos e resíduos com metais pesados na sua composição, inviabilizando atividades de reciclagem e inibindo a efetiva recuperação pela natureza. Aduziu ainda que os requeridos promoveriam publicidade enganosa.
Os demandados sustentaram, no essencial, que aludidos plásticos oxidegradáveis não dariam ensejo aos danos noticiados pela parte autora. Alguns argumentaram não os produzir e não os comercializar. Enfatizaram que a recuperação ambiental seria viável, operando-se de modo regular. Alegaram que a atividade contaria com licença estatal, gerando a presunção da sua adequação às normas ambientais pertinentes.
Em síntese, essas são as narrativas sobre os fatos havidos.
2.47. DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES JURÍDICAS:
Registrei acima, com cognição precária, alguns dos vetores jurídicos relevantes para a solução desta demanda. Repiso que os temas gravitam em torno do seguinte: (a) examinar se polímeros oxidegradáveis ensejam poluição ambiental; (b) em caso positivo, apurar seu alcance, suas causas e medidas de recuperação de áreas porventura degradadas; (c) examinar se, havendo potencial poluente, as empresas que fabricariam, comercializariam ou utilizariam tais polímeros em sua atividade econômica, estariam obrigadas pela legislação a internalizar aludido custo na prática produtiva; (d) verificar a aplicação e alcance do postulado "poluidor-pagador"; (e) aferir se, caso sejam poluentes, o emprego de tais polímeros daria ensejo a danos materiais ou danos morais coletivos; (f) em caso positivo, aferir como delimitar o alcance de tais danos e meios de reparação; (g) apurar se, caso se trate de material poluente, as requeridas estariam submetidas a regime de solidariedade, conforme arts. 942, parágrafo único, 275 e ss., Código Civil; (h) apurar se a União estaria obrigada a reparar danos decorrentes disso, por cogitada responsabilidade por conta omissiva - diferenciando-se omissão genérica e específica; (i) aferir se eventual obtenção de licença ambiental, por parte dos requeridos, surtiria efeitos para a solução da demanda; (j) examinar o alcance da responsabilização objetiva ambiental; (k) examinar a validade da pretensão da parte autora, concernente à atuação legislativa da União Federal, quanto ao tema; (l) verificar a viabilidade de medidas proativas destinadas à recuperação de danos porventura causados, a exemplo do cogitado emprego de microorganismos de ocorrência natural para degradação de microplásticos (por exemplo: PAÇO A et al. Biodegradation of polyethylene microplastics by the marine fungus Zalerion maritimum. Sci Total Environ. 2017).
Em princípio, essas são as principais questões jurídicas que tangenciam a controversa debatida no presente processo.
2.48. DIREITO À DILAÇÃO PROBATÓRIA:
Em regra, o Poder Judiciário deve facultar a ambas as partes, observados os prazos de lei, a realização da mais ampla dilação probatória, desde que seja conexa ao pedido e à causa de pedir deduzidos nos autos.
Isso não significa, porém, que todo e qualquer pedido, lançado pelos contendores, deva ser automaticamente deferido. Ao contrário, as diligências destinadas a esclarecer fatos totalmente impertinentes com o thema decidendum não hão de ser realizadas, sob pena de converter o processo em um verdadeiro trabalho de Sísifo. Como sabido, frusta probatur quod probantum non relevat. Importa dizer: não se defere a realização de diligências destinadas a demonstrar fatos insuscetíveis de influenciar o resultado da demanda.
Esse é, por exemplo, o conteúdo do art. 464, §1º, do CPC. Reporto-me também ao art. 38, §2º, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo: "Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias."
Outro não é o conteúdo do art. 370, parágrafo único, CPC/15.
2.48.1. Diligência pericial:
Na espécie, em primeiro exame, a realização de diligência pericial se revela necessária para aferir se - como alegou o instituto autor - aludido polímero oxidegradável produziria microplásticos, insuscetíveis de reciclagem e de recuperação ambiental.
Logo, a medida se revela necessária.
Diante da inversão do ônus da prova, a promoção da aludida diligência é ônus da parte demandada. Não se cuida de dever de realização da medida, eis que os requeridos podem deixar de promover aludida medida. Contudo, caso os elementos de convicção veiculados nos autos, não se revelem hábeis para elucidar a causa, a inversão do ônus da prova poderá ensejar a presunção de veracidade da narrativa dos fatos, promovida na peça inicial. A questão haverá de ser apreciada, com reflexão adequada, em sentença.
2.48.2. Inquirição de testemunhas:
Em princípio, a inquirição de testemunhas seria desnecessária para a solução de uma causa como a presente, eis que gravita em torno de questão técnica - exame dos efeitos da produção, comercialização e uso de plásticos oxidegradáveis. Cogita-se, porém, da oitiva de testemunha expert (expert witnesses), na forma do art. 464, §2, CPC/15: "De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade."
No presente caso, contudo, a medida se destinaria à complementação dos elementos já anexados aos autos. A inquirição de testemunhas talvez se revele pertinente à aferição se os requeridos realmente utilizam aludido plástico oxidegradável na sua atividade econômico. Enfatizo, porém, que aludida medida demonstrativa apenas se faz necessária quanto aos demandados que tenham impugnado aludido tópico (art. 341, CPC).
A questão há de ser avaliada depois da elaboração do laudo pericial, ou mesmo antes, caso se revele necessário e célere fazê-lo.
2.48.3. Apresentação de documentos complementares:
Como registrei acima, é fato que incumbe à parte autora apresentar, com a petição inicial, os documentos em que ampara sua pretensão - art. 320, CPC. Os requeridos devem apresentar seus documentos junto com a contestação, na forma do art. 434, CPC.
Em princípio, documentos complementares apenas poderiam ser apresentados, em momentos posteriores a estas fases, quando de se tratasse de meios probatórios novos - surgidos no curso da demanda -, ainda que destinados a comprovar fatos anteriores ao início do processo. Também poderiam ser anexados quando - a despeito de se cuidar de documentos antigos -, sua relevância para o processo apenas teria sido conhecida no curso do processo, a exemplo do que ocorre quando reportados por testemunhas e desconhecidos das partes até então. Também há os casos de fatos havidos no curso do processo, na forma do art. 493, CPC/15, e que podem/devem ser comprovados pelas partes, com lastro em documentos pertinentes, ainda que havidos em fases distintas daquelas indicadas no movimento 434, CPC/15.
No caso em exame, dada a razoável complexidade do tema discutida, reputo pertinente oportunizar a ambas as partes e ao Ministério Público, a apresentação de documentos complementares, a serem submetidos ao contraditório, viabilizando-se a crítica pelos interessados.
2.49. ELEMENTOS DE CONVICÇÃO:
Com a peça inicial, o instituto autor apresentou cópia de instrumento de procuração, comprovante de inscrição junto ao Ministério da Justiça, enquanto organização da sociedade civil de interesse público. Ela juntou documento de licença municipal, emitido pelo Município de Belo Horizonte; ata da assembleia de eleição da diretoria do instituto - datada de 05 de setembro de 2018; cópia do seu estatuto constitutivo. Apresentou informativos da RES d2w™ Biodegradável.
"O que é do bem nos produtos biodegradáveis com ciclo de vida útil controlado d2w™? * É biodegradável de verdade! d2w™ é aditivo oxibiodegradável certificado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ( ABNT ) em conformidade com normas brasileiras acreditadas pelo INMETRO, e também pelo Instituto IDEAIS, e pela autoridade internacional OPA por cumprir normas de vigentes de biodegradabilidade e segurança ambiental da ASTM 6954-18 (Norte Americana), AFNOR Accord T51-808 (França), UAES 5009:2009 (Emirados Árabes Unidos), SASO (Arábia Saudita), e também pela EN 13432 nos quesitos biodegradabilidade e segurança ambiental contra resíduos nocivos, entre outras; * O índice de biodegradabilidade dos produtos fabricados com d2w™ atingiu o fantástico índice de 88,86% em apenas 121 dias, segundo recente relatório da Eurofins em conformidade com normas EN 13432 e ISO EN 14855-1; * Protege aves e animais marinhos. 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Este selo da ABNT, a exemplo do selo FSC que vemos impresso em produtos de papel, faz toda a diferença para empresas sustentáveis e ambientalmente responsáveis que protegem sua marca quando valorizam selos ecológicos do tipo I de certificadoras mundialmente reconhecidas em suas embalagens e produtos; * Ao contrário do que acontece na degradação natural dos plásticos comuns , com os derivados do Etanol da cana, e com os falsos biodegradáveis, embalagens e produtos fabricados com d2w™ não geram microplásticos pois d2w™ em degradação é um material com estrutura igual aos materiais orgânicos biodegradáveis, cheio de oxigênio, tão biodegradável quanto os resíduos da própria natureza; * produtos fabricados com d2w™ são apoiados pela FUNVERDE, ONG brasileira, reconhecida nacionalmente por sua dedicação e atuação na proteção do meio ambiente; * Parte das vendas do d2w™ é investida no plantio de árvores pela FUNVERDE, responsável pelo plantio de mais de 48.000 árvores. Estas árvores ajudam no combate contra o aquecimento global por fixarem CO2 por décadas, diminuem a poluição do ar, proporcionam sobra e preservam nascentes e cursos de água fresca; * O apoio da FUNVERDE é uma importante credencial e permite que a logomarca desta respeitada e renomada ONG seja impressa em artigos e embalagens biodegradáveis produzidas com d2w™; * Há mais de 20 anos, bilhões de embalagens estão deixando de poluir o planeta, causar alagamentos por entupimento da drenagem urbana, dos rios e córregos, e de matar a vida animal quando passaram a ser produzidas com d2w™; * d2w™ é vegano e não é testado em animais; * Não contribui para o aquecimento global; * Pode ser fabricado a partir de matérias primas de origem renovável; * É livre de metais pesados e substâncias tóxicas, atendendo a Diretiva RoHS; * Evita a poluição ambiental por décadas causada pelo descarte incorreto dos plásticos no meio ambiente; * Por ser biodegradável cerca de 200** vezes mais rápido que o plástico comum, o produto d2w™ reduz drasticamente a morte de animais selvagens por sufocamento ( baleias, peixes, tartarugas, pássaros etc ); * É reciclável e pode também ser produzido a partir de produtos reciclados. Ou seja, o produto biodegradável e inteligente fabricado com d2w™ pode sempre dar origem a um novo produto depois de ser reciclado. Isso coloca o d2w™ em sintonia com os modernos conceitos de economia circular, criando um novo uso para aquele recurso que foi utilizado na fabricação do produto; * É comprovadamente eficaz em produtos produzidos com Polietileno, Polipropileno e BOPP; * Análise de Ciclo de Vida – ACV ( ou LCA em inglês ) realizada sob norma ISO 14040 comprova que produtos d2w™ são 75% menos impactantes que os seus similares não biodegradáveis quando não existe ou é reduzida a chance de coleta para a reciclagem e o descarte inadequado no meio ambiente aberto é uma possibilidade real. Esta ACV permite a rotulagem ecológica tipo III para embalagens d2w™; * Pode ser usado em contato com alimentos ( como já é em diversos produtos de marcas famosas ao redor do mundo e aqui no Brasil ) , cosméticos e medicamentos. Aditivos d2w™ possuem parecer oficial emitido pela própria ANVISA ( além do FDA e CE ) o que garante a segurança para sua adoção nestes segmentos de embalagens; * Todas as características que você deseja e precisa da embalagem ou produto são mantidas nos produtos biodegradáveis d2w™; * O custo de produção é bastante baixo e economicamente viável, permitindo sua utilização até mesmo em produtos de baixo valor agregado, tais como sacos, sacos para lixo e sacolas; * São rastreáveis e podem ser testados em 1 minuto para evitar falsificações; * Aditivos d2w™ são controlados e rastreados desde sua fabricação no exterior até a entrega nos fabricantes aqui no Brasil, evitando a falsificação; * E o melhor é que você não precisa trocar o seu atual fornecedor de artigos e embalagens. Ele pode ser empresa licenciada pela RES Brasil para a produção de biodegradáveis d2w™. * d2w™ é marca patenteada da Symphony Environmental, única empresa no segmento agraciada com o SELO DE ECONOMIA VERDE NA BOLSA DE VALORES DE LONDRES. ** A velocidade pode variar dependendo das condições existentes onde o produto d2w™ é descartado e também está relacionada com o tipo e espessura do produto. Quem adota embalagens e produtos recicláveis e biodegradáveis d2w™? As marcas fazem toda a diferença! Importantes e renomadas empresas já usam d2w™ em suas embalagens no mundo todo! E você? A marca d2w™ está impressa nas embalagens biodegradáveis e recicláveis distribuídas pelas mais reconhecidas e respeitadas empresas do mundo. Este fato demonstra a confiança que estas importantes empresas depositam no d2w™ e quanto são fundamentais as certificações e credenciais conquistadas pelo d2w™ para a tomada de decisões." (evento1, comprovante 14)
Foram indicadas algumas das empresas que utilizariam aludido aditivo - evento1, comprovante 16. Segundo o movimento-1, comprovante 18, "Para ter certeza de que a embalagem é biodegradável e reciclável de verdade, exija a impressão do rótulo ecológico ABNT numerado e autorizado nas suas embalagens d2w™ Sua empresa rejeita o greenwashing e apelos ecológicos sem comprovação? Dá valor para a rotulagem ecológica tipo I certificada pela ABNT? Você chegou ao lugar certo para encontrar fabricantes licenciados para uso do d2w™. Abaixo você encontra lista de empresas licenciadas para produzir embalagens recicláveis e biodegradáveis com d2w™ certificado pela ABNT no Programa de Qualidade Ambiental acreditado pelo INMETRO. Estamos aqui para ajudar você. Entre em contato com a RES Brasil (19) 3871 5185 para saber quais destas empresas abaixo estão atualmente utilizando aditivos e tecnologia d2w™. Evite falsas embalagens biodegradáveis. Além do certificado emitido pela ABNT, peça a também certificação da OPA e do Instituto IDEAIS para o fabricante."
Seguiram-se o certificado de biodegrabilidade - evento 1, comprovante 19; propaganda da RES a respeito das embalagens produzidas (evento1, comprovante 20). Anexou folders, como o seguinte:

Anexou folder indicando 4 maneiras comprovadas de que o aditivo Green P-life não geraria micro-plásticos; além de folders da Eco Ventures Bioplastics. No movimento1, comprovante 32, há questionário a respeito do eventual grau de toxidade do material. Indicou-se o custo de uma caixa com 2500 copos de 180ml cada: R$ 120,00. Juntou folder com a mensagem: "Grupo da região é o 1º a disponibilizar copos e pratos biodegradáveis no país." Foram anexados folders de várias empresas e seus produtos. Seguiu-se notícia com a manchete: "Sacolas biodegradáveis enterradas por três anos ainda servem para uso." Apresentou cópia de artigo, veiculando o seguinte:
"PLÁSTICO OXIBIODEGRADÁVEL Esse tipo de plástico, já oferecido no mercado brasileiro, contém na sua formulação um aditivo acelerador do seu processo de degradação. De acordo com os fabricantes, ele se decompõe de 18 a 24 meses. Porém, não há consenso na comunidade científica de que isso ocorra. Além disso, o plástico oxibiodegradável não pode passar pela reciclagem mecânica, o método mais comum no Brasil. Assim como o plástico verde e o biodegradável, é mais caro que o plástico comum. Trocar as sacolas plásticas convencionais por oxibiodegradáveis é uma boa opção? Especialistas acadêmicos dizem que não. “Na natureza, nada se perde, tudo se transforma. Não existe mágica. O aditivo presente nas sacolas oxibiodegradáveis apenas quebra as moléculas desse material plástico em milhares de pedacinhos invisíveis a olho nu. Na verdade, o plástico ainda está lá, mas em uma estrutura diferente”, salienta Eloísa Garcia, gerente do Grupo de Embalagens Plásticas e Meio Ambiente do Cetea – Centro de Tecnologia de Embalagem de São Paulo. Segundo a pesquisadora, esses micro-pedacinhos de plástico são compostos, também, de outras substâncias – como, por exemplo, resíduos de tinta e pigmentos de impressão, usados para dar cor às sacolinhas –, que poluem ainda mais o meio ambiente. “Todas essas partículas vão se espalhando e causando danos irreversíveis, dos quais só teremos conhecimento no futuro. Tais resíduos contaminam os lençóis freáticos e as plantas. Os animais, por sua vez, se alimentam dessas plantas e nós nos alimentamos deles. Assim, estaremos todos contaminados”, completa Eloísa. Para o professor de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Haroldo Mattos de Lemos, a conclusão é óbvia: “Substituímos uma poluição visível – ou seja, as sacolinhas plásticas convencionais – por uma outra, que também é danosa ao meio ambiente, só que invisível e, portanto, mais difícil de combater: o ‘farelo plástico’. Ou seja, além de não resolver o problema, pioramos a situação”, afirma.
PLÁSTICO BIODEGRADÁVEL (COMPOSTÁVEL) ou PLA Muitos supermercados estão vendendo nos caixas as sacolas plásticas biodegradáveis, feitas a partir do milho. Segundo os fabricantes, a decomposição leva cerca de seis meses. Para que isso aconteça, entretanto, é preciso que o material seja encaminhado para usinas de compostagem, que não são comuns no Brasil, que utiliza principalmente aterros sanitários. "O ambiente dos aterros sanitários é anaeróbio, não tem característica de biodegradação para este tipo de sacola", diz a professora Eglé Novaes Teixiera, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Campinas (Unicamp), especialista em resíduos sólidos. O preço do plástico biodegradável também é mais alto que o do plástico comum.
CONCLUSÃO Para o consumidor brasileiro consciente, atualmente, só resta uma opção: diminuir o consumo de sacos plásticos, seja ele comum, verde, oxibiodegradável ou biodegradável. E selecione os plásticos que são melhores para seus filhos e para o ambiente: sem BPA ou Bisfenol-A, Policarbonatos, sem PVC e sem embalagens de isopor através dos códigos de reciclagem de plásticos. Olhe para estes números e símbolos antes de comprar (o número fica dentro de um triângulo geralmente gravado em alto relevo, de forma minúscula, no fundo das embalagens plásticas) . As escolhas mais seguras de plástico são numeradas com 1, 2, 4, e 5, estes não contêm BPA, porém contêm outros produtos químicos desagradáveis que, quando possível, deveriam ser evitados. Evitar 3, 6, e a maioria dos plásticos etiquetados com o número 7 dentre eles alguns dos mais recentes plásticos ecológicos, com exceção de polyactide, abreviado PLA ou plástico biodegradável compostável e destine à reciclagem aqueles que não for usar." (evento 1, comprovante 99)
Apresentou também artigo "Estudo indica que 47,7% dos produtos analisados têm falso apelo socioambiental" (evento1, comprovante 100), cópia do parecer técnico conjunto ao projeto de lei n o 200/2017 com a emenda n. 1 - "De autoria do Vereador Amauri Cardoso, o Projeto de Lei no 200/2017 dispõe sobre a obrigatoriedade de os estabelecimentos comerciais no âmbito do Município de Londrina utilizarem e distribuírem sacolas plásticas oxi-biodegradáveis biodegradáveis ou compostáveis, que deverão atender aos requisitos estipulados, para acondicionamento de produtos e mercadorias em geral para o consumidor final." Juntou artigo sobre "a verdade sobre as sacolas plásticas" (evento1, comprovante 102); artigo "Plásticos biodegrádaveis: cuidado! Você pode estar sendo enganado" (evento1, comprovante 103), notícia de que "Plásticos biodegrádaveis: cuidado! Você pode estar sendo enganado". Anexou cópia do julgado Apelação nº 1011907-68.2015 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, versando sobre a proibição de uso de materiais oxibiodegradáveis na confecção de sacolas plásticas. Seguiu-se cópia de artigo "ONG luta para substituir sacolas plásticas por materiais menos agressivos ao ambiente". Enfatizou-se ainda que "Muitos consumidores e estabelecimentos acreditam estar contribuindo para a causa ambiental ao escolher sacolas e canudos plásticos “biodegradáveis” – em letras miúdas, oxibiodegradáveis. O que não sabem é que mais de 150 entidades de todo o mundo, incluindo a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (ABIPLAST), voltaram a endossar o posicionamento da Fundação Ellen MacArthur que pede o banimento dos produtos com aditivos oxibiodegradantes incorporados. Estes supostamente possibilitariam a decomposição completa do plástico no meio ambiente, mas recentes análises trazem evidências de que os aditivos levam mais tempo do que o propagandeado para degradar o material e, na verdade, apenas o transformam em micropartículas." (evento 1, comprovante 114).
Ela anexou uma lista de vídeos sobre o tema - evento1, comprovante116. Na emenda de evento 3, documentos sobre "mentira verde", ação global da WWF contra o uso do plástico, notícia de 30 de maio de 2018, sobre "No Dia do Meio Ambiente, ONU promove atividades para combater a poluição plástica". "17 objetivos para transformação do mundo". "Perguntas e respostas - ABIPLAST", afirmando que o plástico seria 100% reciclável". "Os plásticos Oxibiodegradáveis chamam atenção por terem a fama de se degradarem com 18 meses de uso." Apresentou cópia do "relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre o impacto da utilização de plásticos oxodegradáveis, incluindo sacos de plásticos oxodegradáveis, no ambiente" (movimento-3, comprovante 9). No movimento1, comprovante 10, encontra-se notícia "Parlamento Europeu aprova restrições aos produtos de plástico descartáveis." Seguiu-se notícia de 22 de fevereiro de 2019, indicando que "Governo antecipa eliminação de plásticos descartáveis." Juntou-se declaração Oxo: "As embalagens plásticas degradáveis Oxo não são uma solução para a poluição de plásticos e não se encaixam em uma economia circular."
Anexou-se ainda cópia do parecer nº 1806/2018 da comissão de administração pública sobre o projeto de lei nº 170/2011 - Município de São Paulo, versando sobre plásticos degradáveis. Apresentou cópia o texto "posicionamento da ABIPLAST com relação aos aditivos pródegradantes incorporados aos materiais plásticos" (evento-3, comprovante 15). No movimento1, comprovante 17, encontra-se o artigo "Microplásticos: Contaminantes de Preocupação Global no Antropoceno", de G.P Olivatto e outros. Apresentou comprovante de inscrição junto ao CNPJ - movimento 3, comprovantes 32 a 37. Anexou cópia de acórdão SP - 2019.0000290686, evento 3, comprovante 45. No movimento 4, anexou-se documento sobre a alegada incompatibilidade do plástico biodegradável com a coleta seletiva.
No movimento 40, a requerida World Post Indústria anexou atos constitutivos e instrumento de procuração. No movimento 45, encontram-se documentos semelhantes da empresa Altacopo Indústria e Comércio. No movimento 49, encontram-se atos constitutivos da empresa Strawplast Indústria e Comércio Ltda. No evento 51, encontram-se os atos constitutivos da RES Brasil Ltda. Os documentos da empresa Plaslix Indústria e Comércio de Embalagens foram anexados no evento 52; os da empresa Supricorp Suprimentos Ltda estão no event 54. Os documentos da Copobras S/A. Indústria e Comércio de Embalagens encontram-se no movimento 54. Os documentos da Ecoventures Bioplast foram apresentados no evento 55; os da Arcos Dourados Comércio de Alimentos Ltda foram jungidos no evento 56; os das Lojas Americanas nos movimentos 59-60. Via Varejo apresentou seus documentos no evento 72.
No movimento-142, a Eco Ventures anexou certificados de conformidade. No movimento 144, a empresa Strawplast Indústria e Comércio anexou alvará sanitário, artigos sobre o caráter biodegradável do plástico - película de PBD, artigo "análise da vida útil e total degradação". No evento 145, a empresa Supricorp Suprimentos apresentou certificados de conformidade, laudo de teste de produto e folder sobre o produto. A empresa Altacoppo Indústria e Comércio anexou documentos semelhantes no evento 146, enquanto que a Copobras S/A Indústria e Comércio de Embalagens anexou relatórios (avaliação de degradação biótica e abitótica), relatórios de ensaio - SENAI, artigo sobre degradação LDPE-filme; artigo sobre o processo de degradação do filme PEBD; termo de acordo setorial para implantação de logística reversa, "polymer degradation and stability", certificados de conformidade, relatórios de conformidade, registro de patente nos Estados Unidos da América, certificados de registros. Seguiu-se também texto "Comentários sobre a solicitação da Agência Europeia dos Produtos Químicos para preparar a restrição aos plásticos oxi biodegradáveis", dentre outros documentos.
Certificados semelhantes foram apresentados no movimento 148 pela World Post Indústria, Comércio, veiculando certificados de adequação, artigos, artigo "Effects of reprocessing of oxobiodegradable and non-degradable polyethylene on the durability of recycled materials", diretiva (EU) 2019/904 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativa à redução do impacto de determinados produtos de plástico no ambiente. Manifestação de professor da Universidade Mackenzie, artigo "engodo plastificado", artigo "em defesa do plástico oxibiodegradável". Documentos semelhantes foram encartados no movimento 149 pela empresa Arcos Dourados Comércio; no evento 150 pela empresa Ecoventures Bio Plastics Importação e Exportação; evento 151 - empresa RES Brasil Ltda., no movimento 154 - Via Varejo. No evento 155, a Plaslix Indústria E Comércio de Embalagens Plásticas anexou elementos de convicção semelhantes; no evento 156 - documentos apresentados pelas Lojas Americanas.
Em réplica, foram apresentados os documentos de eventos 159 e 162, anexando relatório sobre os resíduos sólidos, no país, além do artigo "sacolas plásticas: destinações sustentáveis e alternativas de substituição." Anexou notícia da BBC - "Cinco gráficos que explicam como a poluição por plástico ameaça a vida na Terra". Anexou-se notícia de que "d2w™ reduzem 88,86% a geração de microplásticos no solo em apenas 121dias." Juntou cópia da lei nº 17.261, de 13 de janeiro de 2020 - Município de São Paulo; notícia de que "Ameaça de propagação do veto a descartáveis plásticos na capital de SP alarma transformadores do setor". Apresentou um pcc de título - "degradabilidade de sacolas plásticas", apresentado por graduanda em engenharia. Nos movimentos 174-175, o instituto autor apresentou uma legenda de documentos apresentados na peça inicial. No movimento 188, anexou-se um formulário "rótulo ecológico para aditivos plásticos com função oxibiodegradável".
Em síntese, esses são os elementos de convicção veiculados neste processo até o momento.
2.50. PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA:
No presente processo debate-se uma questão sensível, relacionada ao emprego de polímeros oxidegradáveis, alegadamente insuscetíveis de efetiva absorção pela natureza, dado gerar - segundo a peça inicial - microplásticos, carregados pelo vento, comprometendo a homeostase ambiental.
Está em questão, portanto, a suposta promoção de uma atividade econômica lesiva ao equilíbrio ambiental. Como é sabido e já registrei acima, a atividade humana sem sido caracterizada, desde o surgimento da cultura, em uma constante contraposição entre o natural e artificial. O artificial é moldado pelo ser humano, criando ferramentas para se facilitar a satisfação das necessidades impostas pela nossa condição biológica ou pela nossa forma de vida. Essa dissociação tem prevalecido, ao longo dos séculos, diante da suposição de que a natureza deveria se converter em matéria-prima, ao invés de ser reconhecida como casa (Ecos), como as condições que tornam possível a existência da vida - uma singularidade.
Assim, para esse imaginário, o progressivo emprego do concreto, o desmatamento, a canalização de rios; o pastoreio etc. foram compreendidos como progresso. Desse modo, com cada vez maior frequência, extensões significativa de matas têm sido devastados para servirem de pastos ou plantio de monoculturas. Conquanto a atividade seja necessária à nossa forma de vida, o que se discute é o seu alcance; é a sua proporcionalidade. Como destaquei acima, a questão ambiental é um tema moral - no sentido forte da expressão -, eis que coloca em causa os interesses de toda a humanidade, sobremodo das gerações futuras, das quais tomamos a Terra em empréstimo. Logo, são interesses indisponíveis, já que estamos obrigados a defendê-los enquanto compromisso inadiável com a defesa da vida, fundamento último da política - conservatio vitæ.
Na situação debatida neste processo, em primeiro exame, a narrativa dos fatos, promovida pela parte autora, parece verossímil e seus argumentos relevam-se densos. Esta em debate o pretenso emprego de material com significativa carga de poluição, capaz de comprometer a qualidade dos rios, dos lagos, demandado elevado período para sua cabal decomposição. Ademais, ainda segundo o demandante, aludido polímero inviabilizaria práticas de reciclagem, já que os métodos tradicionais de recolhimento de plásticos não viabilizariam a coletam de partículas reduzidas do polímero.
De todo modo, a questão travada nesta ação civil pública demanda o exame de meios probatórios periciais, eis que exige-se a apuração com base em uma episteme - e não apenas com lastro em doxa (senso comum, irrefletido e não sistematizado). Deve-se apurar, com lastro em diligência pericial, se o referido polímero realmente surte os efeitos mencionados na peça inicial e, nesse caso, quais as medidas para enfrentamento e restauração dos cogitados danos. Sem dúvida que, caso tal medida probatória não seja promovida, a causa há de ser solucionada com lastro nos elementos de convicção veiculados nos autos, e atentando para os critérios de distribuição dos encargos probatórios, acima detalhados. No momento, deve-se facultar às partes a realização de diligências probatórias, a fim de que o tema seja apreciado com temperança.
REPUTO, portanto, que a antecipação de tutela se revela incabível nessa quadra. Reapreciarei o tema, sendo o caso, por época da prolação da sentença - art. 296, Código de Processo Civil/15. Não há prejuízo à adequada tutela ambiental, eis que, no processo eletrônico, a causa há de tramitar com celeridade, sobremodo depois deste saneamento. Ademais, deve-se apreciar detidamente os argumentos dos requeridos e os meios de prova apresentados.
Anoto que o TRF4 não acolheu o pedido do autor, quanto à postergação da apreciação da antecipação de tutela - agravo de instrumento 5042381-85.2020.4.04.0000. INDEFIRO, pois, o pedido de antecipação de tutela, ressalvando nova análise por época da prolação da sentença.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência da presente unidade jurisdicional para o processo e julgamento desta demanda, conforme art. 109, I e §2, Constituição/1988, art. 21 da lei 7.347/1985, art. 93 da lei 8.078/1990,
3.2. REGISTRO que o autor e os requeridos estão legitimados para a presente demanda, conforme art. 17, CPC/15 e, quanto ao instituto autor, art. 5, V, da lei n. 7.347/1985. Ademais, o requerente possui interesse processual, na forma da fundamentação acima.
3.3. ANOTO que a deflagração desta demanda pelo instituto autor não estava condicionada à apresentação de comprovante de autorização dos associados, conforme fundamentação acima, não se aplicando ao caso a ratio decidendi do julgado RE 573.232/SC.
3.4. DESTACO que o presente processo não dá ensejo à constituição de litisconsórcio passivo necessário envolvendo eventuais empresas que empreguem aludido plástico oxidegradável em seu processo produtivo, dado cuidar-se, em princípio, de cogitada responsabilização solidária, conforme arts. 942, parágrafo único e 275 e ss., Código Civil/2002.
3.5. REPUTO que a peça inicial é apta, tendo veiculado detalhada narrativa dos fatos, tidos por ocorridos, segundo o autor, e também os argumentos jurídicos que amparam sua pretensão, permitindo o contraditório. Anoto que o valor atribuído à causa se revela adequado.
3.6. DISCORRI acima sobre os requisitos para o chamamento ao processo. INTIME-SE a requerida Arcos Doutorados - quem postulou a convocação ao processo do demais adquirentes do produto da fabricante Plastifama - para que detalhe quais empresas seriam essas, a fim de se avaliar a presença de eventual litisconsórcio passivo necessário. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação - art. 219, art. 224, CPC e art. 5 da lei n. 11.419/06.
3.7. REGISTRO que, em primeiro exame, a presente causa não incorre em litispendência, conforme fundamentação acima. Quanto a eventuais demandas individuais, deve-se aplicar o disposto no art. 104, lei n. 8.078/1990.
3.8. ACRESCENTO que não diviso hipótese de conexão processual, na forma do art. 50, §1, CPC/15 e lógica a contrario sensu da súmula 235, Superior Tribunal de Justiça.
3.9. ANOTO ainda que não diviso hipótese de suspensão desta demanda, para os fins do art. 313, CPC - eventual causa prejudicial externa, ressalvando nova análise do tema, caso aludida premissa seja infirmada.
3.10. DESTAQUEI que, ao apreciar o RE 1.101.937/SP - tema 1075 -, a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade da norma do art. 16 da lei n. 7.347/1985, veiculada pela lei 9.494/1997, e registrei que o presente processo é estrutural, diante da natureza do alcance da demanda.
3.11. SUBLINHEI a necessidade de se convocar, na condição de amici curiæ, institutos da sociedade civil, universidades etc., com atuação na tutela do ambiente e/ou com expertise no tema dos plásticos oxidegradáveis. Determinei o convite de tais entidades adiante.
3.12. ACRESCENTO que a pretensão deduzida na peça inicial não foi atingida pela prescrição, conforme fundamentação acima.
3.13. DETALHEI acima - com cognição não exaustiva - alguns vetores relevantes para a apreciação do pedido de antecipação de tutela, versando sobre o controle jurisdicional da atividade administrativa, controle da proporcionalidade, autoexecutoriedade administrativa, controle de omissões estatais - diferenciação entre omissões genéricas e específicas -, livre iniciativa e controles estatais, limitações administrativas, dentre outros tópicos.
3.14. DETERMINO a inversão do ônus da prova, na espécie, atentando para o entendimento consolidado do STJ a respeito do tema e para o postulado in dubio pro natura. Desse modo, caberá aos requeridos o ônus de comprovar a alegada falsidade da narrativa dos fatos, promovida na peça inicial, no que toca à causa de pedir da pretensão do instituto autor.
3.15. DELIMITEI as narrativas dos fatos, promovida pelas partes e também as questões jurídicas relevantes para solucionar este processo.
3.16. ANOTO ser relevante a realização de diligência pericial. Ademais, em princípio, a inquirição de testemunhas pode ser pertinente à apuração da alegada comercialização/produção/utilização, pelos requeridos, do polímero oxidegradável na sua atividade econômica. Defiro, por outro lado, a complementação de documentos pelas partes, conforme fundamentação, contanto que isso seja promovido no prazo de 30 dias úteis, contados da intimação desde despacho. Fixo tal prazo com o fim de assegurar o contraditório entre os contendores.
3.17. INTIMEM-SE as partes a respeito do presente saneamento da demanda, para os fins do art. 357, §1, Código de Processo Civil. Prazo de 05 dias - exceção feita à União Federal, prazo de 10 dias úteis (art. 183, CPC) -, contados da intimação, conforme arts. 183, 219, 224, CPC e art. 5 da lei 11.343.
3.18. INDEFIRO, ressalvando nova análise do tema em sentença (art. 296, CPC/15), o pedido de antecipação de tutela deduzido na peça inicial, conforme fundamentação promovida acima.
3.19. DEFIRO a promoção de diligência pericial, cujos custos devem ser antecipados pela parte autora. Anoto que - caso a pretensão da demandante venha a ser julgada improcedente - eventual reembolso de tais despesas dependerá da exegese a ser dispensada ao art. 18, da lei n. 7.347/1985.
3.20. INTIMEM-SE as partes - e, depois delas, o MPF - para que apresentem, desde logo, seus quesitos, o que viabilizará ao (à) expert a apresentação de orçamento detalhado, tomando em conta as perguntas formuladas pelas partes e Ministério Público Federal. Prazo para as partes: 15 dias úteis - exceção feita à União Federal -, contados da intimação, conforme arts. 183, 219, 224, CPC e art. 5 da lei n. 11.419/2006.
3.21. INTIME-SE o MPF - tão logo as partes apresentem seus quesitos ou se esgote o prazo para tanto - para, querendo, apresentar perguntas a serem submetidas ao(à) perito(a). Prazo de 30 dias úteis, contados da intimação - arts. 180, 219, 224, CPC e art. 5 da lei n. 11.419/2006.
3.22. ANOTO que, apresentados os quesitos, a Secretaria deverá designar um(a) perito(a) da área de química, da área de resistência dos matérias, bioquímica ou de física da matéria condensada, já que, em princípio, cada um deles teria aptidão para responder aos prováveis quesitos sobre o tema.
3.23. INTIME-SE o(a) perito(a), tão logo sejam apresentados os quesitos, para apresentar proposta de honorários e se manifestar nos termos do art. 465, §2º, do CPC, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, contados da intimação. No mesmo prazo, deverá apresentar breve curriculum profissional, a fim de que fique documentado nos autos.
3.24. INTIMEM-SE as partes e o MPF da nomeação e do orçamento apresentado e para, querendo, indicarem assistentes técnicos, contados da intimação (art. 465, § 1°, CPC), lhe sendo facultado impugnar a designação e orçamento, apresentando a necessária motivação para tanto.
3.25. INTIME-SE o(a) perito(a) - caso as partes não concordem com os honorários periciais - para que se manifeste quanto à eventual redução. Prazo de 05 dias úteis para manifestação. Não havendo concordância, VOLTEM-ME conclusos para deliberação, hipótese em que o Juízo decidirá a respeito do arbitramento dos honorários periciais.
3.26. ANOTO que, sobrevindo concordância, os requeridos deverão deverá antecipar o valor dos honorários (art. 95 do CPC) - prazo de 05 dias úteis, contados da intimação. Aludido valor deverá ser antecipado de modo pro rata por todos os demandados. A ausência de recolhimento importará preclusão tempestiva e lógica da oportunidade de realização da medida probatória. Nesse caso, dever-se-á avançar para a etapa de inquirição de testemunhas, caso se faça necessário/pertinente.
3.27. PROMOVA-SE a intimação do(a) perito(a) nomeado(a) para indicar e informar a este Juízo, com antecedência mínima de 20 (vinte) dias úteis, data e local para ter início à diligência probatória, a fim de dar ciência às partes, nos termos do art. 474 do CPC. As diligências periciais deverão ser concluídas no prazo de 30 (trinta) dias corridos, com a apresentação do laudo pericial (art. 477, CPC). É facultado ao(à) perito(a) o levantamento de até 50% dos honorários periciais depositados, conforme art. 465, §4, CPC/15. O montante remanescente há de ser levado pelo(a) expert, depois da manifestação sobre quesitos complementares, caso venham a ser formulados.
3.28. INTIMEM-SE as partes a respeito (art.474, CPC), tão logo sejam indicados a data e o local de início do exame pelo(a) perito(a), para início da realização da medida probatória em causa.
3.29. ANOTO que é dado ao(à) perito(a) promover eventuais requisições de documentos complementares e demais providências necessárias à realização do exame pericial.
3.30. INTIMEM-SE as partes, tão logo seja apresentado o laudo, a respeito do resultado da diligência pericial, cientificando-lhes que os(as) assistentes técnicos deverão apresentar seus pareceres no prazo de 15 (quinze) dias úteis, nos termos do § 1º do art. 477 do CPC. Quanto à União e ao MPF, o o prazo é de 30 (trinta) dias uteis - conforme arts 180 e 183, CPC.
3.31. VOLTEM-ME conclusos para deliberação, caso sejam formulados pedidos de complementação do laudo.
3.32. PROMOVA-SE a liberação da verba honorária em favor do(a) perito(a) nomeado, caso não sejam postulados esclarecimentos, complementações do laudo.
3.33. INTIMEM-SE as partes para, querendo, apresentarem suas listas de testemunhas, atentando para o limite do art. 357, §6, CPC. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação. Ficam cientes de que eventual esgotamento do prazo, sem apresentação da lista, implicará preclusão lógica e temporal da oportunidade de se inquirir testemunhas. INTIMEM-NAS de que - à exceção da União e do MPF - lhes caberá promover a notificação das suas testemunhas, comprovando isso nos autos, com a antecedência mínima ditada pelo art. 455, §1, CPC. A notificação pelo Juízo apenas será promovida nos casos do art. 455, §4, CPC.
3.34. DESIGNE-SE a audiência - tão logo sejam apresentadas as listas de testemunhas - conforme pauta do Juízo, privilegiando-se a realização telepresencial, e intimando-se as partes a respeito da data, horário e link de acesso. AGUARDE-SE, então, a realização do ato.
3.35. APRECIAREI oportunamente a questão concernente à convocação de amici curiæ e de expert witness, tão logo os autos retornem para deliberação, no tocante à eventual complementação deste saneador ou às diligências probatórias.
3.36. ACRESCENTO que, adiante, esgotadas as diligências probatórias, a parte autora será intimada para, querendo, apresentar suas razões finais em 15 dias úteis, contados da intimação - art. 364, §2, CPC. Apresentadas as razões da autora ou esgotado o prazo para tanto, as requeridas também hão de ser intimadas para, querendo, apresentarem suas razões finais no prazo comum de 15 dias úteis, contados da intimação. Quanto à União, o prazo é de 30 dias úteis, contados da intimação - art. 183, CPC. O MPF será intimado, então, na sequência, tão logo aludidas razões finais tenham sido encartadas aos autos, ou tenha se esgotado o prazo para tanto.
3.37. ASSIM, reputo saneada esta demanda, sem prejuízo de que haja complementação desta decisão, conforme art. 357, §1, CPC/15.